Casa da Cultura    

Boletim Informativo Semanal

Ano III, número 45 - Quarta-feira, 06 de abril de 2.005   

Casa da Cultura Literatura Trabalhos de A. C. Masini


    Exemplar de Assinante Conveniado

Bom Dia, Amigo(a) Assinante, (ou Boa Noite)


URGENTE - Querem sacrificar 64 cães, saudáveis, tratados e vacinados, que esperam adoção: A Casa da Cultura recebeu um apelo urgente da ONG Cia. do Bicho, dizendo o seguinte:
Infelizmente as Notícias da Cia. do Bicho não são boas... Os cães do abrigo (64 agora, após 8 ótimas doações) são na verdade cães que estão num abrigo dentro da Cidade Universitária (USP). Não divulgamos o local para não aumentar o abandono e não colocar o nome da Universidade no meio da história toda. Agora todos devem saber o que está para acontecer com eles. Precisamos MUITO de ajuda para lares temporários e (por que não?) definitivos para que eles não sejam sacrificados. São animais em bom estado de saúde, vacinados, a maioria castrada (faltam somente uns 10 para castrar TODOS). Foram mais de dois meses de trabalho desde que começamos a ajudar e tudo para que eles tivessem uma chance. São adultos, filhotes, alguns mais idosos, a maioria de porte médio, vários entre porte pequeno e médio, de todas as cores. Tem fotos de vários no site: http://www.ciadobicho.com.br/abrigo.htm
Por favor, pedimos a ajuda de todos para que possamos salvá-los!
Cia do Bicho

Veja como se manifestar:
O prefeito do campus da Cidade Universitária da USP,Wanderley Messias da Costa, julgou e sentenciou ao seu bel prazer 64 cães à morte. Através de um ofício enviado a CCZ (carrocinha) o prefeito solicitou a apreensão e eutanásia desses cães instalados em um“canil” dentro da prefeitura da USP. São animais adultos e filhotes, castrados e vacinados, não são animais abandonados ou sem nenhum cuidado.
Pedimos sua colaboração urgente no sentido de manifestar sua indignação através de e-mails para as pessoas que podem reverter esta situação: o reitor(gr@edu.usp.br) e o prefeito (pco@edu.usp.br) da USP Divulgue o conteúdo deste e-mail para o maior número de pessoas possíveis até 4ª feira, dia 06/04/05.Sugerimos o seguinte texto:
“Não queremos a carrocinha no campus e somos contra a eutanásia desses animais, pois acreditamos que outras soluções possam ser encontradas e somos favoráveis à criação de uma comissão mista de alunos, professores e funcionários para tratar desse assunto”.
PS. Mande cópia para o e-mail bicharada_usp@yahoo.com.br para sabermos quantos somos.

Conto: "Filosofia sobre a solidão em tarde de outono". Uma instigante história da escritora Nilza Amaral, onde um personagem de classe social privilegiada vê-se envolto em um mundo muito diferente do seu: o mundo dos habitantes de rua: "... outros habitantes do mundo subterrâneo foram chegando, se aproximando, envolvendo o nômade inerte num círculo humano e silencioso, de consideração e resignação. (...) O bando juntou alguns pedaços de madeira, jornais velhos, lixo, trapos, e acenderam um fogo. Resolvi fazer parte daquele velório. Na doença e na morte devemos ser solidários." Mas o enredo e o desenlace reservam uma grande surpresa. "A alfinetada da solidão, essa agonia que nos leva a estranhas avenidas, começava a instalar-se sorrateira." Literatura da mais alta qualidade.
[Clique aqui para ler o conto]

Carta de André Masini ao reitor da USP: Juntando-se à campanha da Cia do Bicho para salvar os 64 cães do extermínio, o diretor geral da Casa da Cultura enviou a carta abaixo ao Reitor da Universidade de São Paulo, junto com uma cópia de seu artigo "Morrer, dormir... talvez sonhar", publicado no Jornal O Paraná em 27/abr/2004. Reproduzimos abaixo a carta e o artigo.

Um abraço fraternal,
Casa da Cultura

AJUDE A DIVULGAR A CASA DA CULTURA retransmitindo nossas comunicações a seus amigos e conhecidos.
Obrigado.


Carta de André Masini ao reitor da USP

 

Excelentíssimo Senhor Reitor da USP, Adolpho José Melfi,


Venho pela presente, na qualidade de ex-aluno dessa Universidade, ex-diretor de centro acadêmico, Cidadão Brasileiro, Funcionário do Poder Executivo Federal, diretor geral do importante Sítio WEB Cultural e Filosófico www.casadacultura.org, e membro da grande comunidade de pessoas que em nosso país lutam por uma sociedade mais ética e digna, perdir-lhe respeitosamente que reconsidere sua decisão de sacrificar 64 cães, atualmente hospedados na universidade, que já receberam inúmeros tratamentos e cuidados com dinheiro público e estão prontos para a adoção.

Não há dúvida nenhuma de que toda a sociedade compreende a dificuldade que existe em se gerir uma Universidade como a nossa, com os insuficientes recursos que ela recebe. Porém creio que o ato de sacrificar esses animais não será proveitoso nem para a Universidade nem para Vossa Excelência, e marcará para sempre, indelevelmente, o nome de ambos de maneira negativa.

