11/09,
ÓDIO E LUCIDEZ
André C S Masini
Por que existem tantas
guerras? Por que será que a história humana é
tão repleta de violência e brutalidade que chamá-la
de selvagem parece uma afronta aos seres silvestres? Não
poderia o homem viver em paz com seu próximo e com seu
meio ambiente? sem agredir, sem destruir?
A resposta a essas perguntas
é muito mais difícil do que muitos pretendem. A
constância das guerras, ano após ano, milênio
após milênio – a despeito de toda miséria
e sofrimento que trazem – sugere a existência de algo
em nossa natureza que nos arrasta para elas. E na verdade
esse algo já foi estudado e compreendido pela ciência:
Freud, em seu livro O Mal-estar na Civilização,
chama-o de instinto de agressão e de autodestruição;
Konrad Lorenz, ganhador de prêmio Nobel e fundador da
moderna ciência da etologia, chama-o de agressividade
inata.
Em nosso atual estado de
civilização, só testemunhamos a agressividade
quando vemos dois semelhantes brigando ou dois países guerreando,
e temos boas razões para considerá-la uma deformidade.
Mas devemos lembrar que nossa espécie levou milhões
de anos para evoluir, e que não fomos biologicamente "moldados"
para viver em civilização. Essa mesma agressividade
– que hoje perdeu suas funções e tornou-se inadequada
às nossas sociedades – foi no passado uma força
de vida para a espécie: o impulso no interior de nossos
antepassados que lhes permitia defender seu território
e sua prole. Por isso ela é um dos quatro grandes impulsos
inatos do ser humano, tão importante quanto alimentação,
reprodução e fuga.
Lorenz mostrou que a agressividade
brota espontaneamente de nós, sem precisar de estímulos
ambientais: O sistema nervoso central não age apenas
por reação, ou reflexo. Ele pode produzir estímulos
por si próprio, e essa é a explicação
fisiológica para certos comportamentos espontâneos
de animais e humanos (incluindo a agressividade).
Certa vez tentaram-se criar
crianças em um ambiente totalmente livre de agressão,
oferecendo–se a elas ilimitada tolerância e a satisfação
de todos seus desejos. Para desgosto dos "educadores",
o impulso agressivo brotou espontaneamente do interior dessas
crianças, que tornaram-se insuportavelmente mal educadas
e extremamente agressivas!
Mas reconhecer essa agressividade
inata não significa de modo algum justificar a brutalidade.
Pelo contrário, talvez seja o único caminho que
tenhamos para evitá-la. Lorenz mostra que o impulso agressivo,
como qualquer impulso, não pode ser simplesmente suprimido,
precisa ser descarregado ou redirecionado. Por isso – para que
uma sociedade humana seja viável – seus indivíduos
precisam ter meios de redirecionar sua agressividade para algo
saudável, como trabalho ou esporte. E, para que essa agressividade
não seja mal redirecionada, a sociedade deve impor claríssimos
limites de comportamento, com responsabilização
dos indivíduos e severas punições.
O quadro se torna ainda
mais sombrio quando estudamos a agressividade de grupos. Entra
em cena o entusiasmo militante (Lorenz), pelo qual a agressividade
de cada membro se une às dos demais e é redirecionada
para um grupo distinto.
Freud diz: A vantagem
que um grupo cultural obtém, concedendo ao instinto agressivo
um escoadouro sob a forma de hostilidade contra intrusos, não
é nada desprezível. É sempre possível
unir um considerável número de pessoas no amor,
enquanto sobrarem outras pessoas para receberem as manifestações
de sua agressividade. (...) Não é por acaso que
o sonho de um domínio mundial germânico exigisse
o anti-semitismo e que a tentativa de estabelecer uma civilização
nova e comunista na Rússia encontre o seu apoio psicológico
na perseguição aos burgueses.
Essa agressividade tem
sido um fertilíssimo instrumento nas mãos de tiranos
de má-fé – Marcus Cato, Hitler, Stalin, Mao, George
Bush – que canalizam o ódio das massas contra grupos estranhos:
cartagineses, judeus, burgueses, reacionários, etc...
Felizmente, existem pessoas
que recusam a solução fácil do bode expiatório,
e preferem suportar com lucidez a própria dor e ódio,
que descarregá-lo indistintamente. Na semana passada, um
grupo de familiares das vítimas de 11/09 disseram NÃO
a Bush: Fora do Iraque! Não derrame sangue inocente
em nome de nossos parentes!
Que dignidade! Tiremos
desse exemplo esperança para nosso futuro, e não
nos esqueçamos da advertência do passado: "Conhece-te
a ti mesmo!"
site: www.casadacultura.org
O autor é Auditor
Fiscal da Receita Federal e Escritor
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