Literatura
e Cinema
André
C S Masini
No último dia 20, Jayme Monjardim, diretor do filme
"Olga", declarou em entrevista ao Jornal da
Globo:
"O
filme é a história das emoções
que os livros não contam. Os livros contam o quê?
Contam os atos, contam o que aconteceu, mas não
contam a emoção que essas pessoas viveram".
Triste
a sina de nossa cultura, quando alguém que não
sabe o que é um livro chega a ser diretor de cinema.
Quais,
afinal, são esses livros que contam "fatos"
e não "emoções"?! Imagino
que os únicos volumes que Jayme Monjardim jamais
abriu são a lista telefônica e o manual de
sua TV.
Literatura:
existirá algum gênero artístico que
mostre emoções de forma mais intensa?
Em qual
obra de arte poderíamos encontrar um ódio
vingativo como o de José de Arimatéia, que
salta das páginas de Chapadão do Bugre,
de Mário Palmério? Ou aversão como
a que Mestre Amaro tinha contra seu Lula, em Fogo Morto,
de José Lins do Rego? Ou deslumbramento inocente
como o de Amélia, ou desejo bestial e hipocrisia
como a de Padre Amaro, saídos da pena de Eça
de Queirós? E que não dizer da fúria
assassina do irmão mais velho dos Karamazov? ou
da mescla de amor, dúvidas e determinação
de Robert Jordan, o protagonista de Por quem os sinos
dobram, de Hemingway?
E nem
precisaríamos ir tão longe. O próprio
livro "Olga", no qual se baseia o filme, vai
muito além de "fatos". Seus personagens
estão longe de precisar de qualquer "diretor
de cinema" para "revelar suas emoções"
através de um filme.
"Olga",
como todos livros de Fernando Morais, traz sim fatos e
sim examina a história, mas vai muito além
disso. Mesmo sem ser uma obra prima da Grande Literatura,
oferece emoções abundantes e verdadeiras.
Eu mesmo chorei diversas vezes ao ler o livro e recordo
vividamente de algumas passagens: o despertar do amor
entre Olga e Luís Carlos Prestes, dois idealistas
com almas cheias de determinação, em sua
viagem ao Brasil; o nascimento da filha Anita, nos porões
da Gestapo; ou até mesmo o inesquecível
relato factual da rendição de Agildo Barata,
líder do levante da Praia Vermelha:
Barata
rendido. As tropas legalistas se aproximam. Alguém
pergunta:
-- Quem
é o filho da puta do Barata?
Barata
responde:
-- O Barata
sou eu, o filho da puta é tu!
- São
fatos, mas as emoções também estão
lá.
- Porém
Jayme Monjardim, diretor de cinema, afirma que "livros
não contam emoções"...
São
os tempos em que vivemos.
Ao se
fazer uma comparação séria entre
Cinema e Literatura, verifica-se que a única coisa
que o cinema e a TV têm que a literatura não
tem são "sensações" visuais
e auditivas diretas: música, paisagens, ritmo de
imagens, etc... Mas imagens e sons não são
uma necessidade para que emoções humanas
possam ser transmitidas e sentidas; pois as emoções
não estão nos olhos dos homens nem nos ouvidos;
mas em suas mentes e corações.
Em última
instância, a emoção que o cinema consegue
transmitir brota exatamente da mesma fonte que a emoção
dos livros: a história. Aliás, qualquer
distinção entre um script, o texto de uma
peça teatral, ou um romance, jamais poderia ser
feita com base no conteúdo emocional. Suas diferenças
se restringem à forma e a aspectos exteriores.
Mas então
por que Monjardim faria tal comentário?
O problema
é que os recursos sensoriais da TV e do cinema
podem usados (pelos cineastas que não são
verdadeiros artistas) como meio vulgar de criar "emoções
fáceis", que entram acabadas na cabeça
de quem assiste, e visam atingir até os espíritos
mais embrutecidos; as mentes mais entupidas de novelas
e slogans publicitários; os corpos mais entediados,
largados em poltronas, comendo pipocas...
Deviam
ser essas "emoções fáceis"
que Monjardim tinha em mente quando disse que "os
livros não contam emoções".
O que
os livros -- e a verdadeira arte, qualquer que ela seja,
através de qualquer dos cinco sentidos humanos
-- oferecem ao espectador/leitor é a realizadora
experiência de recriar as emoções
em suas próprias mentes e corações.
Livros, é necessário algum esforço
para abri-los, digeri-los, pensá-los. Mas para
aqueles que se dão a esse trabalho, a recompensa
são emoções em estado muito mais
puro, sutil, profundo, verdadeiro e realizador... infinitamente
mais rico que tudo que a cultura de massa, de consumo
fácil e pronto, jamais poderá oferecer.
O consumo
do pronto, fácil e acabado, a negação
da possibilidade de recriação, é
a causa da boçalização do ser humano
no mundo globalizado.
Por ser
diferente disso, e fazer as pessoas pensarem, a leitura
é tão importante. E por isso a declaração
de Monjardim é tão lamentável.
O
autor é Escritor, Auditor Fiscal da Receita Federal
e Diretor Geral da Casa da Cultura.
ASSINATURA
E CANCELAMENTO:
Este boletim
é um serviço gratuito da Casa da Cultura.
Para assiná-lo, basta informar seu
nome e e-mail na
página de assinaturas em nosso sítio [clique
aqui].
Sua privacidade
é garantida, seu direito de cancelamento da assinatura
também, a qualquer momento, sem que lhe seja feita
qualquer pergunta ou restrição. Se você
tem dúvidas, todas elas podem ser sanadas em nosso
sítio:
[Conheça
o Boletim Informativo Semanal da Casa da Cultura]
[Informações
sobre segurança e sigilo do nome e e-mail do assinante.]
[Detalhes
sobre os tipos de assinatura: Assinantes Exclusivos e Conveniados]
[Por
que confiar na Casa da Cultura?]
Para
cancelar sua assinatura:
[Cancelar
Assinatura]