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Seção de Crônicas da Casa da Cultura |
Tudo estava pronto para a grande festa anual dos sinais gráficos. A comissão organizadora, formada pelo cifrão ($), pelo e comercial (&) e pelos dois parênteses (( )) tinha decidido que os pontos finais não seriam convidados e, se viessem, não entrariam. "São muito chatos, a todo momento entram na conversa dos outros paralisando as frases, que ficam cortadas, sem sentido", justificou o cifrão.
Durante a festa, os sinais formavam rodinhas de bate-papo. Alguns alegres, outros tristes. A arroba (@), por exemplo, era de longe a mais feliz entre os convivas. Com a Internet, estava sendo utilizada em todo o mundo. "Eu que cheguei a pensar que não mais seria usada para alguma coisa, além do preço do boi na bolsa, eis que a Internet me rejuvenesceu."
O trema (¨), coitado, era só tristeza. Usando sua linguagem erudita, lamentava para a crase. "Estou fenecendo a cada dia solerte amiga. Poucos me utilizam. Os jornais, então, quase todos aboliram-me. E o pior. Às vezes usam-me em cima de outras letras que não o U, em palavras de línguas estrangeiras, principalmente as bárbaras européias, que não provêm do nosso saudoso latim." A crase, que também tinha seus problemas, respondeu: "E eu, que quase ninguém sabe usar corretamente."
A vírgula, trajando vestido roxo e longo, realçando suas formas curvilíneas, comentava com o dois pontos. "Caro colega, é impressionante como tem gente que me usa em excesso, me colocam até entre o sujeito e o verbo. Imagine você, fiquei sabendo de um leitor que ficou asmático depois de ler o livro de um escritor que me usava em profusão."
A festa continuava. A orquestra tirava de letra as músicas, os convidados dançavam e bebiam. O ponto de exclamação (!), um dos mais esbeltos e elegantes, com seu smoking preto, perguntou à cedilha. "Parabéns por ter vindo desacompanhada do C." Ela respondeu: "Você continua o mesmo galante de sempre e esta festa é o único lugar em que eu tenho sentido sozinha."
De repente, na portaria do salão, veio o barulho de um entrevero entre um convidado e o ponto de interrogação (?), responsável pela segurança. "Ponto final não foi convidado, não pode entrar.", bradou o interrogação, curvando-se ao baixinho bravo. "Meu amigo, procure entender, eu não sou ponto final. Sou asterisco (*). É que tive a horrível idéia de passar gel nos cabelos."
O autor, Otávio Nunes, é jornalista em São Paulo, trabalha como repórter no Diário Oficial do Estado. Nasceu no Paraná em 1956, mas está em São Paulo desde seus sete anos. Como jornalista já passou por revistas técnicas, assessorias de imprensa, Diário Popular (atual Diário de S. Paulo). Escreve contos desde seus 25 anos, antes mesmo de estudar jornalismo. De alguns anos para cá, especializou-se em pequenas histórias, de uma a três laudas. Segundo ele: "Talvez por ser jornalista, aprecio texto que seja entendível. Acho que o escritor escreve para alguém, não para si mesmo ou meia dúzia de iniciados."
Contatos: otanunes@gmail.com
Página Publicada em 23/10/2006
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