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Seção de Crônicas da Casa da Cultura

Arte contemporânea ?

Declaração da falência de um estereótipo



José Luis Ferreira

  «...o facto é que ele morreu. Já não pertence ao Tempo deste mundo! Mas ninguém se atreve a dizer-lhe que está, definitivamente, morto.»

(apócrifo de J-J. Grisard)

 

 

1.

 

No auge da autossuficlência marcial dos anos subsequentes ao segundo pós-guerra (em plena metade do séc.XX), os donos da História adoptaram o estabelecimento de um conceito estereotipado de «Arte Contemporânea», uma convenção relacionável com a pertinaz tendência (tradicional-chauvinista) da cultura ocidental europeia, para uma vetusta e inveterada hegemonia no expansionismo ecuménico, de radical latino, anglo-saxónico, ou misto. Uma cruzada. Uma colonização. Um diktat fundamentalista que potenciou alguma irracionalidade, em nome de ideossincrasias positivistas e de um pseudo-materialismo dialéctico (que a lucidez de Max Gallo1 intenta recuperar) e invadiu, em frequência nacional-redutora, os movimentos contestatários juvenis dos anos sessenta e setenta (enquanto, fugazmente, «il fût ínterdit d'interdire»2.

O comunicalismo informático -- que vem gerando alguns estados de sítio socioculturais, no limiar da aldeia global -- desmoronou gradualmente, por um lado, as barreiras primárias da ignorância convencional. Mas, por outro, estabeleceu noções diferentes ainda mal delineadas de fronteirismo estratégico polítio-cultural, num âmbito macro-económico geoespacial igualmente diferente, criado por uma realidade virtual que (hoje, quase ainda, recém-nascida), minimalizará, a curto prazo, o um novo sentido ilusório e se reprojectará redimensionará materialmente e modificará -- para além do domínio organofuncional e morfológico -- os estilos modais de vida das sociedades humanas, em reformulação segundo dinâmicas gregárias menos estáveis.

Preconceitos consuetudinários que, ainda em meados deste século, fizeram sentido e vigoraram, como normas sociais e padronização axiológica, têm-se esvaido, perdendo as potencialidades de qualquer conteúdo, antropocultural ou etnológico, sequer ao menos!

A instalação de novas pluto-teocracias está-se sedimentando e assume proporções -- sintomáticas à escala planetária -- com uma rapidez tão progressivamente veloz que não permitirá a sobrevivência histórica de estruturas institucionais que permaneceram com uma sólida imagem de inabalável e aparentemente dominante estabilidade, ao longo do segundo milénio.

Com inexcedida astúcia, o internacionalismo corporativo, alicerçado na posse e controlo dos transportes e das comunicações, sobreviveu e geriu as culturas, quer de escala autóctone, quer universal, à custa de alianças familiares e emblemáticos atrasos de vida (elegendo, como baluartes, os espectros civilizacionais mais ridículos).

Como se uma ideia proto-platónica de poder fosse superiormente liderada por múmias eternamente vivas, enquanto se manteve a obediência das populações, manipulada por enigmáticas esperanças de superação da doença, da fome e do medo da morte, com a promessa política da felicidade espiritual, com uma saúde física permanente, ilimitada e colectiva.

O estatuto utópico, sedutor e cativante, desse internacionalismo corporativo não localizável iludiu-se, porém, com o sequestro temporariamente bem sucedido da liberdade de pensamento, e o sacrifício do primado da «poesis» como essência humanística da Arte, profissionalizando o seu exercício segundo as regras laicas de um sindicalismo proletarial estruturalista. As Belas-Artes e os Conservatórios do séc. XIX terão assim iniciado o processo burguês-corruptivo da unicidade estética formal e da sua tecnocratizaçáo, à margem de uma imediata co-responsabilização das comunidades universitárias espartilhadas.

O conceito de contemporaneidade, em Arte, está como que vinculado ao arbítrio desse internacionalismo corporativo mutante e continua a pautar-se mimética e estereotipadamente, segundo atributos classificativos, categóricos e generalistas, desajustados e descomprometidos ...pelo jeito que dá o recurso abstracto à separação teórica das águas da «cosa mentale» e da «inteligentzia», nas «asas pós-socráticas dum anjo cartesiano3 que morreu ontem».

É obviamente tão admissível como inadmissível a classificação das Artes Plásticas (por exemplo) em contemporâneas e não contemporâneas, quando se prolonga a dominância da periodicidade crono-histórica (na óptica monolítica de calendarização do passado), segundo a teoria das distâncias, marcada por «milestones», num percurso hipotéticamente plano e rectilíneo, incompatível com a imprevisível evolução do fenomenómeno criativo-cultural humano.

