PAU-D'ÁGUA
E PALMITO
André
C S Masini
Qual
de nós já não passou por alguma situação
constrangedora, ao se defrontar com uma palavra ou objeto desconhecido,
de significado ainda mais desconhecido, cujo uso parecia ser
um dos sete mistérios da Terra?
Eu,
muitas vezes. Recordo de uma, assim que me formei em geologia.
Fora contratado por um empreiteira para trabalhar com pesquisa
mineral, na Bahia. Mas, no instante em que lá cheguei,
descobri desanimado que além de não entender nada
do que estava sendo feito, não entendia sequer a língua
que aquele povo falava. Eram engenheiros, sondadores e outras
criaturas endiabradas dizendo extravagâncias como "Munck",
"jeriqueiro", betoneira de não sei quantos "traços",
e coisas ainda piores.
Mas
de todas aquelas palavras a mais misteriosa era um certo "comboio".
Era "comboio" pra cima, "comboio" pra baixo, "comboio" o tempo
inteiro... mas eu olhava pra todos os lados e não via comboio
nenhum (que eu supunha ser uma fila de veículos).
Para
piorar ainda mais as coisas, o diretor presidente da empresa havia
chegado ao local junto comigo e, bem no meio do canteiro, aproximou-se
e começou a discutir detalhes do danado do "comboio" com
um engenheiro a meu lado. Falavam de gasolina, diesel, óleo,
graxa... e quanto mais eu escutava menos entendia. Fiquei lá,
de sorriso amarelo, balançando a cabeça pasmado,
até que tive a "brilhante" idéia de escapar dali
fingindo que precisava pegar uns "mapas" no alojamento.
O
leitor já deve estar imaginando que o plano deu errado.
E deu, pois o presidente me disse:
– Já
que você vai lá, aproveite e avise pra cozinheira
não esquecer de encher bem o comboio, pois ontem
estava faltando óleo.
Cozinheira?!
Óleo?! mas que diabo teria a cozinheira a ver com o comboio?!
–
Claro, aviso sim, pode deixar... – disse eu desnorteado.
Pouco
depois, no alojamento:
–
Comboio?! – pergunta a cozinheira assustada – eu não
sei o que é isso não!
Saí
dali correndo e fui falar com um certo peão de barba branca,
que me ajudara naquela manhã a cavar uma trincheira e que
trabalhava na empresa há anos. Abri o jogo com o homem.
Ele disse:
– Ora,
engenheiro, você não viu por aí um
caminhão que carrega oito tambores e um monte de mangueiras?
– Vi.
– Pois
aquilo é o comboio. Ele serve para abastecer e lubrificar
os tratores e máquinas na própria obra, sem que
elas tenham que se locomover.
Pensei
um pouco...
– Mas
o que tem a cozinheira a ver com o diabo do caminhão?
– Ah!...
sabe aquela cestinha que fica na mesa, com quatro garrafinhas
de vidro: vinagre, óleo, sal e pimenta... que serve para
temperar salada?
– Sei,
e daí?
– Você
não acha que aquilo parece o caminhão?
– É...
– concordei – até que parece.
– Pois
nós chamamos aquilo também de comboio.
Quem
diria! No fim das contas o tal comboio era apenas o caminhão
de abastecimento e o galheteiro!
Mas
coisa pior aconteceu em São Paulo, com uma velha senhora
italiana:
Um
certo geólogo italiano (que eu conhecera anos antes no
exterior) viera a São Paulo e, não sei bem por que
motivo, trouxera também a sogra. A velha era uma simpática
italiana que ria o tempo todo, mas enxergava mal, ouvia pior ainda,
e vivia se esquecendo das coisas. Ela gostou de mim logo de cara
e pediu-me que a levasse a um passeio pelo centro de São
Paulo.
Lá
fomos nós, pela Praça da República, onde
ela mal reparou nos artesanatos, mas subitamente parou maravilhada
diante de troncos de palmito frescos espalhados sobre uma lona.
Eu expliquei o que eles eram, e ela gargalhou de satisfação
e comprou um.
Continuamos
a caminhar, e ela continuou mostrando fria indiferença
por bijuterias, quadros e esculturas... mas parou novamente maravilhada
diante de um vendedor de pedaços de pau d'água.
Eu expliquei que bastava deixar um daqueles cilindros de madeira
sobre um prato com água, que ele logo criaria raízes
e soltaria uma belíssima folhagem. Ela mostrou-se encantada
e comprou.
Ao
chegarmos ao hotel, ela mostrou orgulhosa o palmito e o pau d'água
a meu colega, e eu lhe expliquei o que era uma coisa e outra.
Cerca
de um mês depois, o homem ligou da Itália. Parecia
abatido. O "palmito" fora impossível de comer ou sequer
de descascar. Era duríssimo. Eles haviam até tentado
cozinhá-lo por horas... O "pau d'água" não
havia soltado raízes nem folhagem. Eles haviam insistido
por um mês, mas ele começara a apodrecer, e a água
a soltar um cheiro tão horrível que tiveram que
jogar tudo no lixo.
O autor é Escritor, Auditor Fiscal da Receita Federal
e Diretor Geral da Casa da Cultura.
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