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A Economia e os Valores Femininos

Gleisi Helena Hoffmann

 

" Por que os negócios têm de ser feitos dessa maneira? Por que o mercado não se empenha seriamente em eliminar a pobreza? Por que não melhorar a vida dos mais pobres no mundo em primeiro lugar? Será impossível fazer com que os negócios, além dos interesses privados, movimentem-se em favor do bem público? "
(Anita Roddick)

 

Uma das mais destacadas empresárias no ramo de cosméticos, a inglesa Anita Roddick se fundamenta em valores e princípios femininos para fazer negócios. Ela é fundadora da The Body Shop, rede de 2.000 lojas que servem mais de 84 milhões de consumidores em 24 idiomas.

A empresária afirma que não tem interesse em ter o maior, o mais rentável ou o mais amplo negócio varejista. Seu desejo é que The Body Shop seja a melhor, a mais vibrante empresa dentre todas, e uma das que mudam o rumo dos negócios. É com esta visão que ela dirige a empresa que, junto com o marido, fundou há trinta anos, quando precisava dar resposta ao sustento da família e não tinha experiência empresarial.

Ganhadora de prêmios da Confederação das Indústrias Britânicas, detentora de ações valorizadas e de lucros que alcançam milhões de libras, Anita mostra ao mundo que há uma forma diferente de fazer negócios, preocupando-se com as pessoas, responsabilizando-se pela construção do bem-estar da humanidade, agindo com ética nas relações comerciais, respeitando e lutando pelos direitos humanos, valorizando a parceria, exercendo a solidariedade. Em outras palavras, ela conduz seu empreendimento guiada por valores femininos como o cuidado, a solidariedade, a integração, o altruísmo, o consenso, a conciliação, o acolhimento. E isso tudo sem abrir mão do objetivo número um das empresas, como estamos acostumados a ouvir: o lucro.

É verdade que muitas empresas têm assumido a responsabilidade social em sua gestão, mas, infelizmente, os fundamentos da economia ainda tendem para a desumanização dos negócios. A eficiência econômica desconsidera as pessoas e seus interesses e trabalha com o abstrato. É assim que a macro e a micro economia orientam os negócios no mundo. As tentativas de mudanças são ridicularizadas ou creditadas a não iniciados na área econômica, portanto sem valor. Entretanto, como diz a empresária, existem muitos aspectos da vida que não podem ser reduzidos a um lançamento contábil, e nossa sobrevivência depende muito de nos lembrarmos disso.

Por isso, atividades e posições como da empresa The Body Shop são essenciais para mostrar as possibilidades de fazer negócios de forma diferente, considerando outros valores, tendo as empresas como agentes de mudanças e construtoras do bem-estar social, com responsabilidades perante o coletivo.

Esta prática, que desafia a lógica microeconômica, alia-se a outra forma de pensar no campo macroeconômico, cuja defesa, feita pela futurista americana Hazel Henderson, mostra a necessidade de se proceder a uma revisão completa dos indicadores da macroeconomia, em especial as estatísticas que estruturam os Produtos Nacional e Interno Brutos, considerados, na sua visão, obsoletos, por não levarem em conta os recursos naturais, as reservas ambientais e, em especial, o trabalho reprodutivo não remunerado, estimado hoje em mais de 50% de toda a produção mundial. Hazel refere-se à maternidade, ao cuidado com os anciões e membros doentes da família, à manutenção de lares, ao voluntariado dos serviços comunitários, à agricultura mantida para o sustento familiar, enfim, tudo aquilo que dá base para a sustentação dos grandes negócios no mundo, essencial para a vida, e que a economia não reconhece.

Mudar esses indicadores significa mudar a forma de ver os resultados econômicos. É preciso tirá-los do abstrato, transformar a economia em instrumento efetivo do desenvolvimento humano e, aí sim, da riqueza mundial.

O processo deve ser o de acréscimo de valores. A economia precisa incorporar o sentido do cuidado, do consenso, do acolhimento para poder considerar o que Hazel Henderson prega. São valores essencialmente femininos, que, ao longo da história humana, sob domínio patriarcal, foram legados ao ambiente privado, doméstico, fazendo parte de um mundo não integrado, paralelo. Esses valores precisam vir para a esfera pública, não apenas por uma questão de direitos da mulher, mas, sobretudo pela salvação da nossa espécie. Só teremos uma sociedade justa e equilibrada quando metade dos valores humanos for incorporada às governanças econômica e política do mundo.

Não basta que a mulher seja 50% do mercado de trabalho. É necessário que ela assuma mais cargos de direção, na esfera pública e privada, e que a forma como pensa e age seja incorporada na condução de negócios e governos. E que também as atividades relacionadas com a esfera da reprodução da vida sejam assumidas pelo homem, da mesma forma que as mulheres incorporaram as atividades de produção de bens e serviços.

Não é por acaso que a maior parte do pensamento inovador sobre responsabilidade social dos investimentos veio das mulheres. Como provedoras, as mulheres têm um profundo conhecimento sobre as necessidades humanas.

Não se trata de reivindicar a supremacia feminina, mas de construir um novo relacionamento entre homens e mulheres, fundamentado nos melhores valores de cada um.

Neste mês de março, em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, devemos refletir sobre o que disse Petra Kelly, feminista e co-fundadora do Partido Verde na Alemanha: "Precisamos trabalhar pelos nossos próprios valores e colocá-los no nível de importância dos valores dos homens."


A autora, Gleisi Hoffmann, é a atual Diretoria Financeira Executiva de Itaipu, tendo sido a primeira mulher a assumir uma diretoria dessa importante empresa, em 30 anos de sua história. Gleisi Hoffmann foi secretária extraordinária de Reestruturação e Ajuste do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, secretária municipal de Gestão Pública de Londrina e integrou a Equipe de Transição do Governo Lula. É graduada em Direito, pós-graduada em Gestão de Organizações Públicas e, atualmente, está fazendo mais uma pós-graduação, desta vez em Finanças. Gleisi Hoffmann defende uma maior participação da mulher na vida pública e a aplicação, pelas empresas, dos valores femininos na gestão dos seus negócios.

Contatos: imprensa@itaipu.gov.br