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Casa da Cultura - Literatura - Artigos |
Recentemente tive que fazer uma viagem a Minas Gerais. Como de costume, procurei inteirar-me com os amigos, principalmente com os donos de transportadoras, sobre as condições das estradas que teria que percorrer. Fui alertado de que as estradas de Minas estavam em péssimo estado de conservação. Cheias de buracos, totalmente abandonadas e entregues ao “deus-dará”.
Como a viagem era muito importante para mim, e praticamente inadiável, não dei muito ouvido aos comentários alarmantes que me foram passados. Quem está acostumado a trafegar pelas estradas do Estado do Rio de Janeiro não acredita que possa existir na região sudeste do país rede viária em pior situação.
Achei que iria encontrar alguns buracos, cascalhos, animais na pista e até mesmo as “pedras do meio do caminho”, cantadas em versos pelo grande e inesquecível poeta e escritor mineiro de Itabira, Carlos Drumonnd de Andrade.
Pedras no meio do caminho, no sentido mais denotativo da expressão, são coisas corriqueiras; de vez em quando tropeçamos nelas, até mesmo nos grandes centros urbanos.
Arrumei a minha pequena bagagem, pois a viagem seria curta, e peguei estrada.
Enfrentei os buracos do meu Estado, pois todos nós temos os nossos buracos de cada dia e os nossos governantes de cada quatro anos, que as vezes se transformam em oito.
Segui a viagem da forma mais cautelosa possível e, com muita dificuldade, fui desviando de um buraco aqui, outro ali e acolá. Aliás, o que mais fazia era desviar de buracos.
Não demorei muito para constatar que estava trafegando em buracos com alguns vestígios de estrada. E, assim, fui seguindo viagem até chegar na divisa entre o Estado do Rio e Minas Gerais. Não acreditava que as estradas de Minas pudessem estar pior! Enganei-me redondamente, pois estavam!... Acho até que resolveram usar a receita do queijo-de-minas para fazer asfalto. O famoso queijo mineiro, todo furadinho, é maravilhoso, e quanto mais buraco mais gostoso! Mas em se tratando de estrada o buraco é mais embaixo!
Tive que redobrar a atenção, reduzir para 30 km a velocidade que estava sendo usada no Estado do Rio, que era de 40 km. E fui seguindo em frente ouvindo um CD - isso quando os buracos deixavam. Em cinco horas de viagem, consegui ouvir a metade de uma música que normalmente dura 3 minutos e 40 segundos.
Cada buraco era uma porrada e em cada porrada a música voltava ao ponto de partida.
Quando estava praticamente no meio da viagem, os buracos começaram a aumentar.
Pensei em voltar, mas o compromisso assumido não poderia fazer-me recuar, por maior que fossem os buracos.
E lá fui eu, enfrentando os buracos surgidos pela irresponsabilidade dos governantes. Cada porrada, um palavrão; cada palavrão, um remorso... O que vim fazer nesse buraco?
Você está achando a história cansativa? Imagine o cansaço meu naquela buracada toda!
O tempo começou a ficar nublado e o sol que brilhava intensamente escondeu-se entre as nuvens. Desliguei o CD, que ainda estava na metade da primeira música há mais de 5 horas e comecei a assoviar. Tenho esse hábito, uma forma de procurar ficar mais relaxado. Torcia para não chover, pois se chovesse estaria afogado nos buracos.
Depois de viajados mais ou menos uns 230 quilômetros, vocês não imaginam, com o que me deparei depois de fazer uma curva mais fechada! Não foi a pedra do meio do caminho do Drumonnd, nem boi, nem vaca, nem cabrito, nem gente. Deparei-me com um sofá no meio dos buracos! Um sofá (móvel estofado onde podem sentar-se duas ou mais pessoas). Fiquei atônito, estupefato, espantado, confuso...
Parei, fiquei olhando aquele sofá na minha frente sem saber exatamente o que faria. Se ria da cena pitoresca ou se chorava por ver um país chegar a essa situação lastimável.
Como tinha pressa em chegar, desviei-me do sofá e segui a jornada.
Já não sabia se pensava sobre o meu compromisso ou sobre o sofá. Fiquei com a cabeça confusa. Achei que estava sonhando.
Algum de vocês já encontrou um sofá no meio da estrada? Duvido!
Cheguei ao meu destino, fui muito bem recebido pelas pessoas que me esperavam, resolvi o que tinha que resolver. Mas não parava de me culpar = Por que não tirei uma foto daquele sofá? Nunca mais vou ter outra oportunidade! E fiquei chateado por ter passado batido. Não acreditava que o sofá pudesse estar mais no meio da estrada esburacada, quando voltasse.
No retorno, já havia esquecido um pouco do sofá. Mas parece que os buracos aumentaram. Vocês já prestaram atenção que sempre o lado da nossa “mão” é pior, tem mais buraco?
A atenção tinha que ser redobrada. Seguia cauteloso, mais cauteloso do que na viagem de ida. Quando novamente, ao fazer uma curva, lá estava o sofá! No mesmo lugar, exatamente no mesmo lugar, altivo e imponente! Era o dono do pedaço!
