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Seção de Crônicas da Casa da Cultura |
Naquele final de tarde de Verão percebi que o velho homem das laranjas, mais do que vida, era arte pura. Era pintura, de certeza, à luminosidade dourada do sol poente. Era bailado, era mímica. Era poema, era cinema por certo. Era até conto completo ou romance verdadeiro.
Naquele final de tarde de Verão, igual aos demais finais de tarde em que avistara o homem das laranjas, pareceu-me que ele era mais do que o habitual vendedor de fruta, debruçado, escolhendo, enchendo os sacos das laranjas e tangerinas e estendendo-os aos compradores, todos de braços erguidos para receber os frutos brilhantes, para entregar uma nota, para agarrar o troco, para cumprimentar.
Naquele final de tarde de Verão, os turistas que passeavam na calçada aproximavam-se do homem das laranjas na sua camioneta aberta, repleta de caixas com laranjas e tangerinas, e o homem, mergulhado naquele mar belíssimo, era mais do que um mero vendedor, era um ilusionista, um mimo, um actor.
Naquele final de tarde de Verão, na sua camisa aos quadrados, com o boné de fazenda na cabeça, o vendedor de laranjas erguia o corpo e o olhar, as mãos cheias dos redondos e sumarentos frutos, e atirava-os certeiros às mãos das crianças passantes, da senhora sozinha, do casal de namorados, do senhor idoso de gesto digno e calças impecáveis, às mãos abertas dos passageiros de cada uma das carruagens do comboiozinho de veraneantes que, lento, passava perto - e assim, do homem das laranjas partiam visíveis ondas de alegria, que estampavam sorrisos em todas as faces.
Naquele final de tarde de Verão, o vendedor das laranjas distribuía fruta e ternura, e chamava de longe os banhistas cansados da subida pelas arribas, ainda cobertos da areia macia que lhes salpicava as roupas, as toalhas de praia, as bóias e os colchões cheios de ar.
Naquele final de tarde de Verão, ali mesmo, junto ao mar, ao som de uma flauta escondida pelas árvores, rostos felizes acorriam às varandas, dos prédios saíam pés ligeiros, pela calçada, mãos leves descascavam laranjas, e lábios sorridentes acolhiam os seus gomos generosos - numa sequência perfeita, com iluminação magnífica e definição divinal.
Naquele final de tarde de Verão, o velho vendedor de laranjas era estrela de cinema, era anjo, maestro, bailarino, mimo, poeta, personagem de romance. Era vida. Mais do que isso – era arte pura!
Praia da Rocha, Julho de 2004.
Leia também as poesias de Ilona Bastos:
[O
Jardim]
[O
ritual do café]
O autora nasceu em 1959, na cidade de São Paulo no Brasil. Freqüentou o Curso de Formação de Professores da primeira à quarta série do primeiro grau, no Rio de Janeiro. Licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa em 1983. Exerce a advocacia em Lisboa. As suas atividades favoritas foram, desde sempre, a leitura e a escrita. Suas principais publicações: Poemas no JL (Jornal de Letras) e na Antologia de Poesia Portuguesa Contemporânea, “A Espantosa História do Dinossauro de Fraldas e outras misteriosas narrativas". Entre Outubro de 1998 e Janeiro de 1999, na Revista Rua Sésamo, os contos: "A Menina-Alfacinha", "A Partida", "A Chuva" e "O Eléctrico de Natal". Além de seu site de poesia ainda possue: À AVENTURA! - Site de Histórias Infanto-Juvenis e ANÕES E GIGANTES, PRINCESAS DANÇANTES – site de Histórias de Encantar.
Contatos: BaptistaSerodio@netcabo.pt
Página Publicada em 27/04/2005
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