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O Vendedor de Laranjas: Ao ler esse texto
de Ilona Bastos eu achei que fosse poesia... com imagens inspiradoras,
refrão, ritmo, rimas, aliterações, arte...
enfim, poesia. Mas sua autora chama-o de crônica. Que
crônica inspirada! Eu quase sinto o gosto daquelas laranjas,
e vejo a cor de suas cascas brilhando sob a luz daquela tarde,
e quase me lembro do talento daquele incrível vendedor
como se o tivesse realmente visto... Mas talento mesmo é
o de Ilona Bastos, que me faz imaginar tudo isso! (André
Masini)
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O vendedor de laranjas
Ilona Bastos
Naquele final de tarde de Verão percebi que o velho
homem das laranjas, mais do que vida, era arte pura. Era pintura,
de certeza, à luminosidade dourada do sol poente. Era
bailado, era mímica. Era poema, era cinema por certo.
Era até conto completo ou romance verdadeiro.
Naquele final de tarde de Verão, igual aos demais
finais de tarde em que avistara o homem das laranjas, pareceu-me
que ele era mais do que o habitual vendedor de fruta, debruçado,
escolhendo, enchendo os sacos das laranjas e tangerinas e
estendendo-os aos compradores, todos de braços erguidos
para receber os frutos brilhantes, para entregar uma nota,
para agarrar o troco, para cumprimentar.
Naquele final de tarde de Verão, os turistas que passeavam
na calçada aproximavam-se do homem das laranjas na
sua camioneta aberta, repleta de caixas com laranjas e tangerinas,
e o homem, mergulhado naquele mar belíssimo, era mais
do que um mero vendedor, era um ilusionista, um mimo, um actor.
Naquele final de tarde de Verão, na sua camisa aos
quadrados, com o boné de fazenda na cabeça,
o vendedor de laranjas erguia o corpo e o olhar, as mãos
cheias dos redondos e sumarentos frutos, e atirava-os certeiros
às mãos das crianças passantes, da senhora
sozinha, do casal de namorados, do senhor idoso de gesto digno
e calças impecáveis, às mãos abertas
dos passageiros de cada uma das carruagens do comboiozinho
de veraneantes que, lento, passava perto - e assim, do homem
das laranjas partiam visíveis ondas de alegria, que
estampavam sorrisos em todas as faces.
Naquele final de tarde de Verão, o vendedor das laranjas
distribuía fruta e ternura, e chamava de longe os banhistas
cansados da subida pelas arribas, ainda cobertos da areia
macia que lhes salpicava as roupas, as toalhas de praia, as
bóias e os colchões cheios de ar.
Naquele final de tarde de Verão, ali mesmo, junto
ao mar, ao som de uma flauta escondida pelas árvores,
rostos felizes acorriam às varandas, dos prédios
saíam pés ligeiros, pela calçada, mãos
leves descascavam laranjas, e lábios sorridentes acolhiam
os seus gomos generosos - numa sequência perfeita, com
iluminação magnífica e definição
divinal.
Naquele final de tarde de Verão, o velho vendedor
de laranjas era estrela de cinema, era anjo, maestro, bailarino,
mimo, poeta, personagem de romance. Era vida. Mais do que
isso – era arte pura!
Praia da Rocha, Julho de 2004.
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