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Conto - O Homem da Jaqueta
Plástica: O escritor Don Antônio Maragno
Lacerda é um homem com visões e obras distantes
do trivial. Fluente em filosofia, ele vê em si uma completa
ausência de vínculos religiosos ou ideológicos,
e considera-se livre de títulos e tabus: A Casa da
Cultura publicou hoje 3 obras desse escritor: "O
Homem da Jaqueta Plástica", publicado
neste Boletim, é uma intrigante história sobre
mendigo um tanto peculiar. "Eu Culpo"
é um artigo que lança um olhar amplo sobre a
morte do brasileiro Jean Charles de Menezes, fulminado pela
polícia Inglesa. "O Tonel"
é um premiado conto sobre um camponês, um homem
avarento e um tonel de vinho.
Não deixe de ler em nosso site:
[http://www.casadacultura.org/Literatura/Contos/gr1/tonel_Don_Antonio_Maragno.html]
[http://www.casadacultura.org/Literatura/Artigos/g01/eu_culpo_Don_Antonio_Maragno.html]
[http://www.casadacultura.org/Literatura/Contos/gr1/homem_da_jaqueta_plastica_Don.html]
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Obrigado.
O Homem da Jaqueta Plástica
Don Antônio Maragno Lacerda
Encontrei o Andarilho, pela primeira vez, no pátio
que serve de poço de ventilação entre
os edifícios de escritório. Estava sentado numa
pilha de caixotes, e, desde então, habituei-me a levar-lhe,
todos os dias, uma refeição. Enquanto ele come,
sem pronunciar palavra, nossos olhares se cruzam e fico sempre
sobressaltado ao ver que os olhos brilham alegremente como
se estivesse guardando uma alma muito jovem. Mas, ele é
velho.
Sinto pena de seu traje esfarrapado, quase sempre úmido,
os profundos vincos que descem pela fronte até o pescoço,
o maxilar desmesuradamente inchado e salpicado de minúsculas
crateras. Os pêlos loiros que lhe crescem pelo rosto,
seu desordenado cabelo, o queixo forte e o semblante vermelho
dão-lhe uma aparência estrangeira - possivelmente
holandesa.
Numa destas manhãs, um homem amarrado foi trazido,
e o oficial remeteu-o imediatamente para a delegacia. Era
o Andarilho que fora capturado. Todos pareciam saber que haviam
centenas de razões para que fosse condenado, mas, na
apresentação das provas, soube-se que era acusado
de estar carregando uma grande quantia em dinheiro. Ele obstinou-se
em afirmar que o dinheiro fora ganho honestamente. Ninguém
acreditou, mas, à falta de provas, só puderam
encarcerá-lo por vadiagem.
Essa reclusão durou uma semana, durante a qual ele
ficou na ignorância absoluta do destino que lhe era
reservado. Na tarde do sexto dia de cárcere, foi solto,
e tonto de alegria, voltou correndo para o poço dos
edifícios. À noite reunia em torno de si os
caixotes e trambolhos em forma de barricada e, tendo no silêncio
seu vigia, quedava-se meio sonolento como se estivesse à
espera de alguma cilada.
- Um dia, apareceu pelas redondezas, outro andarilho. Vestia
um blusão de couro, e carregava sempre, debaixo do
braço uma pasta larga de papelão. Era um homem
grande, forte: um desses tipos rudes e cabeludos que produzem
a sensação de serem indomáveis e perversos.
Dizia-se um desenhista moderno e todas suas forças
e tempo eram dedicados ao abstracionismo. Por este motivo,
deixara de trabalhar e pusera-se a viver de expedientes. Estava
sempre a ponto de sufocar de sujeira e mau cheiro, mas, sendo
forte e saudável não se importava com isto.
Parecia preferir ser sufocado a dar-se ao trabalho de tomar
um banho.
O fato é que nunca desenhava, e os desenhos que trazia
debaixo do braço, eram velhos, ensebados e esmaecidos.
Estava sempre à procura de modelos abstratos.
É impossível dizer como ele fez amizade com
o Andarilho. Foram amigos até o dia que o Desenhista
se inteirou da pequena fortuna do outro. Planejou roubá-lo,
mas na noite que se levantou, empunhando uma faca, o Andarilho
desferiu-lhe um soco formidável. Em seguida, apoderando-se
de um saco vazio enfiou-o na cabeça do Desenhista,
amarrou-o, pulou a cerca e desapareceu. Os habitantes da redondeza
nunca mais viram qualquer dos dois.
Fazia dez dias que estava em Paris. A suave brisa, os exercícios,
e o sol haviam me restabelecido completamente das noites de
malandragem, e já principiava a achar aquela vida muito
monótona, quando um fato imprevisto aconteceu: encontrei
o Andarilho. Sim, o Andarilho, aqui em Paris. Achei-o sentado
na porta de um hotel de terceira classe. Ao passar por ele
fui reconhecido. Parei e o convidei a tomar uma bebida. Estava
com a esperança de saber algo sobre ele, pois me sentia
terrivelmente curioso...
Depois do quarto copo ele me contou que veio da Romênia
muito jovem. A princípio perambulou sem emprego e sem
dinheiro, mas logo arrumou um lugar de aprendiz de sapateiro.
Mais tarde montou oficina própria e exerceu profissão.
Os anos passaram, e aos poucos, cansado de bater solas todos
os dias, habituou-se a pensar na terra natal. Em seu coração
medrou o desejo de voltar à Romênia. Era sozinho.
Economizou avaramente.
Um dia percebeu que havia envelhecido e não podia
mais trabalhar. Saiu pelas ruas, esmolando. Continuou guardando
dinheiro até averiguar que tinha o suficiente para
a viagem e para viver em paz na sua aldeia. Veio a Paris para
embarcar.
Ele contou sua vida, sem pressa, pois não precisava
mais esmolar. Depois ficamos longo tempo em silêncio,
e, como nada mais tínhamos a dizer, partiu.
Meses depois encontrei o Andarilho numa rua movimentada.
Nada nele havia mudado, mas estendia a mão aos passantes,
e isto me surpreendeu. Acerquei-me dele, e indaguei porque
não havia partido. Oh! Aquele olhar morto. O brilho
juvenil de seus olhos tinha desaparecido. Todas as forças
de sua vitalidade, até as mais fortes, desapareceram.
Sua voz era cava, e olhou-me demoradamente sem me reconhecer.
Contou o que lhe sucedeu com dificuldade, como tentando
lembrar-se de algo muito remoto: "Uma noite, quando passeava
pelo cais, foi derrubado, por um homem alto, forte, que vestia
uma jaqueta plástica. Recebeu violenta pancada na cabeça
e desmaiou. Antes mesmo de despertar por completo, percebeu
que fora roubado. Nem se deu ao trabalho de procurar o bolso."
Enfiei-lhe uma nota qualquer na mão, e por um beco
misterioso vi desaparecer o homem que não tinha o vigor
do corpo, e que conservou durante muito tempo, a juventude
que o malandro roubou.
Nunca mais o encontrei, mas li nos jornais que ele tem ido
à delegacia em busca de notícias referentes
à captura do larápio. Os investigadores andam
procurando o homem da jaqueta plástica. Jamais o encontrarão.
Tive o cuidado de enterrá-la num lugar que ninguém
descobrirá.
Paris - Abril 1.968
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