As eras, as épocas, os períodos consagrados pela ciência histórica (investigacional) - como unidades de síntese metodológica - implicam a coexistência simultânea de intervenções multidisciplinares com diferentes graus de exigência, mas têm-se mantido universalmente aceites: como uma pausa - ou uma trégua - que vem adiando a revisão e a reforma (à margem de sucessivas contestações), da sua coerência e validade ...ad perpectvvm.

Como se nenhuma necessidade cultural tivesse determinado a sua alteração, a Cultura oficial ocidental tem-se mantido sem vontade nenhuma para acertar os ponteiros do relógio da História - enquanto disciplina de elementaridade popular não primordial - e mantém estipulada, desde o século passado, uma mesma divisão orgânica do seu crono-puzzle de matérias em: Pré-História, Antiguidades Oriental e Clássica e Idades Média, Moderna e Contemporânea (com a Europa marcando as coordenadas da hora zero, como centro indiscutível do mundo).

Será essa a origem equivoca (que privilegia a fossilidade de alguns preconceitos autonómicos e discricionários do léxico, na gíria da vul gata historica) do estereótipo da contemporaneidade expandido à evolução das Artes, apesar de ela ser acrónica(?), por definição...

Os adeptos do futebol, os prosélitos de outras seitas tribais de menor extensão e outros leigos, ou os indiferentes, em geral, a estas questões menores da existência quotidiana -- sem ofensa! -- estão-se borrifando para a contemporaneidade das artes, tanto quanto para os acordos ortográficos luso-brasileiros e a lusofonia aplicada, para o raio da Terra e para a eventual problemática da sua própria contemporaneidade...

Em várias acepções, plausivelmente escolares ou, pretensamente, académicas, estou em crer que a importância desta questão não residirá, também - restrita e exclusivamente - na glosa especulativa de um mote desta complexa natureza.

Mas quando se está perante um caso gritante de leviandade intelectual que mexe com a nossa sensibilidade, ou se corre o risco de uma manifestação - mais ou menos elegante - de repúdio, ou se fica pela indiferença, ignorante e silenciosa, de alguns políticos cabotinos, ou pela banal suficiência autodesresponsabilizada, que grassa nesta sociedade novo-riquenha de jogos premiados e marginalidade, aliviada do peso da consciência ética, pela geral abundância pro-consumista patenteada, sob o signo da permissividade civil mediocrática e da normopatia da mudança, pós-ruptural, da sociedade estatística.

Para mim, seria importante lançar este desafio. Promover o abate de um pretexto desajustado à adjectivação neutralizante e minamilista do conceito de Arte, quer tal pretexto integre ou não designações ofciciais elou oficiosas de qualquer coisa ou noção instituída, por menor que seja a importância, ou maior a gratuitidade de que se revista!

Não desejo chamar as atenções sobre mim próprio, mas para a denúncia desse contundente conceito que reclamo arripiante, insignifiativo e estereotipado de... Arte Contemporânea, em função das suas dúbia subjectividade e vacuidade historicista!

Trata-se de uma noção convencional ténue, proveniente de um suspeito sentido metodológico, mesmo quando, restritamente, se associe uma imagem de modernidade (actual), à ideia oportuna da sua diversidade de forma e conteúdo, conservada por uma tradição cujo significado se perdeu, a ritmos e frequências diversos, nos estádios (obviamente diversos, também) da significância hermética que se lhe co-atribui referencia e cataloga, lhe está compreendida, ou se lhe subentende, enquanto tal.

As gerações mais jovens encontrar-se-ão, por natureza, distanciadas de certos dados adquiridos pelo conhecimento, erudito ou empírico, eventualmente desinteressantes, vivenciados por grupos etários menos próximos, ou mais afastados, não obstante alguns dos seus representantes - como eu, por exemplo - permanecerem seus contemporâneos, unicamente pela legitimidade do <facto meramente acidental de ter nascido»4 e não se manterem, ainda, vivos...

Esta verificação lapaliceana não atinge - inevitavelmente - a maioria daqueles que, percentualmente muito poucos (em termos demo­estatísticos), são vocacionalmente dotados e (ou) estimulados, por algum interesse mais pronunciado e sensível pelas pretensas questões culturais, humanísticas e sociais, aferidas por este diapasão...

Por outro lado, as noções de contagem e de passagem do tempo cronológico - tal como é medido, em termos de comprometimento biológico, geo-planetário - não reabilitam a lógica dessa invariável condicionante convivial; antes estabelecem clivagens contingenciais e alguma tensão dialética - em certos casos insuperáveis - na permissão do diálogo inter-geracional, mormente no que concerne as relações de intercâmbio cultural, na causalidade e efeito (na casuística e na problemática) sobre as fenomenologias artísticas.

