VLS, O
FOGUETE BRASILEIRO
Foguetes são coisas
bem antigas; surgiram há cerca de 1.000 anos, na China,
provavelmente a partir de um certo artefato explosivo que era
atirado em fogueiras: um cilindro de bambu, preenchido com uma
mistura de nitrato, enxofre e carvão. Tais cilindros, ao
apresentarem um defeito – uma fenda de algum tipo – ao invés
de explodirem saiam voando, deixando um rastro de fogo para trás.
Como era de se prever,
alguém logo percebeu que aquelas coisas serviriam para
uso militar; e já a partir do século XIII existem
evidências do uso de foguetes militares pelos chineses.
Mas os resultados práticos dessas geringonças não
foram muito satisfatórios, mostrando-se muito inferiores
aos das espingardas e canhões; pelo menos até a
segunda guerra mundial.
Às vésperas
desse conflito, diversos países desenvolveram pequenas
armas propelidas a foguete, mas foi a Alemanha, com a equipe de
cientistas liderada por von Braun, que construiu o precursor de
todos os foguetes da atualidade: o V2.
Ao final da guerra, EUA
e União Soviética travaram uma acirrada corrida
para se apoderarem dos cérebros e equipamentos por trás
dessa arma tão avançada.
Os EUA capturaram von Braun,
e a União Soviética tomou o que restava das instalações
industriais em Peenemünde. Mas na época nenhum dos
dois lados fazia idéia da importância que os foguetes
viriam a ter em um futuro próximo, importância estratégica,
muito mais ampla que seu uso militar.
Em 1947 foi inventado o
transistor e, com ele, multiplicaram-se exponencialmente as possíveis
utilidades de um artefato colocado em órbita. Os satélites
ganharam o potencial de realizar sensoriamento remoto: obtenção
à distância de inestimáveis informações
sobre clima, feições geográficas, vegetação,
uso do solo, queimadas, geologia, mobilizações militares
e uma infinidade de outras coisas. Isso sem falar nas telecomunicações.
Hoje, satélites
são utilizados por quase todos os países do mundo.
Mas para colocá-los em órbita são necessários
foguetes, e estes são prerrogativa de: EUA, Europa e Ucrânia
(ex URSS); além de China, Japão, Israel e Índia,
que suprem apenas necessidades próprias ou locais.
Isso significa (e agora
chegamos ao ponto principal) não apenas um mercado multibilionário
de lançamentos, mas algo muito mais importante: a diferença
entre dependência e auto-suficiência. Os EUA cobram
cerca de US$ 15 a 20 milhões por um lançamento com
o foguete Pegasus, mais da metade disso é lucro, lucro
que é inteiramente revertido para o aperfeiçoamento
do programa espacial deles. Mas, acima da questão econômica
direta, está o problema da dependência, que na prática
significa que hoje só podemos lançar coisas que
os EUA inspecionam e aprovam. Ou, em outras palavras, que a Embraer
jamais poderá competir com a Boeing, se para tanto necessitar
de algum tipo especial de satélite.
É exatamente por
isso que os EUA boicotaram o programa espacial brasileiro desde
seu início (e "convenceram" a Argentina a extinguir seu
programa Condor , similar ao nosso). Exatamente por isso
o nosso Veículo Lançador de Satélites, o
VLS, é tão importante.
Entrevistei nesse domingo
um graduado funcionário do Instituto de Aeronáutica
e Espaço, e fiquei impressionado com as imensas dificuldades
enfrentadas a cada mínimo detalhe do desenvolvimento do
VLS: a recusa dos EUA em vender peças ou realizar qualquer
tipo de intercâmbio; a ampliação desse boicote
que, com o avanço de nosso projeto, alcançou países
europeus que antes haviam intercambiado tecnologia conosco. Acima
de tudo fiquei espantado com a imensa abnegação
necessária para se trabalhar com ciência e tecnologia
neste país, onde o governo não prioriza tais áreas:
baixos salários, falta de recursos, desprestígio...
Porém, surpreendentemente,
apesar de todas essas dificuldades, nosso programa espacial caminha
bem. Basta examinarmos um pouco a história do programa
estadunidense para ver que a série de acidentes e fracassos
deles é incomparavelmente maior que a nossa, e que os recursos
por eles investidos foram infinitamente maiores. Isso para não
falar nos soviéticos e chineses.
Portanto, aos engenheiros
e técnicos que têm levado adiante o projeto VLS,
eu só poderia dizer:
– Parabéns! Sigam
adiante! Vocês são verdadeiros heróis de nosso
país.
Aos que morreram na tragédia
do último dia 22, a homenagem maior será o sucesso
final do programa espacial brasileiro.
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