O OUTRO
LADO DAS CALAMIDADES*
Todos temos acompanhado
a polêmica sobre a implantação de uma Penitenciária
Federal em Cascavel; pena que alguns argumentos em defesa do projeto
venham recheados de desinformações, como a idéia
de que a obra ajudaria a resolver os problemas e a superlotação
de nossa modesta cadeia.
Que ninguém se engane!
Penitenciária Federal não é para presos bucólicos
como os nossos. Para entrar em uma delas é necessário
pertencer a uma certa "categoria" de gente, que até
hoje nós só tivemos o privilégio de conhecer
pela televisão.
Mixórdias à
parte, os malefícios do projeto para nossa cidade são
indiscutíveis: aumento da criminalidade, fuga de investimentos,
desvalorização dos imóveis, enfim a total
deterioração da região.
A discussão é
quase surreal, pois os danos de um tal projeto não são
elucubrações, são um dado concreto e irrefutável,
tirado de exemplos recentes de projetos semelhantes.
Quem não se recorda
da implantação do complexo penitenciário
de Bangu, que em teoria teria sido um modelo de prisão...
segurança absoluta... etc... O que é hoje? Um antro
de pesadelos, onde amedrontados funcionários resistem abnegadamente,
sitiados por dentro e por fora, sob ameaças constantes
de invasões, resgates, motins, rebeliões, assassinatos...
Lá dentro, os criminosos
reinam como soberanos absolutos, donos de um império financeiro
avassalador e senhores da vida e da morte dos detentos menos poderosos,
dos agentes penitenciários, dos diretores de presídios,
dos juízes, e da população fora dos muros...
Nos olhos desses senhores
não existe receio, nem prudência, nem limite; mas
tanta "bravura" e impertinência que parecem tratar-se
de criaturas sobre-humanas. O irônico é que essa
"bravura" não vem de nenhum dom inato ou sobrenatural:
eles não são diferentes dos outros homens, não
são imunes à dor ou ao medo da morte. Sua "bravura"
vem apenas do fato de terem absoluta certeza de que o Estado não
lhes causará nenhum sofrimento físico ou moral,
não importa o que façam, como crianças mimadas.
E exatamente por isso eles se sentem livres para fazer tudo o
que querem: matar, torturar, seqüestrar, mutilar, intimidar,
barbarizar... Nosso Estado, amorfo e negligente, perdido em retóricas
vazias, apenas os "condena" (sic) a mais algumas centenas
de anos...
Nesse quadro – onde ninguém
nem nada os obriga a respeitar limites – qualquer penitenciária
no Brasil será como uma lareira feita de madeira. Por melhor
que seja a madeira, o fogo acabará tomando o resto da casa.
Outro exemplo aconteceu
recentemente na região de Presidente Prudente, que era
uma das mais tranqüilas do Estado da São Paulo. Nos
anos 90, o governo estadual decidiu construir um conjunto de penitenciárias
na região. O projeto foi apresentado à população
local como um grande benefício, que traria "recursos,
empregos e desenvolvimento" (sic). Mas a realidade foi bem
diferente.
Os imperadores do crime
mudaram-se para as "penitenciarias perfeitas" e foram
seguidos por seus séqüitos – sócios, parentes,
aprendizes – que instalaram-se na cidade e lá passaram
a exercer seus "ofícios". Prudente e a região
deterioram-se de uma forma melancólica. Roubos e assaltos
multiplicaram-se. Seqüestros passaram a ocorrer... os imóveis
perderam mais da metade do valor... a gente está se mudando...
Como brasileiro, eu devo
pensar no país, e não apenas na cidade de Cascavel.
Mas de que adianta destruir mais uma cidade, se o verdadeiro problema
não será atacado? Parece-me óbvio que não
é a falta de penitenciárias o problema do grande
crime no Brasil, mas a arrogância e o escárnio no
olhar dos grandes criminosos. Enquanto o Estado não adotar
medidas punitivas que transformem essa arrogância em arrependimento,
esse escárnio em respeito, a barbárie continuará
a crescer solta.
Que ninguém se engane.
A palavra punição ainda não se tornou
obsoleta. Como vimos na semana passada, o ser humano tem em sua
natureza um impulso agressivo e destruidor, que precisa ser limitado
pelos agrupamentos humanos.
Voltando ao ponto: com
tantos malefícios, quem em sã consciência
defenderia a penitenciária? e por quê?
Ora, tudo neste mundo tem
seu outro lado: algum empreiteiro talvez ganhe dinheiro, algum
político talvez ganhe poder... A desgraça de uns
é o lucro de outros. Assim foi com a Guerra do Iraque,
com a escravatura, as cruzadas, a peste negra...
André
C S Masini
O autor é
Auditor Fiscal da Receita Federal e Escritor
* Na versão impressa, por motivo de espaço, o título
foi publicado como:
"O AVESSO DAS CALAMIDADES"
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