Contrariamente a algumas expectativas, o advento das tecnologias da informação (cujo precursor terá sido o Mark 3 5, não favoreceu com a suposta rapidez uma aproximação entre as gerações coevas e do quarto de século seguinte, nem filtrou, até este fim-do-século, a substância da divulgação do conhecimento multidisciplinar, progressivamente mais acessível através das intercomunicações via-satélite. Antes tenderá, porventura, à mobilização caótica das primeiras gerações do séc.XXI, dissuadindo o interesse (e a paixão) dos homens pela Arte, tal como fora, coexistentemente, concebida, entendida e produzida, desde o início do séc. XX, quando a coragem teria consistido em «aceitar as novas condições que a vida aporta à ciência e à arte, acolher e explorar a complexidade quase infinita dos factos e seus pormenores e, além disso, iluminar essa realidade enorme e confusa com ideias gerais, organizá-la e elevá-la, através da beleza sagrada das formas e dos ritmos»6.

Encontramo-nos no limiar de um novo mundo extremado, lógico -- coerentemente, neológico -- em relação a todo um passado múltiplo de presumíveis incoerências e grandes contradições (recentíssimo para as mais velhas gerações, arqueológico para as mais jovens), espelhando uma espécie de déjà-vu, imperceptível à maioria dos contemporâneos que, mais rapidamente, entrem, ou não entrem, nele, seduzidos, ou frustrados pelo inesperado.

E são, precisamente, os árbitros da elegância -- generalistas sensitivos superficiais, frequentadores da vadiagem chic, na vacuidade do acidentalismo social -- os mais estranhos adivinhos do porvir antecipado, [...]«os brilhantes desenhistas de moda, uma raça notoriamente não analítica, conseguem às vezes prever as formas dos acontecimentos futuros, melhor que os profetas profissionais» cujo motivo constitui «uma das mais obscuras questões da história e, para o historiador da cultura, uma das mais fundamentais» [...], indispensável para um entendimento do impacto «da era dos cataclismos no mundo da alta cultura, nas artes da elite, e sobretudo na vanguarda» [..], sendo dado adquirido «que essas artes previram o colapso da sociedade liberal burguesa» com larga antecedência7.

As heterogeneidades civilizacionais, a coexistência histórica de sociedades culturalmente assimétricas e o ritmo de crescimento da interpenetração paradoxal de valores, supostamente incompatíveis, perante novas ordens criticas do pensamento, introduzem novas noções de reajustamento, alterações e diferenciações disciplinares, no campo da organização filosófica das actividades humanas, sob a pendência dos resultados dinâmicos, aliás cada vez menos previsíveis, no equilíbrio instável das instituições tradicionais em mutação, em desagregação, ou extinção aparentemente sumária, abrindo à nostalgia o fantasma da crise dos valores.

o ecumenismo unívoco das comunidades tradicionais (logo em vias de desaparecimento, após os primórdios da democratização política, versus ditadura e totalitarismo de estado) pulverizou o conhecimento e o saber, com taxas crescentes de desarticulação social.

A informação desenformou, desapetrechou e neutralizou soit-disant, as estruturas tradicionalmente definidas pelas faculdades das universidades clássicas, incompetentes já, hoje, por simples incapacidade concorrencial, para assegurar resposta ao modelo monopolista da produção seriada de actores de elite e candidatos a líderes seleccionáveis para cumprir as vagas por falecimento ou senilidade inocultável na hierarquia dos poderes político­económicos, cujo estertor eclodiu com o delírio da «filosofia da inconsequência»8, no Maio de 68, e proliferou na teatralização das anarquias conflituais estudantis, euro-americanas e asiáticas, em versões subsequentes, banalizadas pelo mediatismo controlado e pelas formas repressivas do poder sistematicamente reinstaurado.

E, do Maio 68, extrai-se, ainda, com incrível lucidez e eloquente simplicidade, uma grande lição conclusiva. Em síntese9: «o nosso pobre saber ocidental» encontra-se muito distante de uma noção superior de cultura, «porque ela não deve ser considerada nem como um conceito nem como um princípio indicativo, mas como o cerne existencial-vivido de um problema global, coincidente com a mais rica, simples e total de todas as realidades».

A noção de contemporaneidade perde mais ainda a sua já vaga importância referencial perante a evidência de resultados da aceleração histórica, em todos os domínios materiais da actual realidade humana.

E, com o gradual desaparecimento dos valores familiares típicos e da representatividade geracional, arcaízar-se-à qualquer nomenclatura institucional que, pretensamente, se lhe co-estabeleça ou (enquanto tal) se intente fazer subsistir, com qualquer fundamento básico, artificial, de inusitado sentido lamecheiro, atávico-alusivo, provincial e bairrista, condenado à mais progressiva precaridade.