Aí, como não tinha mais compromisso e nem hora para chegar a casa, resolvi descer do carro, apanhar minha máquina e fotografar o sofá.
Quando estava tirando as fotos, chegou um senhor humilde, certamente um trabalhador rural, e ficou vendo o sofá sendo fotografado. Como ele ficou calado, resolvi provocá-lo:
- Boa tarde, qual é o seu nome?
Ele timidamente me responde:
- Boa tarde, meu nome é Hilário.
- O que é isso seu Hilário?
E ele com a cara mais angelical do mundo respondeu :
- É um sofá!
- Que é um sofá eu sei, mas o que ele está fazendo aqui?
E ele pacientemente me respondeu:
- Eu coloquei aqui.
Fiquei irritado e cheguei a adverti-lo de forma um pouco áspera.
- Como o senhor coloca um sofá no meio dos buracos do asfalto? Não sabe que isso pode causar um acidente? Ele então retrucou:
- Doutor, acidente era antes de colocar o sofá. Debaixo dele tem um buraco que já provocou mais de dez acidentes graves. Por essa razão coloquei o sofá, que serve para tapar o buraco e ser usado para acomodar as pessoas que são acidentadas, até chegar a ambulância.
As pessoas sentam nele e descansam e com isso aumentou a minha venda de água de coco.
Pedi que ele tirasse o sofá de cima do buraco só para ver. Quando ele arrastou o sofá e vi a cratera, apertei a mão do trabalhador e lhe dei um abraço bem forte. Se ele não tivesse colocado aquele sofá ali certamente não estaria aqui contando esta história, provavelmente teria sido mais uma vítima da irresponsabilidade dos "governantes".
Como estava com sede pedi uma água de coco. Estava doce e gelada. Perguntei quanto era e ele disse que era um real. Dei dez e deixei o troco com ele como pagamento pela caridade que ele estava prestando aos viajantes. Despedi-me com um aperto de mão e continuei a minha viagem pelos buracos, filhos da irresponsabilidade e omissão do Estado.
Na realidade não sei se o buraco é Federal, Estadual ou Municipal. Só sei que o sofá é do agricultor que, como cidadão que é, buscou o que estava ao seu alcance para proteger os usuários dessas estradas abandonadas e esquecidas pelo poder público.
Como cidadão tenho que questionar: para onde vai o dinheiro do IPVA, IR, CPMF, IPTU, ITR, ISS, INSS, ICM, dos Royalts, enfim, para onde vai o dinheiro que, de forma escorchante, é arrancada do bolso dos brasileiros sem dó nem piedade?
Hoje o governo não tem como exigir qualquer obrigação da sociedade, porque ele é o mais omisso, o mais irresponsável.
Como reduzir os acidentes nas "estradas" se não temos estradas? Lei não diminui acidentes. O que estamos vendo nas "estradas" brasileiras é a prática do crime de omissão do poder público, que procura conter a violência desarmando a população, enquanto fecha os olhos para as armadilhas que estão deixando nas rodovias, que ceifam milhares e milhares de vida por ano.
Eles não se preocupam com os buracos. A maioria só anda de avião, assim mesmo as custas do dinheiro público gerado pelos impostos subtraídos sem dó nem piedade do trabalhador e que deveria ser muito bem utilizado em benefício da coletividade, já que o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido.
Estou fazendo a minha parte. Não ando sem uma máquina fotográfica. Cada “buraco” ou cada “furo” que o governo deixar e que for observado por mim, será fotografado. Cada pneu que for estourado por conta de um buraco será um processo contra o poder público. Não importa se a ação vá durar um ano, dez anos ou a vida toda, farei a minha parte. Se cada brasileiro fizer isso, o Brasil muda.
Sugiro aos responsáveis pela estrada que fica no trecho entre Palmas e Leopoldina / MG que saia do seu gabinete refrigerado, com carpetes, secretárias, motoristas, telefones, cafezinhos, etc.etc.etc. para, pelo menos uma vez por semana, despachar do sofá que o seu Hilário colocou para proteger os usuários da “estrada”, ou melhor dos buracos. Só assim eles ficarão sabendo que a sua irresponsabilidade está tirando vidas, mutilando pessoas e envergonhando a maioria dos cidadãos que pagam muito caro pelos buracos que eles constroem através da inércia, da omissão e da incompetência.
Se eles aceitarem a minha sugestão para despachar no sofá da estrada, prometo melhorar o aspecto do sofá, que embora bem velho e acabado, está muito melhor do que a maioria das estradas brasileiras.
Provavelmente o senhor Hilário como bom brasileiro irá servir água de coco para matar a sede desses incompetentes e irresponsáveis.
Antonio Manoel Abreu Sardenberg – Advogado Civilista e Consultor Jurídico, nascido em Santo Antonio de Pádua/RJ, em 18/08/1947, residindo em São Fidélis, cidade que adotou e é cidadão honorário, por título concedido pela Câmara Municipal. Casado há 32 anos com Marlene Rangel Sardenberg, com quem tem um casal de filhos: Matheus Rangel Sardenberg, veterinário e Andrezza Rangel Sardenberg, médica endocrinologista.
Contatos:almadepoeta@sfnet.com.br
Página Publicada em 20/04/2005
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