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Índice Artigos de André Masini

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Artigo de André Masini publicado no Jornal O Paraná em 18/Fev/2004



CASOS CANINOS: QUATRO AMORES

André C S Masini

Certa vez, atendendo a um pedido de minha avó, levei uma velha tia solteirona de São Paulo ao sul da Bahia. Era uma senhora infeliz, que detestava pessoas, cachorros, cidades, praias e tudo mais que lhe aparecesse na frente.

Quando cheguei para pegá-la, ela já se pôs a protestar contra a "velha carroça ridícula" (que era meu carro). Só se dignou a entrar após muita conversa, e depois não parou mais de reclamar por toda a viagem: era o guarda que tinha cara feia, o caminhão que soltava fumaça, as curvas, os buracos, e acima de tudo o motorista e o carro, que juntos reuniam todos os mais detestáveis defeitos que duas coisas podem ter.

Chegando ao destino, eu quis aproveitar meu único dia de descanso. Acordei cedo e fui para a praia sozinho. Estava feliz fazendo um castelo de areia, quando ouvi a voz da tia insultando minha obra...

Sentei-me sobre o castelo, aborrecido. O dia parecia perdido, mas foi aí que o cachorro apareceu.

Branco e peludo, veio andando em minha direção; parou a uns cinco metros de distância e ficou me fitando simpático. Eu falei carinhosamente a ele, e ele abanou o rabo. A tia começou suas imprecações contra o animal "feio e pulguento", mas eu não lhe dei atenção e joguei um biscoito de polvilho para o bicho. Ele andou até o biscoito, cheirou, mas não comeu. Apenas deitou-se diante dele, apoiando o focinho sobre as patinhas unidas, e ficou abanando o rabo e alterando olhares entre minha tia e mim.

Eu chamei o cachorro, mas ele lançou olhares de esguelha para a velha, como se dissesse que para o lado dela não ia não.

Afastei-me dela e chamei-o novamente. Ele veio. Acariciei sua cabeça, e ele ficou ali, sorrindo e abanando o rabo até que...

Subitamente, como se tivesse lido meus mais secretos e proibidos desejos, ele saiu correndo saltitante de alegria, aproximou-se do coqueiro onde minha tia apoiara suas coisas, levantou a perna e despejou uma formidável quantidade de xixi amarelo sobre a bolsa e o chapéu dela.

A velha berrou com as mãos no rosto, como se o apocalipse tivesse começado. Correu desesperada para o cãozinho, que fugiu saltitante, adorando a brincadeira.

Eu corri também, sem controlar as gargalhadas, e tentei ajudar minha tia lavando as coisas no mar. Mas não consegui consolá-la.

Ela sentou-se, com a cara fechadíssima, resmungando sem parar. À certa altura, seus olhos se arregalaram, fixando algo atrás de mim.

O cachorro estava voltando, seguido por outros dois: uma fêmea marrom que também saltitava, tão alegre quanto o primeiro, e um segundo macho branco mais pacato, que apenas balançava o rabo, seguindo os outros dois.

A tia levantou-se e avançou para os cães aos gritos e de mãos em punhos. Os dois da frente se separaram, ficando um de cada lado da velha, latindo e brincando. Aí a tia teve a triste idéia de ameaçar o branco com um chute. Ele se esquivou e, rápido como uma gaivota em mergulho, foi até o coqueiro, pegou o chapéu dela e fugiu em disparada.

A tia correu atrás dele, berrando a todos pulmões.

A fêmea marrom imitou o branco e enfiou o focinho na bolsa, pegou uma toalha e desabalou atrás do amigo. A tia parecia que ia explodir de tanto berrar, mas os berros de nada adiantaram. Os dois cães sumiram num matagal, e o segundo macho branco os seguiu, caminhando calmamente.

Mal acreditando naquilo, eu me pus a imaginar o que mais poderia acontecer.

Cerca de duas horas depois surgiu à distância um senhor carregando algo. Atrás dele, descaradamente, vinham os três cachorros. O homem era o dono dos bichos e, quando os vira chegar com as coisas, entendera que deveriam ter sido tiradas de algum hóspede do hotel. Viera se desculpar, trazendo o chapéu e a toalha, ambos já lavados, além de alguns quitutes.

Era um baiano simpático e gentilíssimo, que tratou a tia com toda a atenção e, para minha enorme surpresa, logo conseguiu tirar dela alguns sorrisos. Ele certamente via nela coisas que eu não pudera ver...

Para resumir a história, a tia acabou se casando com o homem.

Um ano depois eu fui visitá-la naquela praia. Ela estava irreconhecível: sorria o tempo todo, não se queixava de nada e dividia alegremente sua cama de casada com os três cachorros, que se alternavam em seu colo e que ao lado do marido eram os quatro amores de sua vida.

O autor é  Escritor, Auditor Fiscal da Receita Federal
e Diretor Geral da Casa da Cultura.

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