Apodar de contemporânea (de quê, de quem?) qualquer actividade humana generalizadamente classificável ainda -- como a Arte -- pode, assim, considerar-se (já nada prematuramente) como um acto intelectualmente gratuito e cronologicamente fóssil... ainda que -- como no caso das bibliotecas e museus (e mesmo quando não se trate de puros cemitérios de cultura!) -- as populações fixas e flutuantes os enxerguem com o respeito medroso710 típico da mais pertinaz curiosidade turística.

2.

(CONTEMPORANEIDADE MUMIFICADA)


Nos finais do oitocentismo, a cultura mundial (científica e humanisticamente falando, tal como era, esquemática e dicotomicamente, entendida...) confluía para - e refluía, ainda, da - Europa (como se Paris fosse o centro desse e de quase todos os universos, carolíngios e pós-napoleónicos!).

Iniciara-se uma profunda revolução cultural e artística, provocada por pequenas quase insignificantes excrescências da Revolução Industrial - nuclearmente mal distribuída - em trânsito.

Os inventos da fotografia11 e da reprodução fotográfica no segundo quartel do séc. XIX 8 e, mais tarde, a descoberta da chapa em tricromia, para fotografia a cores12, marcam o início da crise e destituição de objectividade funcional e da redução de importância sócio-profissional (clássico-tradicional) das primeiras Artes Plásticas convencionais e académicas: o Desenho, a Pintura e a Gravura.

Todavia -- e esta é uma questão raramente é denunciada -- alguns cronistas, historiadores especializados e a maioria de certos críticos extemporâneos, obviam sistematicamente, decidem ignorar, ou menosprezam, os valores componencial e exponencial desta importante vertente concreta da influência socioeconómica (autodefensiva no domínio do profissional mas, simultaneamente, enriquecedora e tendencialmente revolucionária, do ponto de vista criativo), ao promover a mutação de postura dos artistas contemporâneos da aurora da tecnologia industrial da Fotografia, ulteriormente reconhecida como nova arte plástica, publicamente enobrecida e culturalmente valorizada pelo prestígio que viria a conferir-lhe a dignidade autoral.

A omissão dessa correlação histórica elementar, ou a subestimação negligente do fenómeno, têm distorcido o panorama sociocultural da época, e desinserem o Impressionismode um contexto cultural verosímil... que, em nada, desmerece -- antes requalifica! -- os geniais pintores que o fundaram, refundindo um conceito inovatório dificilmente introduzido na estética da pintura.

Como se, desde 1874 (vão lá 130 anos!), o seu surgimento tivesse consistido, ou remanescesse, da espontaneidade dum movimento cultural colectivo, autónomo, e auto-premonitório, de artistas romântico-ingénuos, magicamente iluminados, ou investigadores nefelibatas puros!, a promoção dessa nova maneira de pintar -- que acabaria por projectar-se e conservar-se, na genuinidade original da própria Arte nossa Contemporânea (leia-se coetânea...) perfilharia o mesmo obscurantismo e a mesma inverdade parcial com que os propagandistas, deliberadamente, fazem ressaltar as virtudes dos bens e serviços que apregoam. Contra tudo. Contra toda e qualquer potência concorrencial.

Muito se diz e escreveu sobre o Impressionismo (anunciado através do quadro «l'Impression...» Sol Nascente, de Claude Monet13, sujeito a contundentes críticas da agressão romântica pro-natural-realista, coeva extensiva ao trabalho impressionista emergente nos pintores adjacentes, aderentes, ou sucedâneos (talentos inflaccionados por tudo quanto é sítio), a jusante da teorização simplista que fundamenta «uma forma de arte privilegiadora da transmissão de impressões sensíveis recebidas do mundo real visível e postergadora de todo o descritivismo pormenorizado do desenho tal-e-qual», conversível em outras definições, como a de «sistema estético que toma as impressões subjectivas como princípio criativo ...ou crítico», que consiste da «espiritualização do inanimado»14 a que se opõe «a personificação dos objectos» nos expressionistas ou, ainda, «a forma de perceber o mundo exterior e de traduzir tais percepções pela análise da cor»15... que, inocentemente, afinal, abrangem algo que é suposto ser atributo comumente artístico ...em pintura!

As reacções suscitadas pelo advento embrionário da era tecnológica da fotografia industrial não se confinariam unicamente ao impressionismo disparado por Monet e outros precursores16, nem parece terem surgido completamente à margem de necessidades classistas de prestígio social, das leis da sobrevivência ou da pura coexistência, gerando a inspiração de novos conceitos, entendimentos e posturas, mentais e formais, na poesia e na música, na filosofia teórica e prática da estética.

