No
último dia 20, Jayme Monjardim, diretor do filme "Olga",
declarou em entrevista ao Jornal da Globo:
"O
filme é a história das emoções que
os livros não contam. Os livros contam o quê? Contam
os atos, contam o que aconteceu, mas não contam a emoção
que essas pessoas viveram".
Triste
a sina de nossa cultura, quando alguém que não
sabe o que é um livro chega a ser diretor de cinema.
Quais,
afinal, são esses livros que contam "fatos"
e não "emoções"?! Imagino que
os únicos volumes que Jayme Monjardim jamais abriu são
a lista telefônica e o manual de sua TV.
Literatura:
existirá algum gênero artístico que mostre
emoções de forma mais intensa?
Em
qual obra de arte poderíamos encontrar um ódio
vingativo como o de José de Arimatéia, que salta
das páginas de Chapadão do Bugre, de Mário
Palmério? Ou aversão como a que Mestre Amaro tinha
contra seu Lula, em Fogo Morto, de José Lins do Rego?
Ou deslumbramento inocente como o de Amélia, ou desejo
bestial e hipocrisia como a de Padre Amaro, saídos da
pena de Eça de Queirós? E que não dizer
da fúria assassina do irmão mais velho dos Karamazov?
ou da mescla de amor, dúvidas e determinação
de Robert Jordan, o protagonista de Por quem os sinos dobram,
de Hemingway?
E
nem precisaríamos ir tão longe. O próprio
livro "Olga", no qual se baseia o filme, vai muito
além de "fatos". Seus personagens estão
longe de precisar de qualquer "diretor de cinema"
para "revelar suas emoções" através
de um filme.
"Olga",
como todos livros de Fernando Morais, traz sim fatos e sim examina
a história, mas vai muito além disso. Mesmo sem
ser uma obra prima da Grande Literatura, oferece emoções
abundantes e verdadeiras. Eu mesmo chorei diversas vezes ao
ler o livro e recordo vividamente de algumas passagens: o despertar
do amor entre Olga e Luís Carlos Prestes, dois idealistas
com almas cheias de determinação, em sua viagem
ao Brasil; o nascimento da filha Anita, nos porões da
Gestapo; ou até mesmo o inesquecível relato factual
da rendição de Agildo Barata, líder do
levante da Praia Vermelha:
Barata
rendido. As tropas legalistas se aproximam. Alguém pergunta:
--
Quem é o filho da puta do Barata?
Barata
responde:
--
O Barata sou eu, o filho da puta é tu!
- São
fatos, mas as emoções também estão
lá.
- Porém
Jayme Monjardim, diretor de cinema, afirma que "livros
não contam emoções"...
São
os tempos em que vivemos.
Ao
se fazer uma comparação séria entre Cinema
e Literatura, verifica-se que a única coisa que o cinema
e a TV têm que a literatura não tem são
"sensações" visuais e auditivas diretas:
música, paisagens, ritmo de imagens, etc... Mas imagens
e sons não são uma necessidade para que emoções
humanas possam ser transmitidas e sentidas; pois as emoções
não estão nos olhos dos homens nem nos ouvidos;
mas em suas mentes e corações.
Em
última instância, a emoção que o
cinema consegue transmitir brota exatamente da mesma fonte que
a emoção dos livros: a história. Aliás,
qualquer distinção entre um script, o texto de
uma peça teatral, ou um romance, jamais poderia ser feita
com base no conteúdo emocional. Suas diferenças
se restringem à forma e a aspectos exteriores.
Mas
então por que Monjardim faria tal comentário?
O
problema é que os recursos sensoriais da TV e do cinema
podem usados (pelos cineastas que não são verdadeiros
artistas) como meio vulgar de criar "emoções
fáceis", que entram acabadas na cabeça de
quem assiste, e visam atingir até os espíritos
mais embrutecidos; as mentes mais entupidas de novelas e slogans
publicitários; os corpos mais entediados, largados em
poltronas, comendo pipocas...
Deviam
ser essas "emoções fáceis" que
Monjardim tinha em mente quando disse que "os livros não
contam emoções".
O
que os livros -- e a verdadeira arte, qualquer que ela seja,
através de qualquer dos cinco sentidos humanos -- oferecem
ao espectador/leitor é a realizadora experiência
de recriar as emoções em suas próprias
mentes e corações. Livros, é necessário
algum esforço para abri-los, digeri-los, pensá-los.
Mas para aqueles que se dão a esse trabalho, a recompensa
são emoções em estado muito mais puro,
sutil, profundo, verdadeiro e realizador... infinitamente mais
rico que tudo que a cultura de massa, de consumo fácil
e pronto, jamais poderá oferecer.
O
consumo do pronto, fácil e acabado, a negação
da possibilidade de recriação, é a causa
da boçalização do ser humano no mundo globalizado.
Por
ser diferente disso, e fazer as pessoas pensarem, a leitura
é tão importante. E por isso a declaração
de Monjardim é tão lamentável.
O
autor é Escritor, Auditor Fiscal da Receita Federal
e Diretor Geral da Casa da Cultura.