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Casa da Cultura - Literatura - Contos

Alice Barricão

Maria do Socorro Farias Ricardo

Um dia, de casa, saíra Alice toda produzida. Maquiada. Mais parecia uma boneca de louça à época. Dirigia-se à delegacia de polícia para registrar sua queixa. O delegado, naquela data, atrasara-se em seus compromissos.

Estamos em plena era do apagão. De repente, o Brasil deu um salto. Cresceu tanto que a energia elétrica, que iluminou o País há vários anos, perdeu a força. Hoje a carência é de muita tecnologia para acompanhar o desenvolvimento.

Voltamos aos lampiões, candeeiros, luz de velas. Para se iluminarem pequenas cidades e empresas que querem desenvolvimento. Em pequenas indústrias são utilizados até motores a diesel; costume do século passado. Àquela época (o século passado) acontecera um caso engraçado e quase trágico.

Na cidade de Santa Ana da Cacimba Seca, a iluminação era à força de um desses motores a óleo diesel. Funcionava das 19h00 às 22h00. Daí em diante, a cidade só se enxergava ao luar ou a luz de velas.

Naquele lugar se instalou uma sorveteria de um pequeno empresário. Funcionava com um motor a diesel. Morava próxima àquela casa comercial uma senhora diretora da maior escola estadual de Santa Ana da Cacimba. Personagem de família tradicional que nunca se casou. Vivia sozinha.

Naquela época, as moças do interior que não se casavam em sua juventude, quando atingiam a maturidade, eram criticadas por pessoas maldosas a comentarem umas às outras: Aquele que não se casou, ficou onde? No barricão.

Alice, sem se conformar com aquela situação imposta: o barricão, insistia em ter uma eterna juventude. Vaidosa. Endinheirada. Fazia o tempo parar em sua vida. Continuou a usar vestidos de saia rodada, cheia de bico e babado de cores bem suaves, tal e qual uma criancinha. Residia Alice próxima à sorveteria recém-inaugurada, que produzia seus sorvetes à força do diesel. O barulho dessa fera-motor, dia e noite, ouvia-se do outro lado da cidade. Alice, de tanto se incomodar com o barulho, perturbou-se profundamente.

Um dia, de casa, saíra Alice toda produzida. Maquiada. Mais parecia uma boneca de louça à época. Dirigia-se à delegacia de polícia para registrar sua queixa. O delegado, naquela data, atrasara-se em seus compromissos. Alice resolvera esperá-lo. Passara hora sentada na sala da delegacia. Ao chegar, o delegado se surpreendera com a presença de uma senhora tão fidalga e elegante na sala de uma delegacia. O delegado tentara ser lorde diante da presença tão inesperada; apressara-se em atendê-la com total respeito: Senhora Alice, o que a traz aqui? Afobada, Alice respondeu: Senhor Delegado, quero o senhor Adalberom, o dono da sorveteria, preso!

Por que senhora Alice?

Porque ele liga um motor próximo à minha residência me insultando. O motor passa o dia inteiro repetindo: BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO!

O delegado tirou o quepe da cabeça e sua reação foi passar, repetidamente, a mão por sobre a careca. Com um boletim de ocorrência Alice achou que iria solucionar seu problema. Enganara-se Alice. Daquele dia em diante, a cidade passou a chamá-la Alice Barricão. O motor da sorveteria continuou com seu barulho característico: BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO!

                  BARRICÃO!

                                  BARRICÃO!

                                                   BARRICÃO!

                                                                    BARRICÃO!

                                                                                    BARRICÃO!

                                                                                                      RICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! BARRICÃO! Ricão! Ri! Ricão! Ricão! Ricão! Ricão!


A autora, Maria do Socorro Ricardo, é filha do maestro José Ricardo Sobrinho e Lu Ricardo Farias. Sua literatura recebeu elogios na Universidade de Blumenau, na Revista de Divulgação Cultural, foi assunto em dissertação de mestrado na UFAL, falando sobre uma pessoa importante do Estado, e em tese de doutorado pela aluna Teresa Kleba Lisboa, da UFSC. Artigos no Jornal Barreiros, do jornalista Rogério Salgado, Belo Horizonte, no Jornal de Educação de Joinville, SC, no Jornal de Blumenau, no Jornal Tribuna de Alagoas, no Jornal de Santa Catarina e no Jornal Gazeta de Alagoas. Com elogios de Djalma Melo Carvalho e do jornalista Agamenon Magalhães Jr. Lançou seu primeiro livro JOSÉ RICARDO SOBRINHO: UM MÁGICO DA MÚSICA, 1997, em Blumenau e Alagoas.

Contatos: mariasricardo@bol.com.br

Página Publicada em 28/08/2006