A França da liberdade política à revolução burguesa, pós-napoleónica e imperial, deu origem à pré-desordem amorosa do romantismo passional europeu nas Artes e Letras e agitou fulgurantemente o debate individualista das ideias, hipotecando muitas personalidades aos valores aparentes do apatridismo e da mundialização francófona, que seduziram o pensamento crítico à luz convivial parisiense, onde dificilmente era ultrapassável um estado de latência adolescente.

A agitação boémia e a fecundidade do trabalho criativo propiciavam ligações e relações de alta intensidade, risco de interdependência mental e vícios sociais de produção teórica comum. Mas, a despeito de certa solidariedade folclórica -- desmentida por pungentes e pouco urbanos dramas verídicos -- a famosa Cidade-Luz sempre albergou uma face oculta de tacanhez provinciana e de um miserabilismo sociocultural de intensas rivalidades.

Tampouco -- entre oficiais do mesmo ofício -- jamais deixaram de prevalecer as afrontas mais estapafúrdias e os mais mesquinhos duelos do sttruggle for life, quando as disputas concorrenciais estão implicadas no processo de subsistência das classes artísticas. Daí que o movimento soit-disant Impressionistaviesse a ser posto em causa por outras soluções, cada vez mais anti-fotográficas e radicalmente contra-naturalistas, segundo uma dinâmica paralelamente influenciada pelas grandes forças motrizes que rebocam a moda, virtualmente à margem da Nation. A interpretação impressa do quotidiano político-social, a arma a tiracolo grátis da «opinion publique»; os mercados clandestinos das indústrias proibidas; e os subterrâneos aventureiros da pobreza à corrupção urbana a ao poder marcial.

Tudo assim, ainda algo primitivamente, ensaiava-se um período de falsa apaziguação diplomática, no divórcio aleatório entre a estética e a ética sociocomportamental de agentes culturais, em posições opostas e simultâneas, quer nas academias e tertúlias, quer no comércio, entre o liberalismo burguês e os primórdios da intelectualidade populista.

Daí, ter o Expressionismo (dito alemão) surgido, como uma tendência artística e literária reaccionária ao Irnpressionismo (original francês), tendendo a instituir uma mais inovadora filosofia estética, ou visando «encontrar um modo de expressão das sensações, não se limitando já a produzir a simples impressão determinada pela visão do mundo exterior...».

Sem hora certa, os seus prenunciadores surgem, de facto, no norte e centro-oriente europeu, em finais do séc. XIX17.

Esta «nova heterodoxia, agora expressionista»(mais agudizante da oposição sistemática aos cânones do academismo, à reprodução tradicionalista do tal-e-qual e à solução anti-fotográfica simplista dos impressionistas) reivindica, afinal com uma proposta ruptural mais sólida, a libertação da escravatura às Belas-Artes clássicas a naturalistas, tanto quanto em relação a todos os seus possíveis revivalismos.

Apesar da personalidade individualista da maior parte dos artistas plásticos, as antigas escolas, marcadas pelo servilismo ao mestre, deram lugar a grupos inter-pares, caracterizados por diferentes hermetismos, envolvendo filósofos, literatos e poetas, ex-artistas e críticos que, entre a teoria e a prática -- um tanto como sempre! -- estabeleceriam dinâmicas próprias e desenvolveram actividades mais ou menos colectivamente referenciáveis, sob denominadores doutrinários aproximadamente comuns aos enunciados, princípios, ou manifestos divulgados.

Com o dealbar do Expressionismo, preconiza-se o fim da sujeição às grilhetas da maestria convencional, podendo afirmar-se que -- historicamente relacionado com a revolução e a evolução das tecnologias industriais, um novo mecenato é conquistado no espaço financeiro dos mercados nascentes -- confere uma mais-valia às novas Artes Plásticas e remete para o negócio de antiguidades os mecenas tradicionais, remove o criticismo ortodoxo (que se remete à história de arte) e promove a publicidade social, as críticas poético-intelectual e sociológica umbilical o pseudo-especialismo up-to-date, como seu mal recortado suporte pericial especulado como baluarte cultural bolsista.