O extermínio é um caminho simples e prático. Certamente haverá cientistas e professores que o defenderão, em nome de algum argumento estreito qualquer. Mas essas pessoas não têm a mais remota noção de filosofia ou ética, nem fazem idéia do tamanho da barbaridade que defendem. Vossa Excelência deve ter em mente que um respaldo desse gênero não livra os responsáveis nem da responsabilidade moral pelo ato, nem do julgamento da história.

Peço-lhe que se lembre de Adolf Hitler, que tinha respaldo de um grande número de cientistas para suas teorias sobre superioridade racial; e de sua "solução final" para o "problema" dos Judeus, que lhe pareceu na época algo "muito prático". Mas as conseqüências do genocídio pesam até hoje sobre todo o povo alemão como uma nuvem cinza. E o mundo não esqueceu, nem esquecerá.

Rogo-lhe, portanto, com todo respeito e deferência, que leia meu artigo em anexo, que trata desse tema. Onde procuro mostrar a face terrível do ato de exterminar cães sadios, apesar de todos os "argumentos científicos" em favor desse ato. Peco-lhe que pondere e verifique como será ainda mais bárbaro o extermínio de cães que já foram tratados e preparados para adoção com dinheiro público.

Agradecendo desde já sua atenção, aproveito a oportunidade para manifestar meus protestos da mais elevada consideração e estima,

Atenciosamente,
André Carlos Salzano Masini

05/04/2005

(Cópia para o Ilustríssimo Senhor Prefeito do Campus, Wanderley Messias da Costa)

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MORRER, DORMIR... TALVEZ SONHAR

André C S Masini
Artigo publicado no Jornal O Paraná em 27/abr/2004


Era uma brilhante manhã de sol, e eu acabara de me sentar à mesa do café. A velha empregada aproximou-se com olhar triste, meia sem jeito, e contou-me que na calçada, diante de nosso portão, havia um cãozinho caído.
Corri para o portão, e lá estava ele. Era um Fox Paulistinha, minha raça favorita. Respirava com dificuldade e não esboçava qualquer reação ao ser tocado. Exibia pavorosos sinais de maus-tratos, que prefiro não descrever.

Entrei e liguei para o veterinário. Ao voltar ao portão, encontrei duas crianças: uma menina de uns 9 anos e um menino de uns 6. Estavam sérios, com os olhos tristes fixos no bichinho. Arfavam, como se suas respirações pesadas ajudassem o corpo cansado do animalzinho a continuar respirando. A presença delas ali foi para mim um grande alívio.

É surpreendente como -- nas questões realmente essenciais da vida -- coisas terrenas como força, poder, idade, e intelecto revelam-se insignificantes... A companhia daquelas crianças, em toda sua fragilidade, teve mais valor para mim do que se lá tivessem estado presidentes, reis, cientistas, ou gênios da literatura.

Tem gente que pensa, nestes tempos materialistas, que solidariedade significa gente rica dar coisas para gente pobre. Mas solidariedade é muito mais: uma imensa força da natureza humana, que pode ser o bálsamo para as mais profundas e mais essenciais feridas da alma. Muitas vezes, o único bálsamo...

Na calçada estávamos eu, o cãozinho e as duas crianças...

O veterinário chegou, fez um breve exame no bicho, e, discretamente, deu-me a entender que o caso era sem remédio...

Olhei para as crianças num dilema: elas haviam escolhido estar ali e tinham absoluto direito de saber a verdade. Mas eu era um estranho para elas, e revelar-lhes cruamente o terrível ato que iria ocorrer, talvez fosse rude demais...

Acabei pedindo que fossem chamar sua mãe... que ela poderia ajudar, etc... Elas partiram correndo.

O cãozinho estava muito mal, já havia sofrido terrivelmente e era quase um milagre que ainda estivesse vivo, que tivesse conseguido andar até ali.. Ele havia gastado suas últimas forças, seus últimos instantes, sua última intuição... para chegar ao meu portão, à minha casa...

O veterinário foi claro: não havia nada a fazer senão sacrificá-lo e abreviar sua agonia.

Pegamos o cãozinho e o colocamos no carro. Quando íamos partir, as crianças reapareceram, num carro, com sua mãe, trazendo dois potinhos de plástico com comida e água. Eu disse que o estávamos "levando", sem maiores explicações. Despedi-me com um sorriso amarelo, e nunca mais as vi. Guardo delas uma lembrança afetuosa, de respeito e solidariedade.

Vida, morte... chegadas, partidas...

Vinte anos antes, em um dia ensolarado como aquele, eu pousara no aeroporto de Quito, no Equador. Fora para trabalhar, mas chegara como quem cai do céu, como uma criança que nasce para um mundo novo. Tudo era novidade: a língua, os costumes, as cidades, a selva. Aos poucos fui conhecendo aquele estranho mundo, e ele se foi tornando meu lar, minha vida.

Após um ano de intenso trabalho, eu estava tão habituado com aquela vida, que parecia ter estado ali desde o início dos tempos.

