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Artigo publicado no Jornal O Paraná em 09/nov/2004


O Fracasso da Democracia

André C S Masini

Qualquer análise séria sobre o governo Bush -- mesmo as que seguem a perspectiva exclusiva dos interesses estadunidenses, mesmo as que não têm qualquer consideração moral ou prurido de consciência pelos males causados a outros povos, mesmo as que adotam a mais fria e calculista das matemáticas... enfim, todas as análises mostram resultados absolutamente deploráveis nas mais diversas áreas: recessão econômica; desemprego; corte de programas sociais; extinção de direitos civis que datavam do século 18; descaso com o meio ambiente; gigantesco rombo fiscal -- o maior da história do país (o governo anterior democrata deixara um superávit); no campo externo o quadro é ainda pior: a tentativa de coagir o mundo a invadir o Iraque, através de argumentos falsos e ameaças, colocou os EUA em uma situação de impensável isolamento (lembram da delegação americana sendo vaiada(!) na abertura dos jogos olímpicos de Atenas?); a guerra contra a Al-Qaeda está sendo perdida: a “diplomacia” unilateral americana enfraqueceu amigos, fortaleceu inimigos, e propiciou à Al-Qaeda ramificar-se e alcançar uma projeção mundial que nunca tivera antes; a invasão do Iraque transformou esse país (antes irrelevante em relação ao conflito EUA--Al-Qaeda) em uma inesgotável fonte de novos combatentes para essa organização, além de um perfeito campo de treinamento (onde os “exercícios” são ataques contra soldados americanos); isso sem falar no imenso custo financeiro e humano da invasão. A decisão de torturar prisioneiros sob o “argumento” de que não estariam sujeitos às Convenções de  Genebra colocou definitivamente os EUA na posição de bandidos. Como se não bastasse, houve corrupção e crimes, como a entrega de contratos para a Halliburton (ligada ao vice-presidente Cheney) e a perseguição aos opositores políticos (incluindo a revelação da identidade de uma agente secreta da CIA). O país ruma para uma calamidade de tal magnitude, que importantes membros do governo renunciaram antes das eleições, deixando dramáticas mensagens de alerta ao público, tentando despertar o país para um fato: Bush é uma catástrofe não apenas para o mundo, mas também para os próprios Estados Unidos!

Mas tudo foi em vão... o povo estadunidense escolheu se fazer de cego aos fatos e, no último dia 02, reelegeu George Bush.

Como entender essa escolha, aparentemente tão contrária à “razão”? “Razão” tão exaltada pela corrente filosófica que impregnou aquele país em seu nascimento: o iluminismo? (A idéia era que, através do uso da “razão” -- em uma sociedade onde todos tivessem voz e as regras fossem claras e preestabelecidas -- os homens saberiam escolher os melhores caminhos para si próprios e seus semelhantes.)

Mas, na prática, o modelo iluminista foi solapado por dois fatores: O primeiro é a imprensa, um “quarto poder” que intrometeu-se entre os três originais de Montesquieu, mas que não tem a legitimidade e a responsabilidade de uma instituição de Estado. Um poder conivente com interesses e movido a dinheiro. Imprensa como a estadunidense, que censurou as imagens mais chocantes da guerra e se nega a mostrar ao povo americano a verdadeira face do desprezo que seu país despertou no Mundo.

O segundo, e principal, fator é: a submissão da “razão” a outros componentes mais básicos e obscuros da mente humana. A “razão” dos iluministas não é, na verdade, o que comanda o homem. Impulsos mais profundos e primordiais, como o medo e o ódio, podem fazer a razão desaparecer em um estalar de dedos. E é nesses impulsos que jaz a terrível possibilidade de massas humanas serem manipuladas por tiranos, e agirem como boiadas em disparada, sem ver sobre o que pisam ou para onde vão...

Bush, em sua campanha, não falou de fatos. Repetiu apenas duas frases “11/09” e “sou um forte líder”.

“11/09” desperta o medo e a ferida, ferida no orgulho narcisista de cidadãos de um império acostumados a se ver como intocáveis. Sentimentos insuportáveis dentro de peitos tão presunçosos, sentimentos que portanto precisavam encontrar um objeto externo para serem extravasados (extravasados na forma de ódio). E aí entra a segunda frase:

“Sou um forte líder,” significa: “vocês não precisam segurar isso no peito. Eu sou o meio para vocês extravasarem tudo. Vamos esquecer as frustrações. Vamos detonar. Ninguém pode com nosso poder militar, não é mesmo? Então vamos usar nossa força bruta. Vamos chutar o pau da barraca.”

Os caubóis narcisos precisavam bombardear alguém, pouco importando se fossem os terroristas sauditas ou umas crianças iraquianas quaisquer. São como um bebê com dor de barriga: precisavam se aliviar, e nunca aprenderam a ponderar as conseqüências...

Bush é o alívio. O produto da incontinência, da imaturidade, da irresponsabilidade...

Mas as conseqüências serão terríveis...

O autor é Escritor, Auditor Fiscal da Receita Federal
e Diretor Geral da Casa da Cultura


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