Sobretudo após o impressionismo - e a partir das primeiras dissidências e oposições (geradas e encorajadas pela novidade emergente das suas e das propostas expressionistas) - inicia-se a constituição de grupos18 exploratórios em novos campos experimentais de procura técnica e temática, associados a nomes posteriormente famosos, que foram os seus mentores, líderes ou detractores... e ultrapassaram as fronteiras europeias, emigrando, exilando-se (com a segregação anti-semita ...ou após a derrota nazi) ou de regresso às origens ex-coloniais, nas Américas, para onde transferiram o talento e os novos estilos da recém-adquirida liberdade criativa, promovendo novos centros culturais, que rivalizaram e suplantariam a vetusta e arcaizada tradição parisiense, entretanto recuperada pelos movimentos estéticos do pós-guerra, mas já em pé de igualdade progressivo, com as outras metrópoles europeias: Londres, Amsterdão e Bruxelas, Estocolmo, Berlim e Munique, Roma e Florença, Barcelona e Madrid, ou Porto e Lisboa...

O grande negócio contemporâneo das Artes passou pela construção de um novo (e ainda comercialmente obsceno) mercado artificial coerente a uma realidade virtual financeira reposta em multi-divisas, detergentes fiscais permissivos de trocas marginais correntes em proto­dóllars (petrodollar, diamondollar, narcodollar), que correspondem à legalização equitativa dos «trinta dinheiros de Judas»!

A falência ética do conceito estereopostcipado de Arte Contemporânea está, desde sempre -- por definição -- anunciada.



3.

De um ponto de vista sociológico, as Artes Plásticas maiores (agora integrando a Fotografia post-Magritte),as artes gráficas e cenográficas, bem como as artes aplicadas, decorativas e o design, tanto quanto o artesanato e certos ofícios correlativos, vieram a constituir actividades generalizada e directamente interactivas (gerando sinergias complementares e dinergias intercompetitivas ou conflituais) coetânea e geopoliticamente, na sua convivência com as mais variadas (e, porventura paradoxalmente, díspares e anacrónicas) categorias profissionais, independentemente das confusões que o pensamento acrítico, libertário ou aldeão, possa, aleatóriamente, estabelecer.

Já aos especialistas responsáveis não seria lógico conceder, gratuitamente, por razões da mais elementar coerência, a libertinagem, o pornografismo ou a prostituição inglória, do mesmo tipo de derrapagem intelectual... quanto ao uso e abuso da palavra e do conceito de Arte Contemporânea!

Ou seja: a adopção e utilização -- ad æternum -- de designações classificativas categóricas, envolvendo um vasto sentido nocional aparente de abrangência, artificialmente tão preciso como os de contemporaneidade, modernidade, actualidade, era, ou período histórico, não parecem susceptíveis de dúvida, quanto à sua incorrecção, significante na conveniência metodológica, maugrado a inadequidade substantiva da sua aplicação científica.

Será, portanto, paralógica a atribuição ao conceito de contemporaneidade de um sentido meramente alegórico de perpetuidade-intemporal, a título pragmático e, ortodoxamente, definitivo.

Sendo improvável e intelectualmente manhosa a ideia de que uma leviandade institucional, ou uma inspiração burocrática, pouco imaginativa e desactualizada, terem presidido à nomenclatura designativa de vários museus e colecções de Arte Contemporânea, por esse mundo fora, vamo-nos preparando para alterá-la, enquanto é Contemporânea e enquanto forem considerados Arte os seus conteúdos?

Quer-se dizer: nenhuma definição de Arte Contemporânea, por mais ecléctica e menos subjectivamente convencionada, sobreviveria -- a menos que, a fortiori (sob pena de grosseira calinada!), seja incoerentemente decretado o oposto -- às gerações convencionalmente enquadradas em determinado âmbito de datação cronológica que, correlativamente, possa ser-lhes comum, postergando-se a genuinidade do adjectivo «contemporânea», nesta forma concordante, em género, com o substantivo que qualifica, criando uma locução nominal conjuntiva de significação completa e perfeita (?).

Portanto -- a título exemplar-lato, ao estilo luso-europeu -- museus da Arte Rupestre à Arte Antiga, da Arte Medieval à Arte Renascentista, não terão, pressupostamente, entre si, uma denominação-designação com grau de efemeridade idêntico àqueles, atribuíveis a museus de compromisso com a Arte Contemporânea (coincidente com Idade Contemporânea?), ou de Arte Moderna (não-coincidente com Idade Moderna?), cujos períodos de vigência denominativa variam segundo pressupostos que se parametrizam, numa lógica crono-temporal outra... ou sob datação dos conteúdos e/ou das gerações coevas (a que respectivamente pertençam certos autores).

Segundo determinadas ordens classificativas, poderiam ser taxados de modernos, tanto alguns futuristas (do início do século XX) quanto certos primitivos (desde eras imemoriais) como os visionários reconhecidos e catalogados, desde o séc. XIII19, até os nossos dias!), como os cubistas, alguns fauvistas e a maioria absoluta da anti-arte dadísta ou auto-reclamados do Surrealismo, para não irmos mais longe, ou chegarmos mais perto ...podendo ser passíveis de exclusão inumeráveis artistas contemporâneos avant la lettre... passe a ironia!

