MARTE E A TERRA
Imaginemos a Terra de sessenta
mil anos atrás, com neandertais vagando por campos e florestas
e ocultando-se em escuras cavernas, acossados por tigres-de-dente-de-sabre.
Uma Terra onde não havia sequer uma cidade ou vila, sequer
um campo arado, sequer um animal domesticado. Foi nesse céu
arcaico que o planeta Marte brilhou pela última vez com
a intensidade que brilhará no próximo dia 27 de
agosto.
Por que teria Marte escolhido
nós, homens globalizados, e os neandertais? Parece-me uma
associação sugestiva... mas na verdade não
houve escolha alguma. A aproximação entre a Terra
e Marte é fruto de um mecanismo determinado; como o de
dois ponteiros de relógio que se encontram a cada 1 h e
5 mim.
Imaginemos que o sistema
solar é uma pista oval de atletismo, onde a Terra é
um atleta que corre na raia de dentro e Marte outro atleta que
corre na raia de fora. O percurso da Terra, na raia de dentro,
é mais curto e sua velocidade é maior, por isso
ela leva menos tempo para dar uma volta completa: apenas um ano.
Marte, na raia de fora, leva quase o dobro: 687 dias.
Imaginemos então
que os dois planetas começam a corrida juntos, na linha
de chegada. A Terra arranca na frente; quando ela estiver completando
a primeira volta (1 ano), Marte terá completado apenas
pouco mais que meia volta. Quando Marte estiver chegando para
completar sua primeira volta (1,88 anos) a Terra já estará
se aproximando por trás para ultrapassá-lo.
Pouco depois de Marte completar
sua primeira volta (e de a Terra completar sua segunda) a Terra
dará uma volta em cima de Marte (aprox. 2 anos e
52 dias).
O que acontece no espaço
– nessa "pista de atletismo" que é a órbita dos
planetas ao redor do Sol – é exatamente isso: a Terra ultrapassa
Marte a cada 26 meses. Os astrônomos chamam essa "ultrapassagem"
de oposição solar (pois para nós,
terráqueos, Marte fica exatamente na direção
oposta à do Sol).
Porém, se é
assim, não deveria a distância ser idêntica
em todas as ultrapassagens?
Deveria, se as órbitas
fossem circunferências perfeitas. Mas elas não são.
Imaginemos que nossa pista
de atletismo foi feita torta, e que a largura das raias não
é constante. Na linha de chegada, elas são mais
estreitas; na reta oposta elas são mais largas. Assim,
quando a Terra ultrapassa Marte perto da linha de chegada, os
dois planetas ficam mais próximos (e ambos ficam mais próximos
do Sol), quando ela o ultrapassa longe da linha de chegada eles
ficam menos próximos. (Os astrônomos chamam a "linha
de chegada" de periélio.)
Com que freqüência
a ultrapassagem ocorre próxima à linha de
chegada?
Basta lembrarmos que a
Terra, para ultrapassar Marte, precisou de duas voltas inteiras
mais 1/7 de volta (2 anos mais 52 dias). Deixando de lado as voltas
inteiras (anos), podemos ver que cada ultrapassagem ocorre 1/7
de volta para frente (52 dias depois) do ponto da última
ultrapassagem. Dessa forma, na sétima ultrapassagem teremos
dado uma volta completa e estaremos novamente próximos
à linha de chegada. Sete ultrapassagens levam cerca de
15 anos.
Portanto, além do
ciclo de uma oposição (ultrapassagem) a cada 26
meses, temos um ciclo maior: uma oposição periélica
(ultrapassagem próxima à linha de chegada) a cada
15 anos. A última foi em 1988.
Ao notarmos que todas as
contas acima são aproximadas, podemos entender que os dois
planetas nunca se ultrapassam exatamente no mesmo
ponto. O que existe são ciclos cada vez maiores. Depois
do de 15 anos, existe o de 79 anos (oposição periélica
próxima - a última foi em 1924), e assim por diante,
até chegarmos aos 59 mil anos.
Portanto, caro leitor,
para observar Marte esta será uma oportunidade única
na história. Ele surgirá ao anoitecer, no horizonte,
cerca de duas mãos a sul de onde nasce o Sol, e irá
subindo até chegar ao zênite por volta da meia noite.
Será o objeto mais luminoso do céu, parecendo uma
estrela grande e alaranjada, que porém, ao contrário
das verdadeiras estrelas, não cintila. Quanto mais alto
ele estiver, melhor será a observação. Com
um binóculo será possível ver um pequeno
disco, e com um telescópio amador será possível
distinguir a calota polar sul. A proximidade máxima ocorrerá
entre as noites de 26 e 27 (55,78 milhões de km).
Observemos Marte. Antes
de nós apenas os homens das cavernas puderam vê-lo
assim tão perto; e depois de nós, quem sabe se haverá
alguém aqui para ver...
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