Calma,
prezado leitor, nem você leu errado, nem eu pirei
de vez. Este artigo pretende isso mesmo: dar novos motivos
para que os moços e moças de nosso Brasil
continuem lendo apenas o suficiente para não bombar
na escola.
E continuem vendo a leitura como algo completamente estapafúrdio,
irrelevante, anacrônico, e permaneçam habitando
o universo ágrafo dos hedonistas incensados nos
realitys shows.
(Êpa,
acho que exagerei. Afinal, quem não lê, muito
dificilmente vai conseguir compreender esta última
frase. Desculpem aí, manos: eu quis dizer que os
carinhas, hoje, precisam de dicionário pra entender
gibi da Monica, na onda dos sarados e popozudas
que vêem na telinha, e que vou dar uma força
pra essa parada aí, porra.)
Eu
explico mais ainda: é que, aproveitando o gancho
do Salão do Livro Infanto-Juvenil, em novembro
agora no Parque do Ibirapuera, Sampa, pensei em escrever
sobre a importância da leitura. Algo leve mas suficiente
para despertar em meia dúzia de jovens o gosto
pela leitura (de que? De tudo! De jornais a livros de
filosofia; de bulas de remédio a conselhos religiosos;
de revistas a tratados de física quântica;
de autores clássicos a paulos coelhos.)
Daí
aconteceram três coisas que me fizeram mudar de
rumo e de idéia.
Primeiro
eu li que fizeram, alguns meses atrás, um teste
de leitura com estudantes do ensino fundamental de uma
dezena de vários países. Era para avaliar
se eles entendiam de verdade o que estavam lendo. Adivinhem
quem tirou o último lugar, até mesmo atrás
de paizinhos miseráveis e perdidos no mapa mundi?
Acertou, bródi: o nosso Brasil.
Logo
depois, li uma notícia boa que, na verdade, é
ruim: o (des)governo de São Paulo anuncia maior
número de crianças na escola. Mas adotou
a política da não reprovação.
Traduzindo: neguinho passa de ano, sim, mas continua técnicamente
analfabeto. Porque ler sem raciocinar é como preencher
um cheque sem saber quanto se tem no banco.
E,
por último, li em pesquisa publicada recentemente
nos jornais, que para 56% dos brasileiros entre 18 e 25
anos comprar mais significa mais felicidade, pouco se
importando com problemas ambientais e sociais do consumo
desenfreado. Ou seja, o jovem brasileirinho gosta de comprar
muitas latinhas de cerveja, mas toma todas e joga todas
nas ruas ou nas estradas, sem remorso.
Viram
como ler atrapalha?
A
gente fica sabendo de fatos que, se não soubesse,
teria mais tempo para curtir o próprio umbigo numa
boa, sem ficar indignado e preocupado com a situação
atual de boa parte de nossa juventude.
E
também faz o tico e o teco (nossos dois neurônios
que ainda funcionam no cérebro, já que se
dividirmos o quociente de inteligência nacional
pelo número de habitantes não deve sobrar
mais que isso per capita) malharem e suarem, em vez de
ficarmos admirando o crescimento do bumbum e do muque
no espelho das academias de musculação.
Porisso
que, num momento de desalento, decidi que, de agora em
diante, como escritor e professor, nunca mais vou recomendar
a ninguém que leia mais, que abra livros para abrir
a cabeça.
A
realidade é brutal e desmentiria em seguida qualquer
motivo que eu desse para um jovem tupiniquim trocar a
alienação pela leitura.
Eu
reconheço: a maioria está certa em não
ler.
E
tem, no mínimo, 5 razões poderosas , maiores
e melhores que meus frágeis argumentos ao contrário:
- Se ler,
vai querer participar como cidadão dos destinos
do País. Não vale à pena o esforço.
Como disse o Lula (que não teve muita escola,
mas sempre leu pra caramba), a juventude não
gosta de política, mas os políticos adoram.
Porisso que eles mandam e desmandam há séculos;
- Se ler,
vai saber que estão mentindo e matando montes
de jovens todos os dias em todos os lugares do Brasil
impunemente; principalmente porque esses jovens não
percebem nem têm como saber (a não ser
lendo) a tremenda cilada que é acreditar que
bacana é mentir e matar também;
- Se ler,
vai acordar um dia e se perguntar que diabo é
isso que anda acontecendo neste lugar, onde só
ladrões, corruptos, prostitutas e ignorantes,
aparecem na mídia;
- Se ler,
vai ficar mais humano e, horror dos horrores, é
até capaz de sentir vontade de se engajar num
trabalho comunitário, voluntário e parar
de ser egoísta;
- Se ler,
vai comparar opiniões, acontecimentos, impressões
e emoções e acabar descobrindo que sua
vida andava meio torta, meio gado feliz.
O espaço está acabando e me deu vontade
de lembrar que ninguém -nem mesmo alguém
que não vê utilidade na leitura - pode achar
que há um belo futuro aguardando uma juventude
que vai de revólver pra escola e, lá, absorve
não conhecimentos mas um baseado ou uma carreirinha
maneira. Sim, é outra pesquisa que li, esta dando
conta que sete entre dez estudantes brasileiros andam
armados, tres entre dez se drogam na escola, sete entre
dez bebem regularmente.
Mas
páro por aqui já que, apesar destes tristes
tempos verdes e amarelos (as cores do vômito, papito),
lembro também de tantos poetas, jornalistas e escritores
que, ao longo de minha vida de leitor apaixonado, me deram
toques de esperança, força e fé na
mudança.
De
um especialmente - o poeta Tiago de Melo - com seu verso
comovido e repleto de coragem:
"Faz
escuro, mas eu canto!"
Talvez
meu pequeno cantar sirva de guia do homem (e mulher) de
amanhã. E que, lendo mais, ele/ela evite de ter
como única alternativa para mudar de vida dar a
bunda (e a alma) ou engolir baratas (e a dignidade) diante
das câmeras de televisão.
* O autor,
Ulisses Tavares, por ter começado muito cedo sua
militância poética (aos 8 anos, estando ele
hoje com 53), tem uma rica experiência para compartilhar.
Vem atravessando e participando ativamente de todos movimentos/etapas
da poesia brasileira nos últimos 45 anos, desde a
geração mimeógrafo até a geração
web. Foi o fundador e editor do jornal/movimento Poesias
Populares, de resistência à ditadura.
Também editor do Núcleo Pindaíba,
primeiro movimento/editora a revelar e abrigar poetas brasileiras
como Leila Miccolis, Maria Rita Khel e Lúcia Villares.
Um dos membros do polêmico Movimento de Poesia
Pornô. Autor do primeiro bestseller da poesia
marginal com o livro Pega Gente. Pioneiro no uso
das idéias do psicanalista maldito Wilhelm Reich
em performances poéticas, chegando a reunir 2 mil
pessoas no Parque Lage-RJ. Também pioneiro da poesia
eletrônica. Participa do Livro/Agenda da Tribo, provavelmente
o livro de poesias mais vendido do Brasil, há 13
anos. Fez parte ativa das chamadas geração
mimeógrafo, geração xerox, geração
off-set, geração vídeo, e hoje da geração
web. Atualmente é um dos raros poetas do Brasil a
terem ultrapassado a marca de mais de 1 milhão de
exemplares vendidos exclusivamente no gênero poesia.
Tem mais de 76 livros publicados (43 infanto-juvenis) em
todos os gëneros literários e é também
professor de pós-graduação em tecnologias
de informação, compositor, criativo publicitário
internacionalmente premiado, dramaturgo e jornalista digital.