...e quem serão, por assim dizer, os autores, o quê e qual poderá ser a (assim e, agora, obrigatoriamente) chamada Arte Contemporânea (de um hoje que, em certa data nasceu, em certa data fatalmente falecerá) -- segundo os contemporâneos selectores do absurdo -- padrinhos adoptivos das colectâneas museológicas que, por definição, no futuro, amanhã (que é quando?), serão, irrevogavelmente, Arte Arqueológica, a despeito de hoje, serem -- de facto e ainda nossos -- contemporâneos?

...a dimensão das Artes Plásticas no espaço cultural humanista está cada vez mais constrangida e pode, perfeitamente, vir a perder a importância socioeconómica já diminuta de que ainda desfruta! E corresponde ao [...] «nó da tragédia cultural moderna, é a tragédia da reflexão» que se extingue num meio de ruído e saturação do tempo livre. [...] «Quando se fala em fazer comunicar a cultura científica com a humanista, é um absurdo, pois não há simetria, não há analogia nem estrutura comum entre estas duas culturas de tipo absolutamente diferente», enquanto a cultura consumível de massa, inflaccionada pelo crescimento constante da informação, constrói e destrói valores desequilibrados pela ausência de critérios. [...] «os pedagogos e os professores não são capazes de reflectir sobre esta cultura, que lhes parece concorrente, pois sabem que os alunos preferem a televisão aos seus deveres. Sem falar do facto de que a vida política continua sob o império dos mitos, das ilusões, dos erros, do som e da fúria» [...]20.

Admitamos ter sido, ou vir a ser, contemporâneos, durante um século, da Arte realizada em dois séculos! ...e teremos Arte Contemporânea desde -- por exemplo -- 1850 a 1950, de 1950 a 2050 ...ou de 1999 a 2099, conforme as metrologias adoptivas ...ou convencionais!

A desagregação cultural está em consumação, acompanhada por sucessivas advertências, nem todas hipócritas, nem todas profitistas, tendo fundamento os seus alarmes e consistência os seus diagnósticos. Mas há ensaios ...«que parecem servir de alibi ao sistema que culpabilizam. Suscitam tempestades mas são absorvidos por areias movediças que os engolem e tudo retorna à calmaria.» [...] «os filósofos atiram-se à ciência de vez em quando, os pregadores aos pornógrafos, os ecologistas aos industriais, os sábios aos políticos, os professores aos programas universitários, ou os escritores à televisão...

Atacam-se os problemas enviesadamente, sem sair-se de círculos viciosos porque a nossa sociedade proíbe as batalhas frontais. No fundo, é o corporativismo que vence: os homens de letras poupam os homens de letras, os sábios poupam­-se entre si. E esta convenção não se desafia impunemente».

Porque contemporânea (ainda, ou já não, num horizonte sempre indesejadamente próximo) a Arte Contemporânea prevalecerá como Arte, supostamente, se assim for entendida pelos homens do Futuro, segundo o gosto e as sensibilidades do porvir.

Ultrapassada, portanto, a data de validade da sua contemporaneidade, essa Arte (não obstante não seja mais coeva, num Futuro onde não existimos, com os seus autores) verá desactualizado o carácter que se lhe atribui e proclama anacronicamente, nos museus desta nossa geração-términus.

O seu valor monumental e/ou documental perene, no que possa vir a significar (culturalmente) ou custar (mercadologicamente), continuará a residir, objectivamente, no que dela for plástico e durável, estético e histórico -- mormente como antiguidade material leiloável -- permanecendo, supremamente, como um testemunho, legado gratuitamente aos vindouros, das nossas linguagens mais raras e incomuns mas, porventura, susceptíveis de melhor tradução, do que escritos como este, de contestação e revolta puramente egocêntrica -- e quase lúdica -- contra alguns hábitos moribundos de triunfante mediocridade, com o cheiro previsível do lixo nuclear e o luxo lascivo da retórica, como exercício masturbatório da escrita inútil, para leitores eventuais de flashes publicitários, headlínes dos jornais que ainda existam e títulos arcaicos de CD-Roms em vias de extinção, para decifrar, como hieróglifos, nas horas de lazer do Futuro.

Deixei de considerar a moralidade romanesca das lendárias novelas de Cavalaria -- desde El Cid a D. Quixote (passando pelo Amadis de Gaula) -- como algo mais digerível do que aqueles capítulos avulsos do «Mein Kampf» que inspiraram a decisão de ignorar-se o massacre de Pear Harbor justificativo do crime aliado em Hiroshima-Nagazaki e das partilhas de Yalta.

