INCÊNDIO NA CAIXA D'ÁGUA!
André
C S Masini
Nos
tempos de universidade, ao redigir panfletos e cartazes
estudantis, eu e meus colegas freqüentemente usávamos
manchetes sensacionalistas e absurdas como essa acima,
para chamar atenção.
Cursávamos
geologia, não jornalismo, e questões como
"ética jornalística" ou coisas
do tipo não eram nossas preocupações
principais. Mas, pelo menos, deixávamos claro ao
leitor que as tais "manchetes" não eram
coisa séria.
Hoje,
mais de vinte anos depois, fico surpreso ao ver que nossa
"técnica" deixou de ser mera brincadeira
estudantil e virou um verdadeiro "instrumento de
trabalho" para certos jornalistas, supostamente sérios,
que trabalham para jornais pretensamente preocupados com
a dita "ética jornalística". E
o pior é que os tais jornalistas não se
limitam a inventar a manchete absurda, mas também
criam um texto para ela, e vendem todo o embuste ao leitor
como se fosse a mais genuína, límpida e
isenta realidade.
"O
alcoolismo do presidente brasileiro torna-se preocupação
nacional!", esse foi o título da "notícia"
do "jornalista" Larry Rohter, publicada no pretensamente
sério jornal The New York Times, no dia 09/05.
O artigo começa assim: "Luiz Inácio
Lula da Silva nunca escondeu seu apreço por uma
caneca de cerveja, uma dose de uísque ou, melhor
ainda, por 'virar' um copo de cachaça"...
Em
síntese: o tal "jornalista" não
se contentou com sua invenção, mas fez questão
de redigi-la no tom mais irônico e debochado possível.
Tom freqüentemente utilizado por jornalistas estadunidenses
ao tratar presidentes latino-americanos.
Muitos
de nós brasileiros estão descontentes com
Lula. Mas -- à parte nosso apreço ou desapreço
pela pessoa do presidente, ou por sua condução
do país -- é importante compreendermos que
a publicação de uma "notícia"
como essa, da forma como foi feita, é uma grave
ofensa; e não uma ofensa a Lula, mas a todos nós.
O
brasileiro que já viveu nos EUA, ou na Europa,
bem sabe o que é preconceito. Primeiro mundo é
uma coisa, terceiro mundo é outra. E o respeito
devido a uns, e a outros, são inteiramente diferentes.
Tal
diferença fica óbvia ao compararmos esse
incidente jornalístico envolvendo nosso presidente,
com fatos recentes envolvendo Bush e Blair.
O
governo Bush não apenas expulsou o jornalista Muhammad
Allawi dos EUA sob alegação de ser "danoso
à segurança nacional", e Philip Smucker
do Iraque ocupado; mas também instaurou a censura
à imprensa, que a aceitou com espantosa submissão
(2001, censura a vídeos de Bin Laden); e também
criou os "jornalistas incrustados nas forças
armadas", que são a mais eficiente forma de
visão unilateral dos fatos desde o III Reich; e
também tenta calar os meios de comunicação
que não são seus vassalos, como a TV Al-Jazira,
e por aí vai.
Porém
nada disso foi motivo para qualquer alvoroço na
imprensa mundial. Bush (ele sim, reconhecidamente alcoólatra)
continua sendo tratado com o respeito e cuidado devidos
a um presidente do primeiro mundo.
Dentro
da mesma lógica, quando a imprensa de lá
comete um erro em relação a um governante
dos seus, os pedidos de desculpas são vastos e
eloqüentes. Recentemente, o Jornal Daily Mirror não
apenas publicou um pedido de desculpas na primeira página
inteira, mas também demitiu seu editor. O motivo?
Acusações de maus-tratos de prisioneiros
iraquianos, ilustradas com fotos. O detalhe é que
os maus-tratos são uma verdade! comprovada por
testemunhos e por um pagamento de indenização
das forças britânicas à família
de um prisioneiro assassinado. Apenas as fotos eram falsas.
Percebe
o leitor que são dois pesos e duas medidas?
A
publicação de uma "notícia"
sem base na realidade, e ofensiva -- sendo sobre o Brasil
-- é tratada com desdém pelo NYT. Tivesse
sido sobre a Casa Branca, certamente esse Larry Rohter
teria ido parar no olho da rua, para fazer companhia a
seu colega fraudador Jayson Blair.
Mas,
como somos apenas América Latina, a decisão
do governo brasileiro de expulsar o sujeito do país
gerou alvoroço na imprensa mundial.
Liberdade
de imprensa! clamaram. Como se esta existisse não
para proteger a verdade, mas para acobertar boçais
que resolvem inventar mentiras e ofender pessoas e nações;
sabe-se lá com que propósito.
No
fim, o governo brasileiro voltou atrás. O NYT é
uma das instituições mais poderosas do mundo,
e é a isso que esse caso se resume: poder. Não
ética. Poder.
O
autor é Escritor, Auditor Fiscal da Receita Federal
e Diretor Geral da Casa da Cultura.