Nos
tempos de universidade, ao redigir panfletos e cartazes estudantis,
eu e meus colegas freqüentemente usávamos manchetes
sensacionalistas e absurdas como essa acima, para chamar atenção.
Cursávamos
geologia, não jornalismo, e questões como "ética
jornalística" ou coisas do tipo não eram
nossas preocupações principais. Mas, pelo menos,
deixávamos claro ao leitor que as tais "manchetes"
não eram coisa séria.
Hoje,
mais de vinte anos depois, fico surpreso ao ver que nossa "técnica"
deixou de ser mera brincadeira estudantil e virou um verdadeiro
"instrumento de trabalho" para certos jornalistas,
supostamente sérios, que trabalham para jornais pretensamente
preocupados com a dita "ética jornalística".
E o pior é que os tais jornalistas não se limitam
a inventar a manchete absurda, mas também criam um texto
para ela, e vendem todo o embuste ao leitor como se fosse a
mais genuína, límpida e isenta realidade.
"O
alcoolismo do presidente brasileiro torna-se preocupação
nacional!", esse foi o título da "notícia"
do "jornalista" Larry Rohter, publicada no pretensamente
sério jornal The New York Times, no dia 09/05. O artigo
começa assim: "Luiz Inácio Lula da Silva
nunca escondeu seu apreço por uma caneca de cerveja,
uma dose de uísque ou, melhor ainda, por 'virar' um copo
de cachaça"...
Em
síntese: o tal "jornalista" não se contentou
com sua invenção, mas fez questão de redigi-la
no tom mais irônico e debochado possível. Tom freqüentemente
utilizado por jornalistas estadunidenses ao tratar presidentes
latino-americanos.
Muitos
de nós brasileiros estão descontentes com Lula.
Mas -- à parte nosso apreço ou desapreço
pela pessoa do presidente, ou por sua condução
do país -- é importante compreendermos que a publicação
de uma "notícia" como essa, da forma como foi
feita, é uma grave ofensa; e não uma ofensa a
Lula, mas a todos nós.
O
brasileiro que já viveu nos EUA, ou na Europa, bem sabe
o que é preconceito. Primeiro mundo é uma coisa,
terceiro mundo é outra. E o respeito devido a uns, e
a outros, são inteiramente diferentes.
Tal
diferença fica óbvia ao compararmos esse incidente
jornalístico envolvendo nosso presidente, com fatos recentes
envolvendo Bush e Blair.
O
governo Bush não apenas expulsou o jornalista Muhammad
Allawi dos EUA sob alegação de ser "danoso
à segurança nacional", e Philip Smucker do
Iraque ocupado; mas também instaurou a censura à
imprensa, que a aceitou com espantosa submissão (2001,
censura a vídeos de Bin Laden); e também criou
os "jornalistas incrustados nas forças armadas",
que são a mais eficiente forma de visão unilateral
dos fatos desde o III Reich; e também tenta calar os
meios de comunicação que não são
seus vassalos, como a TV Al-Jazira, e por aí vai.
Porém
nada disso foi motivo para qualquer alvoroço na imprensa
mundial. Bush (ele sim, reconhecidamente alcoólatra)
continua sendo tratado com o respeito e cuidado devidos a um
presidente do primeiro mundo.
Dentro
da mesma lógica, quando a imprensa de lá comete
um erro em relação a um governante dos seus, os
pedidos de desculpas são vastos e eloqüentes. Recentemente,
o Jornal Daily Mirror não apenas publicou um pedido de
desculpas na primeira página inteira, mas também
demitiu seu editor. O motivo? Acusações de maus-tratos
a prisioneiros iraquianos, ilustradas com fotos. O detalhe é
que os maus-tratos são uma verdade! comprovada por testemunhos
e por um pagamento de indenização das forças
britânicas à família de um prisioneiro assassinado.
Apenas as fotos eram falsas.
Percebe
o leitor que são dois pesos e duas medidas?
A
publicação de uma "notícia" sem
base na realidade, e ofensiva -- sendo sobre o Brasil -- é
tratada com desdém pelo NYT. Tivesse sido sobre a Casa
Branca, certamente esse Larry Rohter teria ido parar no olho
da rua, para fazer companhia a seu colega fraudador Jayson Blair.
Mas, como somos apenas América Latina, a decisão
do governo brasileiro de expulsar o sujeito do país gerou
alvoroço na imprensa mundial.
Liberdade
de imprensa! clamaram. Como se esta existisse não para
proteger a verdade, mas para acobertar boçais que resolvem
inventar mentiras e ofender pessoas e nações;
sabe-se lá com que propósito.
No
fim, o governo brasileiro voltou atrás. O NYT é
uma das instituições mais poderosas do mundo,
e é a isso que esse caso se resume: poder. Não
ética. Poder.
O
autor é Escritor, Auditor Fiscal da Receita Federal
e Diretor Geral da Casa da Cultura.