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Geração "hã?"

 

Marco Poli

 

Num dos últimos esforços em vida, meu pai garantiu que eu pudesse fazer um intercâmbio nos Estados Unidos, aos meus 15 anos. Ele faleceu e não pode compartilhar do investimento que fez e pelo qual agradeço até hoje. Do muito que aprendi vivendo num país estrangeiro, de primeiro mundo, sempre guardei uma dúvida para a qual não encontrava resposta. Chamava minha atenção como o americano médio podia viver numa sociedade que lhe garante escola, saúde e salário decente, mas era incapaz de raciocinar o mundo além da esquina da própria casa. Dizia pra mim mesmo: "não pode ser, eles têm proteína e não são capazes de um simples raciocínio".
Voltei a morar nos Estados Unidos depois de concluída a faculdade e notei que os brasileiros para lá imigrados, conservam hábitos absurdos em nome da identidade cultural. Por exemplo: todos têm de ser sambistas, não interessa se o brazuca é goiano, amazonense ou gaúcho. Uma vez, entrei numa loja verde-amarela em Los Angeles, para pedir uma informação. Duas coisas chamaram minha atenção no balcão; leite de rosas e pasta de dentes Kolynos. Mas quem é que se muda de mala e cuia para o primeiro mundo para seguir usando essas coisas?
Algumas décadas se passaram e aqueles brasileiros que moraram no irmão do norte, entre o início da década de 70 até o final dos anos 80, formam hoje a geração que está no poder. Seja na política ou nos negócios, aquele pessoal que por lá esteve, aprimorando conhecimentos ou fazendo um pé-de-meia para voltar e montar algo por aqui, está dando as cartas. Trata-se de pessoas que conheceram uma civilização de gente estúpida, incapaz de um raciocínio, ou de compreender o mundo além da esquina da própria casa e mesmo assim, uma civilização hegemônica. Então pra que estudar e ter boa educação se não é disto que se precisa para conquistar o mundo? O negócio é meter as patas e tomar o que tem direito e danem-se as convenções. Sociedade é coisa para sociólogos pagos com o dinheiro do contribuinte discutirem. Nós temos é que patrolar e não raciocinar.
Criou-se em nosso país, uma geração dos filhos daqueles que aprenderam a viver assim. Nos últimos 7 anos tenho entrevistado centenas de jovens entre 16 e 21 anos e posso afirmar categoricamente: estamos a frente de uma geração "hã?". Gente que cresceu com uma moeda estável e não é capaz de entender o que venha a ser inflação e de como isto é uma forma de tirar dinheiro das classes trabalhadoras, transferindo-o para os ricos. Pessoas que cresceram com internet e celular à disposição, que não conseguem compreender como uma linha telefônica já pode ser um bem que constava na declaração do imposto de renda. Falo de seres humanos abastados, todos freqüentando alguma faculdade (quase sempre privada), capazes de fazer até mesmo um segundo curso para manter a capacidade de "estagiar". Humanos a quem jamais faltou um prato de comida, embora prefiram um biguiméqui e cocacola.
Não estou falando de alguém subnutrido, ou que não teve chance de estudar. Falo de quem apenas se espelhou num universo criado por seus pais, onde só existe valor naquilo que se possui. Não há valor naquilo que se traz como bagagem individual. Portanto, não há mais necessidade de qualquer tipo de bagagem. A história, a cultura, a sociedade, tudo isso ficou reduzido ao turbilhão que roda em torno de cada um dos novos umbigos.
Como diz o Caetano Veloso: "se eu venho dirigindo meu carro por uma rua e o sinal está verde para mim, isso quer dizer que eu posso seguir, só que se for de noite e eu não parar, vem um carro pelo transversal e bate em mim, então, pra quê o sinal?"
Aconteceu comigo esta semana. Exame marcado em uma clínica particular para 8h40. Não era 8 nem 9, sequer 8 e meia, mas 8h40. Lá estava e a estúpida de plantão leva 20 minutos para inserir meus dados e autorizar o exame. Os primeiros 15m para descobrir que o sistema estava fora do ar e o resto para preencher a mão os dados. Outra atendente passava pelo mesmo apuro com um cliente que chegou antes que eu e tampouco conseguia realizar seu exame. Os pacientes atendidos por uma terceira funcionária da clínica, eram imediatamente passados, já que com ela a coisa funcionava. Resultado: às 9h40 pedi para cancelarem meu exame, pois se fosse para entrar em fila, recorreria ao SUS, sem precisar pagar mais do que já pago em tributos aos governos. A criatura ficou impressionada com minha atitude e consultou as colegas pelo telefone interno e me garantiu que eu poderia fazer o exame naquele momento, pois havia uma cabine preparada, vazia, com um médico à disposição, que eu poderia utilizar. Argumentei que já havia gasto mais tempo do que podia dispor em um dia inteiro para o evento e que tinha mais o que fazer.
Ela olhou aparvalhada para mim, como quem não acredita e insiste, mas o senhor pode ser atendido neste momento, se quiser, ao que indaguei: "por quê é que tenho que engrossar o caldo para conseguir o óbvio?"
Ela não entendeu, de novo. Ofereceu então outra hora para que o exame fosse realizado, ao que concordei, com uma pequena ressalva: "só se vocês tiverem outro tipo de hora".
"Hã?", veio de lá.
"É um tipo de hora que a gente marca e é atendido naquela hora, vocês têm desse tipo"?


O autor, Marco Poli, é jornalista, Diretor de Redação do portal www.capitalgaucha.com.br
editor da coluna PoliPosition www.capitalgaucha.com.br/frameset/indexpoli.htm

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e-mail: poli@contewdo.com.br

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