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Artigo de André Masini publicado no Jornal O Paraná em 19/mai/2004

INCÊNDIO NA CAIXA D'ÁGUA!

André C S Masini

Nos tempos de universidade, ao redigir panfletos e cartazes estudantis, eu e meus colegas freqüentemente usávamos manchetes sensacionalistas e absurdas como essa acima, para chamar atenção.

Cursávamos geologia, não jornalismo, e questões como "ética jornalística" ou coisas do tipo não eram nossas preocupações principais. Mas, pelo menos, deixávamos claro ao leitor que as tais "manchetes" não eram coisa séria.

Hoje, mais de vinte anos depois, fico surpreso ao ver que nossa "técnica" deixou de ser mera brincadeira estudantil e virou um verdadeiro "instrumento de trabalho" para certos jornalistas, supostamente sérios, que trabalham para jornais pretensamente preocupados com a dita "ética jornalística". E o pior é que os tais jornalistas não se limitam a inventar a manchete absurda, mas também criam um texto para ela, e vendem todo o embuste ao leitor como se fosse a mais genuína, límpida e isenta realidade.

"O alcoolismo do presidente brasileiro torna-se preocupação nacional!", esse foi o título da "notícia" do "jornalista" Larry Rohter, publicada no pretensamente sério jornal The New York Times, no dia 09/05. O artigo começa assim: "Luiz Inácio Lula da Silva nunca escondeu seu apreço por uma caneca de cerveja, uma dose de uísque ou, melhor ainda, por 'virar' um copo de cachaça"...

Em síntese: o tal "jornalista" não se contentou com sua invenção, mas fez questão de redigi-la no tom mais irônico e debochado possível. Tom freqüentemente utilizado por jornalistas estadunidenses ao tratar presidentes latino-americanos.

Muitos de nós brasileiros estão descontentes com Lula. Mas -- à parte nosso apreço ou desapreço pela pessoa do presidente, ou por sua condução do país -- é importante compreendermos que a publicação de uma "notícia" como essa, da forma como foi feita, é uma grave ofensa; e não uma ofensa a Lula, mas a todos nós.

O brasileiro que já viveu nos EUA, ou na Europa, bem sabe o que é preconceito. Primeiro mundo é uma coisa, terceiro mundo é outra. E o respeito devido a uns, e a outros, são inteiramente diferentes.

Tal diferença fica óbvia ao compararmos esse incidente jornalístico envolvendo nosso presidente, com fatos recentes envolvendo Bush e Blair.

O governo Bush não apenas expulsou o jornalista Muhammad Allawi dos EUA sob alegação de ser "danoso à segurança nacional", e Philip Smucker do Iraque ocupado; mas também instaurou a censura à imprensa, que a aceitou com espantosa submissão (2001, censura a vídeos de Bin Laden); e também criou os "jornalistas incrustados nas forças armadas", que são a mais eficiente forma de visão unilateral dos fatos desde o III Reich; e também tenta calar os meios de comunicação que não são seus vassalos, como a TV Al-Jazira, e por aí vai.

Porém nada disso foi motivo para qualquer alvoroço na imprensa mundial. Bush (ele sim, reconhecidamente alcoólatra) continua sendo tratado com o respeito e cuidado devidos a um presidente do primeiro mundo.

Dentro da mesma lógica, quando a imprensa de lá comete um erro em relação a um governante dos seus, os pedidos de desculpas são vastos e eloqüentes. Recentemente, o Jornal Daily Mirror não apenas publicou um pedido de desculpas na primeira página inteira, mas também demitiu seu editor. O motivo? Acusações de maus-tratos a prisioneiros iraquianos, ilustradas com fotos. O detalhe é que os maus-tratos são uma verdade! comprovada por testemunhos e por um pagamento de indenização das forças britânicas à família de um prisioneiro assassinado. Apenas as fotos eram falsas.

Percebe o leitor que são dois pesos e duas medidas?

A publicação de uma "notícia" sem base na realidade, e ofensiva -- sendo sobre o Brasil -- é tratada com desdém pelo NYT. Tivesse sido sobre a Casa Branca, certamente esse Larry Rohter teria ido parar no olho da rua, para fazer companhia a seu colega fraudador Jayson Blair.

Mas, como somos apenas América Latina, a decisão do governo brasileiro de expulsar o sujeito do país gerou alvoroço na imprensa mundial.

Liberdade de imprensa! clamaram. Como se esta existisse não para proteger a verdade, mas para acobertar boçais que resolvem inventar mentiras e ofender pessoas e nações; sabe-se lá com que propósito.

No fim, o governo brasileiro voltou atrás. O NYT é uma das instituições mais poderosas do mundo, e é a isso que esse caso se resume: poder. Não ética. Poder.

O autor é  Escritor, Auditor Fiscal da Receita Federal
e Diretor Geral da Casa da Cultura
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