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Nosso Boletim ficou fora de circulação por
algum tempo, conforme havíamos avisado, mas retorna
agora, em seu quarto ano de vida, com muitas novidades.
1.000.000 -- Um milhão de visitas: Durante
o mês de fevereiro último, nosso sítio
ultrapassou a marca de um milhão de visitas (total
desde sua criação). É o resultado de
muito trabalho, que celebramos com você assinante, e
com todos poetas, escritores, artistas, leitores e visitantes
que de alguma forma participaram de nosso espaço cultural.
Para ver as estatísticas consolidadas desde o início
de nosso sítio, incluindo relatórios oficiais
auditados, acesse:
http://www.casadacultura.org/apresentacao/estatisticas/Stats_Consolidadas_Visitas.html
Conto -- Contemplação: Para
esta primeira edição de nosso novo ciclo de
publicações, nada poderia haver de melhor que
esse premiadíssimo conto de Terezinha Pereira,
que conta a história de uma jovem que
vivia à beira-mar... de um encontro amoroso... da contemplação...
A autora, além de contista é tradutora, romancista
e colaboradora de diversos jornais:
[http://www.casadacultura.org/Literatura/Contos/gr2/contemplacao_terezinha.html]
Esculturas de Mauro Andriole: Esse excepcional
filósofo e artista plástico, mais uma vez nos
honra com uma exposição de suas obras, desta
vez em nossa seção de esculturas!
[http://www.casadacultura.org/arte/Escultura/Mauro_Andriole/mauro_andriole_idx.html]
Aguarde! CD de leitura de poesias exclusivo para
a Casa da Cultura: O poeta argentino Gito Minore
gravou exclusivamente para a Casa da Cultura o CD Para
sacarla adelante y otros poemas. Lectura para Casa da Cultura,
que será lançado na próxima edição
de nosso Boletim, dia 08 de março. São poesias
fortes, repletas de imagens, sugestões e emoções,
lidas em voz clara e natural por seu autor. Nada além
disso. Mas o resultado tem a simplicidade, a franqueza e o
impacto que apenas as grandes obras conseguem ter.
Um abraço fraternal,
Casa da Cultura
AJUDE A DIVULGAR A CASA DA CULTURA retransmitindo nossas comunicações
a seus amigos e conhecidos.
Obrigado.
Contemplação
Terezinha Pereira
Airosa e trigueira a Zoé. Vivia numa minúscula ilha lembrada
de Deus e esquecida do mundo, lá pros lados do nordeste. De
lá nunca havia saído. De limite conhecia o azul. Por cima,
o céu, que raras vezes se tornava cinzento. Caminhando,
que direção resolvesse tomar, ia dar no mar.
Nos pés costumava usar sandálias urdidas com a tala
das palmeiras que se desenvolviam na ilha com exuberância.
De roupa- o decote atrevido quase deixava desnudos os peitos
pequenos e duros- ou era uma túnica de croché que dava acima
dos joelhos, feita com o mesmo cordão cru com que teciam as
redes de pescar ou era uma túnica de tecido do algodão
branco, que chegava na barca grande quando o dono da
única venda do lugar mandava trazer. Quando homens, mulheres
e crianças já estavam com as roupas em trapos eram encomendadas
as peças do tecido de algodão que uniformizava os moradores.
Quem chegasse na ilha, coisa que quase nunca sucedia, veria
um bocado de pontos brancos se movimentando. Homens,
mulheres, crianças. Corpos morenos cobertos de branco
e pouco.
Dos dias, Zoé passava horas e horas amarrando cordão para
as redes de pescar. Desse ofício é que aprendeu a tecer as
túnicas de croché que ela e as outras mocinhas usavam para
cobrir o corpo. Até completar os treze anos ela misturava-se
com as outras garotas do lugar. Olhos de um verde amarelado,
cabelos lisos e escuros, sem trato, corpos esguios, braços
fortes que conheciam a força dos remos.
Quando a noite começava a se fechar sobre a ilha e as primeiras
estrelas piscavam ainda com timidez, ia se formando um
belo espetáculo repetido a todo chegar de noite, a que os
moradores, sem faltar um, nunca se cansavam de contemplar.
Era quando um vento ligeiro vindo do leste agitava com ternura
as folhas das palmeiras provocando uma suave murmúrio que
se misturava com o ruído das ondas do mar. Uma a uma, iam
as pessoas juntando-se em grupos, faziam fogueiras,
rodas de prosa e de cantigas. Falavam, riam, conversavam,
contavam histórias, cantavam. Outros iam para debaixo das
palmeiras mais escondidas e faziam amor no embalo das ondas
do mar, cobertos unicamente pelo véu da noite, negro e polvilhado
de brilhantes. Outros, crianças ainda, dando alegres
risadas, corriam atrás dos siris que procuravam se esconder
formando buracos na areia.
