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Promessa de Vingança


Hildebrando Pafundi

 

"Brasil! Um país rico, culto, sonhador e

pobre, mas onde se oculta toda riqueza

cultural que ainda sobrou neste Planeta".

(Gilberto Lopes Teixeira, 1983)**

 

Zé de Freitas e seu filho Severino encontraram naquela favela de São Bernardo do Campo o local ideal para morar, depois que Maria de Freitas, mulher do Zé, fugiu com outro e eles foram despejados. Ele ficou desempregado, passou a viver de bicos e deixou atrasar o aluguel por vários meses. Apesar da miséria, dos riscos de desabamento do barraco de madeira e da falta de uma mulher na vida dos dois, eles iam levando a vida.

Mas, na realidade, outras coisas importantes faltavam para eles e para a comunidade, que vivia naqueles pouco mais de 50 barracos, erguidos na beira de um córrego poluído ou pendurados em barrancos. Não havia posto de saúde, nem saneamento básico. O esgoto corria a céu aberto. Ambulância ou qualquer outro tipo de veículo não conseguia entrar na favela, porque as vielas eram muito estreitas. O carro-pipa da Prefeitura parava na rua de baixo e ali os moradores iam busca água com baldes de plástico, de alumínio, latas e outros tipos de vasilhas. Os doentes eram levados em macas até o local onde a ambulância conseguia chegar. A polícia também dificilmente aparecia por lá. Energia elétrica tinha, embora fosse clandestina, puxada diretamente dos postes da Eletropaulo para os barracos. Os moradores chamavam essas ligações de gambiarras ou "gatos". As crianças menores, que não podiam freqüentar escola, porque ficava muito longe da favela, não tinham local para suas brincadeiras.

Everaldo, ovelha negra da favela, traficante de drogas e briguento, um dia aplicou uma tremenda surra no Zé de Freitas, por causa de uma pequena dívida. Um empréstimo para a compra de remédios para o filho e que ainda não conseguira pagar. Zé de Freitas prometeu vingança. Porém, como estava muito velho, passou a incumbência ao filho Severino:

--- Quando você crescer, filho, vinga essa desfeita.

Anos mais tarde, quando o pai já havia morrido, Severino se armou de uma faca bem afiada e foi procurar Everaldo. Encontrou-o bebendo cachaça com amigos em um boteco da favela.

--- Everaldo, quero falar contigo, disse.

Everaldo saiu do bar, risonho, esquecido da antiga briga com o falecido Zé de Freitas. Severino, com um sorriso nos lábios cumprimentou o valentão, que nem percebeu que o outro estava armado. A faca afiada penetrou no pescoço e depois no peito de Everaldo, que sem ser socorrido, morreu numa poça de sangue.

Mas Everaldo também tinha um filho, Pedro, com 18 anos, que prometeu vingar a morte do pai. Deixou a barba crescer, como sinal de revolta, e disse que só iria raspar depois de matar Severino, que havia desaparecido da favela. A barba foi crescendo e, quando estava muito longa, três anos depois da promessa, um belo dia, ele apareceu de cara limpa. Havia raspado a barba, como quem tira um peso da consciência, mas, na realidade, um disfarce. Vingara a morte do pai. E agora era um assassino, mas a policia procurava um homem alto, de barba longa, aparentando cerca de 30 anos. E Pedro, agora sem barba, era um jovem, que aparentava a idade que tinha: 21 anos.

Desapareceu da favela sem deixar pistas.

Julho – 2000


Este conto foi premiado entre os dez melhores no Concurso de "Contos José Antonio Riani", da Academia de Letras da Grande São Paulo em 1999 e publicado em coletânea dos classificados pela Scortecci Editora em 2000.

** Gilberto Lopes Teixeira, sobrinho do autor, escreveu essa frase quando tinha 15 anos de idade. Hoje é professor universitário, mestre e doutor em História, formado pela USP, leciona na Fundação Santo André e em outras faculdades.

O autor, Hildebrando Pafundi, é jornalista e escritor. Trabalhou por mais de 20 anos nos jornais O Estado de S. Paulo, Diário do Grande ABC, e outros periódicos da região do ABC. Atualmente é assessor de imprensa do Consórcio Intermunicipal Grande ABC e editor do Informativo bimensal dessa entidade. Na literatura dedica-se ao conto, crônica e esporadicamente à resenha.

Contatos: hpafundi@ig.com.br