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Os prêmios e a valorização do escritor

Antonio Carlos Secchin

Um dos mais ameaçadores adjetivos que, de vez em quando, rondam a vida de um escritor é ''simbólico'', sobretudo quando antecedido das palavras ''cachê'', ''pro-labore'' e similares. Para as intervenções de outros profissionais na esfera da arte, costuma-se estipular um pagamento, maior ou menor, sem que seja necessário recorrer ao anteparo do famigerado adjetivo. Porém, a ''remuneração'' do escritor que participa de um evento (em que ele mesmo, não raro, é a principal atração) às vezes reduz-se a uma cama de hotel, a um café da manhã, a uns trocados para o deslocamento - e estamos conversados. Mal lido e não pago, o autor brasileiro encontra poucos estímulos para a difusão e o conseqüente reconhecimento de sua obra, a partir da própria desconsideração e do viés amadorístico com que seu ofício é tratado.

Na contramão desse procedimento, há um aspecto, em geral pouco enfatizado, que me parece bastante positivo para a promoção profissional do escritor. Refiro-me ao incremento do número de concursos literários, aliado à bem-vinda elevação dos valores concedidos aos candidatos vitoriosos. Muitas instituições culturais, ao promoverem concursos, já estabelecem prêmios num montante acima do meramente ''simbólico''. Se admitirmos que uma premiação, para ser considerável, deva alçar-se ao menos aos cinco dígitos, torna-se alvissareiro perceber que várias dotações já se situam nesse patamar, ou mesmo o ultrapassam. Desde alguns anos a Academia Brasileira de Letras vem laureando nessa escala pecuniária os mais diversos gêneros literários, revelando autores ou ratificando nomes consagrados. Além dessas atribuições setorizadas, a ABL concede o Prêmio José Ermírio de Moraes ao livro considerado como o mais importante do ano, e confere seu cobiçado Prêmio Machado de Assis a um escritor de alto relevo para a cultura do país, na área da produção do pensamento ou da criação artística. Idêntica valoração do conjunto de obra passou a vigorar, a partir deste ano, no Prêmio da Biblioteca Nacional, que antes contemplava com modesta soma um número elevado de categorias. Já na opção pela multiplicidade de agraciados, é imperativo citar os prêmios da Associação Paulista de Críticos de Arte, da Câmara do Livro e o Juca Pato, não pela quantia oferecida, mas pela tradição e boa acolhida junto ao meio literário.

As searas do jornalismo e do ensaio tendem a ser convivas secundários e esporádicos nesses festins. A literatura considerada ''de invenção'' (poesia e ficção) prevalece (quando não chega a ser exclusiva) no regulamento dos maiores concursos do país. Assim é na Biblioteca Nacional, que se atém a laurear poetas e ficcionistas. Assim é no Prêmio Portugal Telecom, que, além de poesia e ficção, ainda abarca a dramaturgia e a crônica. A propósito, seria de todo desejável que houvesse, por parte de alguma empresa brasileira instalada em terra lusitana, um investimento na literatura portuguesa contemporânea, à guisa de justa reciprocidade ao aporte que nossas letras vêm recebendo através desse prestigioso prêmio.

Igualmente louvável é a iniciativa da Universidade de Passo Fundo, ao reservar vultosa premiação (em níveis idênticos aos da Portugal Telecom e aos da Fundação Conrado Wessel) ao melhor livro de ficção do ano. E - uma vez que entramos na esfera regional - não podemos esquecer, entre os principais concursos municipais e estaduais, os promovidos regularmente por Belo Horizonte, Juiz de Fora, Salvador e Santa Catarina.

Pode-se objetar que alguns dos mais consideráveis prêmios não revelam autores, apenas consagram nomes previamente conhecidos; todavia, seria ingenuidade supor ou pretender que concursos se prestassem apenas a apontar ''revelações''. O ideal é que haja o maior espaço possível para a divulgação dos escritores em todos os níveis de sua carreira, desde a descoberta de um talento estreante até a reafirmação da excelência de uma obra madura e consolidada.

Nesse último quesito, destaca-se o Prêmio Camões, por implicar o reconhecimento, em âmbito transnacional, da produção de um expoente literário da comunidade lusófona, independentemente de seu país de origem. Além de ser o concurso de maior dotação, constitui-se num extraordinário estímulo - ainda não explorado em todo seu potencial - para que, no Brasil, sejamos mais receptivos à produção escrita em português de além-fronteiras, e também para que exportemos parte expressiva de nossa melhor literatura.

Criado em 1988, o Prêmio Camões já contemplou o moçambicano Craveirinha, o angolano Pepetela, os lusitanos Miguel Torga, Vergílio Ferreira, José Saramago, Eduardo Lourenço, Sophia de Mello Breyner Andresen, Eugênio de Andrade, Maria Velho da Costa, Agustina Bessa-Luís, e os brasileiros João Cabral de Melo Neto, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Antonio Candido, Autran Dourado e Rubem Fonseca, numa admirável amostragem dos múltiplos gêneros, estilos e culturas que nos caracterizam como herdeiros de um patrimônio comum, mas ao mesmo tempo nos revelam em nossas diferenças, na especificidade com que cada um desses grandes autores respondeu ao desafio de escrever poemas, ficções e ensaios abastecidos no solo inesgotável da língua portuguesa.

 


Este artigo foi publicado em jornais da grande imprensa em 16/03/2005 e é aqui reproduzido com autorização do autor.

O autor nasceu no Rio de Janeiro é poeta, ensaísta e membro da Academia Brasileira de Letras onde foi eleito para a Cadeira 19 em 03 de junho de 2004. É Doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, professor de literatura brasileira das Universidades de Bordeaux, Roma, Rennes, Mérida e da Faculdade de Letras da UFRJ.

Página Publicada em 23/03/2005