Quando inteirou seus treze anos, Zoé precisou rasgar um de
seus poucos vestidos de algodão branco para absorver seu sangue
de moça. E desde então, quando todos se reuniam na praia para,
mais uma vez, estarem presentes ao espetáculo do anoitecer,
ela passou a ficar só. Voz e olhar perdidos. Longe de todos,
olhos fitos no céu ou no mar, para ela o tempo carecia de
importância. Quando chegavam os dias de lua cheia, mais
cedo corria para a praia. Lá ficava enquanto durava
a lua no céu. Sozinha. Muda. Era como se esperasse por alguém
que nunca vinha. Todos já haviam se acostumado com aquela
solitude.
Então aconteceu uma noite sem lua, sem estrelas e de muitos
raios e trovões, na qual até o mar parecia haver perdido sua
serena intermitência. As palmeiras, movidas pelo vento forte
estavam todas viradas para o norte. A areia fina era levantada
em forma de redemoinhos. Sem preocupar-se com a tempestade,
Zoé cumpriu sua rotina de ir para a beira do mar. E enquanto
contemplava os raios que caiam na água como espadas de fogo,
num clarão avistou um barco sacolejando próximo às pedras.
Mesmo de longe ela soube que era barco estranho. Correu até
lá. Com seus dezessete anos de mar quase sempre calmo ou quase
nunca arrebatado, ela sabia como conter um barco desarranjado.
Num instante, ela o arrastou até a areia úmida e o amarrou
com destreza num dos paus que sustentava uma barraca de sapé.
Dentro do barco, deitado, não sabia ela se morto ou não, usando
apenas um calção preto, estava um homem diferente de todos
que ela já havia conhecido. Junto dele, agarrado que nem uma
criança, uma coisa grande, esquisita, que luzia como
ouro. Pulou para dentro da embarcação e verificou que o homem
respirava. E foi com o clarão dos raios que notou que ele
tinha pele clara, cabelos louros e longos, presos num
rabo de cavalo.
A chuva começou a cair com força. As ondas ficaram mais altas
e barulhentas. O vento parecia decidido a levar todas
as folhas das palmeiras. Zoé permaneceu olhando o desconhecido
com a mesma intensidade que costumava olhar o céu e o mar
no cair da noite. Acompanhou cada movimento de sua respiração
durante horas. Então, o vento calou, a água parou de
cair e o sol apontou no seu lugar de sempre, mostrando um
céu de um azul puro, lavado. Quando já não se via mais nenhum
barco na praia é que o homem acordou. Zoé nem acreditou quando
ele abriu os olhos e ela viu aquelas enormes bolas azuis.
Tentou falar alguma coisa, mas não conseguiu. Sentiu que era
encarada, primeiro com surpresa, depois como se fosse uma
peça rara. E foi com olhares que se entenderam. O homem não
compreendeu palavra alguma que a moça proferiu. E, quando
esse balbuciou alguma coisa foi a vez da moça ficar por compreender.
O sol foi chegando no meio do céu e os dois ainda se olhavam
imanizados. Quando veio a fome, Zoé foi com ligeireza a
seu barraco e pegou algo que os dois pudessem comer. Quando
acabaram de comer, o homem pegou o estranho objeto que luzia
no sol e tocou uma suave melodia, com os olhos fixos nos olhos
de Zoé. Depois tocou outra, mais outra, mais outra, sem
importar-se com as pessoas que chegavam e postavam-se
ao redor da barraca. Foi assim até o cair da noite, quando
mais um espetáculo desenhou-se na praia. No momento
em que o cansaço dominou os homens que estavam habituados
a buscar seu sustento aos primeiros sinais do nascer do dia,
mansos, um a um, foram saindo para suas casas,
acompanhados de suas mulheres, de suas crianças. E os dois
passaram o resto da noite como querendo absorverem-se
com o olhar.
Se ele havia chegado ali perdido, se procurava abrigo da
tempestade, ou se escondia-se de algo escabroso, ninguém
nunca soube. Fazia-se mudo que nem Zoé olhando a noite.
Sem incomodar pessoa alguma, foi ficando. Com a música
de seu saxofone contribuía para aumentar a magia do espetáculo
do anoitecer. Passou a usar as sandálias e a roupa branca
que a moça oferecera-lhe e com ela aprendeu a fazer redes
de pescar. Terminada a lida de cada dia, iam para a praia
e ficavam olhando-se fundo nos olhos. Ele tocava sua
música, e, no momento em que ficavam de novo completamente
sós, buscavam o abrigo das palmeiras para se abraçarem, numa
junção de corpos e olhares.
Ninguém sabe quanto durou. Se meses, se anos... Um
dia Zoé voltou a ficar sozinha olhando a noite depois que
o homem de cabelos longos e louros e olhos muito azuis
recolhia-se com seu instrumento, após encantar a todos
com suas melodias.
Aconteceu quando não era noite e nem ainda era dia. Uma fileira
de barcos na beira da praia já se movimentava em direção ao
trabalho no mar. O homem louro colocou seu calção preto, pegou
o objeto esquisito que luzia como ouro, arrastou o barco que
havia ali chegado numa noite de tempestade e partiu.
Dos dias, Zoé seguiu passando as horas fazendo redes de pescar.
Muda. Com os outros comunicando-se só com o olhar. E,
quando acontecia o anoitecer, ela se punha a olhar o céu e
o mar. Quem a via no seu silêncio, imaginava que estivesse
à espera de alguém que custa a chegar.
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