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A Greve dos Coveiros


Hildebrando Pafundi

 

A quantidade profissionais especializados em cavar sepulturas era muito pequena, apenas cinco homens trabalhavam na necrópole. Por esse motivo, não existia um sindicato da categoria e sim uma sociedade, que foi registrada com o nome de Associação Unida dos Coveiros (AUC), e se reunia uma vez a cada dois meses em caráter ordinário, de acordo com o estatuto da entidade. A assembléia geral dos associados era realizada só uma vez por ano, ou em qualquer época, em caráter extraordinário.

Na época da fundação havia duas opções para o nome da entidade. A outra era Associação dos Coveiros Unidos, que foi descartada porque a sigla ACU certamente provocaria muita gozação e piadinhas sem graça entre os freqüentadores dos botequins e entre os aposentados, usuários da praça no centro da cidade.

Como eram cinco os fundadores e os associados da entidade, eles acabaram sendo também os membros da diretoria, constituída por presidente, vice-presidente, secretário e tesoureiro. O único que ficou sem cargo assumiu o conselho fiscal.

Todos compareceram à assembléia geral extraordinária, realizada no salão dos fundos do Bar Nostalgia, que aprovou a realização da greve a partir do dia 2 de abril de 1979. Chegaram a convidar o Lula, que não pode comparecer devido a outros compromissos, mas enviou um telegrama, lido pelo secretário, no qual desejava "sucesso e vitória para essa sofrida classe de trabalhadores".

Não quiseram marcar a greve para dia 1o. de abril, porque ninguém acreditaria. A paralisação acabaria servindo de gozação e piadinhas de mau gosto, que são freqüentes nessa data, quando se comemora o Dia da Mentira.

Mas, para azar da unida classe, no dia 1o. foram realizados os três últimos sepultamentos de abril. Não morreu mais ninguém até o final do mês. Mesmo que a greve não fosse decretada, eles ficariam praticamente parados o mês inteiro.

Depois de reuniões paralelas das quais participaram alguns vereadores de oposição, os profissionais especializados na abertura de túmulos, que trabalhavam no único cemitério do município, optaram por aprovar o fim da greve, em nova assembléia geral extraordinária realizada no mesmo local, já no final de abril.

E no dia seguinte, véspera do Dia Mundial do Trabalho, morreram cinco pessoas idosas naquela pequena cidade de apenas 15 mil habitantes.

Setembro/2001

[Cique aqui para ler o Conto Promessa de Vingança do mesmo autor]


Este conto foi premiado no Concurso de Poesia e Conto Professora Marly Cerqueira Lima, Rio de Janeiro, 2002/2003 e publicado na Artpoesia em Revista, Bahia, edição junho/julho de 2003. 

O autor, Hildebrando Pafundi, é jornalista e escritor. Trabalhou por mais de 20 anos nos jornais O Estado de S. Paulo, Diário do Grande ABC, e outros periódicos da região do ABC. Atualmente é assessor de imprensa do Consórcio Intermunicipal Grande ABC e editor do Informativo bimensal dessa entidade. Na literatura dedica-se ao conto, crônica e esporadicamente à resenha.

Contatos: hpafundi@ig.com.br