IMPRENSA, PUREZA
E DEMOCRACIA *
"A segurança [da democracia]
está em uma imprensa livre. A agitação
que ela produz (...) é necessária para manter
as águas puras," escreveu o presidente estadunidense
Thomas Jefferson, quase 200 anos atrás.
Olhando para os EUA de hoje, é
inevitável perguntar: Estaria Jefferson falando dessa
imprensa, que fecha os olhos às fraudes de Bush, Tom
Hicks e da gangue que espoliou o Texas? Dessa imprensa, que
é conivente com mentiras premeditadas, do tipo: Saddam
Hussein teve ligações com 11/09, e a ocupação
do Iraque objetivou "evitar o terrorismo"... ?
Não. Jefferson não era
simplório. Nem ele nem seu nariz confundiriam água
pura com um pântano estagnado. A verdade é que,
daqueles tempos para cá, muita coisa mudou: Mudaram os
EUA, que se transformaram em uma potência imperial. Mudou
a qualidade moral de seu presidente, que hoje não tem
nenhuma. Mudou a capacidade mental das pessoas, que foi deteriorada
pela televisão. Mudou a imprensa.
Hoje, os EUA de Bush combinam melhor
com outras três frases: "A imprensa é nossa
principal arma ideológica;" "Supervisionar
a formação da opinião pública é
um absoluto direito do Estado;" e "Uma mentira, se
repetida suficientes vezes, torna-se uma verdade." A primeira
é do líder comunista soviético Nikita Khrushchev;
as outras duas são do ministro da propaganda nazista
P. J. Goebbels.
Pobre velha América! Mas será
que foi só por lá que a imprensa - a "tábua
fraca sob o colchão da democracia", nas palavras
de A. J. Liebling - perdeu a pureza? Aqui no Brasil, a grande
imprensa procura apresentar-se como livre e independente, e
até como neutra; e proclama que nós, leitores
- que construímos nossas opiniões através
de suas informações - somos livres... Mas "ninguém
é mais escravo do que aquele que se considera livre sem
o ser," alertou Goethe. Portanto, tenhamos cuidado:
Nos tempos de Jefferson, os jornais eram
sustentados pelos leitores, pela venda de exemplares. Hoje,
o preço de um exemplar dos grandes jornais provavelmente
não paga nem a impressão; quem realmente os sustenta
são os anunciantes. As TVs são ainda piores, pois
vivem exclusivamente de anunciantes.
E quem são os anunciantes? Principalmente
as multinacionais e o próprio governo.
Lembra-se o leitor das intermináveis
propagandas de ministérios e empresas estatais no ano
passado, ano de eleição, que acabavam com o slogan
Brasil oito anos? Oito anos significava governo FHC. Era dinheiro
público, em grande quantidade, sendo usado em favor do
presidente e seu partido.
Mas pior que o visível desperdício
foram as conseqüência ocultas dessa promíscua
relação entre o cliente governo e seus fornecedores
os veículos de comunicação. Fornecedores
que, coincidentemente, eram também as empresas de jornalismo
(independente?) que formam a opinião pública.
Por que nesses oito anos falou-se tanto
em modernidade e tão pouco no sufocamento econômico
causado pelo aumento da carga tributária e dos juros?
tão pouco nas empresas que foram falindo, abatidas por
uma concorrência externa predatória amparada num
câmbio artificialmente alto e alíquotas zero de
imposto de importação? tão pouco na degradação
do balanço de pagamentos? na explosão do emprego
informal e do endividamento público? no descaso com a
agricultura? na sinistra forma como foram feitas as privatizações?
Por que ignorou-se o conteúdo
dos grampos de Mendonça de Barros e Pérsio Arida?
Foram dezenas de bilhões de dólares de patrimônio
público licitados com favorecimento ilegal de grupos
privados... e o único criminoso pareceu ser o autor das
gravações!
Modernidade... essa foi a imagem que
a imprensa sustentou do governo FHC. Será que isso teve
relação com as fortunas gastas em anúncios?
Será que Collor teria caído se tivesse gasto tanto
como FHC em propaganda?
Para purificar um pouco as turvas águas
de nossa imprensa, é necessário o filtro de uma
Lei que PROÍBA qualquer tipo de propaganda direta dos
poderes executivos - federal, estaduais e municipais! Somente
os legislativos deveriam poder autorizar verbas publicitárias,
e somente para campanhas de esclarecimento ou educação
pública. A propaganda de empresas estatais teria que
se restringir ao objeto das atividades destas.
Isso criaria alguma distinção
entre governo e imprensa. Mas ainda estaríamos muito
longe da pureza. Dúvidas continuariam boiando, e o poder
de outros grandes anunciantes continuaria a lançar perigosos
resíduos... na água que bebemos.
André Carlos Salzano Masini
*Na versão impressa,
por motivo de espaço, o título foi modificado
para: Imprensa, Pureza e Império