Caramulo, 1999/2002

1 «Manifeste pour une fin de siècle obscure», Max Gallo, 1989

2 «JOURNAL MÛRAL/Mal 68» - Sorbonne, Odéon, Nanterre, etc.», Julien Besançon, 1968

3 v. «o Erro de Descartes» de Manuel Damásio

4 in «São Mortas as Flores», poemas de Maria do Céu Guerra - Col. Beat Generation [Aga Ed. Lisboa1963/Carmo Vaz/Artur Bual/J-L.Ferreira/José de Melo/Ant.ºValdemar]

5 o monstruoso ordenador electromagnético criado por Howard Âiken, 1943

6 asserção de Jean Jaurès (fundador do PSF/SFIO) em 1903, antes da oposição polémica ao «l'Humanité»

7 «A Era dos Extremos, história breve do séc. XX» e «A Era do Império», Eric Hobsbawm, 1994

8 título de um artigo de Cohn-Bendit in Le Monde Diplomatique», 1978

9 Michel de Certeau «...prise de la Parole»

10 Fernand Hazan «L’art abstrait»

11 descoberta óptica da fotografia, pelo físico Nicéphore e da fotoreprodução inicial sobre vidro, pelo sobrinho daquele, o químico Abel Niepce de St.Victor, 1827

12 investigação e invento da tricromia pelos industriais Auguste e Louis Lumlêre, em 1903

13 (Paris 1840-Giverny, 1926)

14 no dizer de Elsa Richter

15 na versão de Cressot

16 como Sisley, Píssarro, Edouard Manet, Renoir, Degas, Cézanne, de Beruete, Sorolla, J. Mir, Echevaria, António Parreiras, Visconti...

17 com Van Gogh, Ensor e Eduard Münch, prosseguidos na originalidade de Rouault, Permeke, Jom, Jawlensky, Oskar Kokoschka e outros

18 a exemplo: Die Brücke, Der Blaue Reiter, COBRA, De Stijl, Bateau-Lavoir...

19 como o Giotto, p. ex :

20 «La Sociologie» (édition revue et augmentée par l'auteur), Edgar Morin, Fayard, Paris, 1998

 

 

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O autor nasceu em Viseu, 1938. Sociólogo, escritor, investigador de arte, gestor econsultor de empresas. Estudou em Paris, (e estagiou em) Bourges, Orléans, Bruxelas e Anvers/Antuérpia. Foi professor-convidado (investigador e docente), em cursos de pós-graduação universitária7. Dedica-se, desde a décadade 70, a projectos de marketing-creative e promocional, de planeamento e gestão empresarial, estudos de corporateimage, publicidade institucional e advertising promocional, em serviços e novos produtos (bens duradouros e de grande consumo). Tem exercido cargos de administrador, gestor e consultor técnico em empresas de estudossocioeconómicos e em sectores empresariais (ramos imobiliário, turístico e transportes), tendo participado em váriosconselhos de administração de sociedades anónimas, como responsável por pelouros de áreas de gestãotecnicoeconómica e financeira, relações públicas e negociais. Tem vindo a participar (como coordenador, técnico superior11 e consultor) em equipas pluridisciplinares, para estudos de projecto em áreas diversificadas: turismo de espécie e cultural, infraestruturas de urbanoturismo, tecnologia industrial, científicas culturais. Tem desenvolvido váriasiniciativas e eventos culturais e estudos de investigação (como crítico, promotor, escritor e divulgador de arte),intervindo em peritagens e como membro de júris em concursos, no país e estrangeiro. Exerceu funções de adjunto eassessor em gabinetes ministeriais, participou em comissões do Governo (após 1975) e foi diplomata, nos Países-Baixos. Autor de artigos, ensaios, palestras, conferências, monografias e prefácios em catálogos de centenas deexposições de artistas plásticos contemporâneos, participou e interveio em congressos, simpósios e diversos júris deColectivas, em Portugal e no estrangeiro. Vasta bibliografia (poesia e ficção) editada e inédita. Colaboração esparsa (na imprensa regional e diária, revistas especializadas, rádio e TV). Membro, entre outras, das Instituições: Sociedade Portuguesa de Ciências Sociais e Humanas, Sociedade de LínguaPortuguesa, ANAP-Associação Nacional dos Artistas Plásticos, dos Comités de Portugal para a AIAP- AssociationInternationale des Arts Plastiques (UNESCO) e Luso-Galaico para o Desenvolvimento Cultural e do Círculo Cultural eArtístico Artur Bual, Ass. Les Amis de Marcel Gili, etc.

Contatos: alcoba@netc.pt



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