Depois, em uma nova manhã ensolarada, eu e outro geólogo voltamos àquele aeroporto para nos despedirmos de nosso mentor, o "velho professor". Num instante ele estava ali, como "sempre" estivera, e no instante seguinte havia partido, para sempre.

Voltei do aeroporto em silêncio, olhando pela janela do ônibus. O dia continuava ensolarado, e a cidade continuava igual, mas o professor já não estava lá para ver nada daquilo...

Subitamente me dei conta de que em breve eu próprio partiria, e também não estaria mais ali, e que aquelas ruas e casas e selvas tão familiares, aquela "minha vida", passariam a ser apenas lembranças.

Partidas... morte...

O veterinário aplicou a injeção no coração do cãozinho.

Em seu instante final, ele saiu do torpor em que estava, enrijeceu-se e chorou alto, com profundos e sentidos soluços que jamais esquecerei... a impressão que tive foi que, apesar de todos sofrimentos que padecera, ele lamentava partir desta vida... A tristeza e a intensidade daquele momento foram imensas. Em minha alma ficou gravada, para sempre, a idéia do apego que o cachorrinho tinha à vida.

Morrer, dormir... talvez sonhar...

Não sei se ele levou lembranças... mas para ele essa dúvida já não importa nem causa angústia.

A morte faz parte da vida, parte dessa imensa e maravilhosa unidade que é a natureza. Não há outra atitude razoável senão aceitar e respeitar a morte, seja lá o que ela for. E para nós que ficamos, resta o bálsamo da solidariedade.

Voltei para casa. O dia continuava brilhante e ensolarado, e todas as coisas permaneciam como antes: o portão, a calçada, o mundo... mas o cãozinho já não estava mais aqui para ver tudo isso.

* * * * *

O objetivo desse texto poderia ser apenas um reflexão sobre a vida e a morte, mas é mais que isso.

Quando vi aquele heróico cachorrinho -- mesmo irremediavelmente doente e em imenso sofrimento -- chorar e soluçar por ter que deixar este mundo, não pude deixar de pensar nos milhares de outros, que gozam de plena saúde, mas que são friamente assassinados em nosso nome, por entidades do Estado Brasileiro, a cada semana.

Essa foi a herança que o cãozinho deixou: um grito de alerta para que nós, humanos, compreendamos a imensa brutalidade que é essa matança.

Os cães são os maiores companheiros e o maior presente que a natureza nos deu. Eles nos amam incondicionalmente, sua fidelidade é sólida como as mais profundas fibras de suas almas de heróis (que sacrificam sem hesitação suas vidas para defender seus donos), sua alegria e seu carinho são lições que a cada dia nos ensinam a ser melhores e a viver melhor...

Não tenho idéia de o que fizemos para merecer tamanho presente...

Deveríamos agradecer a Deus e à natureza esse presente, e mostrar permanente respeito e carinho por esses seres infinitamente alegres e amigos, e que amam tanto a vida, e que a cada dia nos ensinam a amá-la também .

Mas, ao invés disso, criamos "centros de controle de zoonoses", as malfadadas "carrocinhas", que capturam os cães pelas ruas e os assassinam com bestial frieza!

Às vezes eu penso: o que, afinal, nossa espécie está fazendo na Terra? aonde queremos chegar? Não nos contentamos em estar destruindo cada um dos ecossistemas do planeta, não nos contentamos em nos comportar como verdadeiros playboys mimados, que -- sem qualquer consciência ou segundo pensamento sobre o fato de existirem outros seres -- dilapidamos a herança que a natureza nos deu, numa verdadeira orgia de inconseqüência. Não. Além disso tratamos nossos melhores amigos, os cachorros, como se fossem resíduos descartáveis, não seres brilhantes e repletos de vida.

Vi outro dia na TV um certo professor da USP afirmando que a hostilidade da população contra a carrocinha é devida à "ignorância", pois a população não sabe que os cães podem (sic) "causar doenças". Pobre criatura vaidosa. Do alto de seu pedestal, ele nem sequer cogita a hipótese de que o ignorante possa na verdade ser ele próprio. A tal "população", as pessoas, pode perfeitamente saber da possibilidade de um cão transmitir uma doença -- bem como da possibilidade de outro ser humano transmitir uma doença -- mas nem por isso precisam acreditar que se deve sair por aí praticando extermínios.

O sábio professor nem percebe que seu raciocínio brota do mesmo campo de onde brotaram as maiores monstruosidades da história humana. A mente dissociada do coração é um mecanismo defeituoso e pervertido, que pode levar para absolutamente qualquer direção e fazer estragos sem qualquer limite. Não existe nada mais ignóbil do que a pseudo-sabedoria, que tenta mostrar a "lógica" de atos monstruosos através de argumentos "científicos", mas sem discutir os aspectos éticos da questão.

A solução para o problema da carrocinha, porém, não é de modo algum hostilizar os funcionários da carrocinha, muitos dos quais também sofrem com a matança dos animais. A solução é exigir dos políticos que a matança seja proibida por lei, e seja substituída por programas de esterilização e adoção, como muitos que já existem em curso.


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