Jô Soares

 

Quem assistiu pela televisão à minha entrevista com o Jô, levada ao ar em 13/06/2003, dificilmente pode fazer idéia do que de fato se passou.

"Você estava bem à vontade," disseram uns amigos, "parecia em casa"...

"Sim," respondi eu, "à vontade como um matuto pisando pela primeira vez em São Paulo... Em casa como um peixe no deserto."

Definitivamente, aquela não é minha selva. Meu habitat é a quietude das bibliotecas, não o foco de câmaras em rede nacional; meu modo natural de expressão é a escrita, não a apresentação em carne e osso diante de uma platéia, em um programa de TV...

Mas, para minha sorte, aquela selva tem seu bwana, cacique, pai de santo, chefe, Inka, sheik, mestre, guru... e essa poderosa figura soube exatamente o que fazer quando as coisas começam a querer ir pro brejo...

De repente, lá estava eu, sério e sem graça, diante das câmaras. E, para piorar as coisas, logo antes de mim lá haviam estado dois famosos atores, Miguel Falabella e Cláudia Gimenez, em um clima super descontraído, arrancando gargalhadas do público...

O risco de catástrofe era iminente! Bastava o Jô agir comigo da mesma forma que tinha agido com os dois atores, fazer umas provocações, umas piadas... e pronto: eu teria ficado travado como gringo em escola de samba...

Mas só conhecendo de perto para entender quanta perspicácia e gentileza existem naquele gordo...

O contato inicial criou uma certa estranheza... ele não me conhecia, e mal sabia quem eu era... o dia havia sido extremamente atribulado para ele e sua produção ... Mas ele me fitou com aqueles olhos que não deixam escapar nada... E quando eu me dei conta a entrevista já tinha acabado, e eu tinha realmente me sentido em casa! como se tivesse estado com um velho amigo, conversando velhos assuntos...

Mas que meus outros velhos amigos não se enganem, e não pensem que eu tenha qualquer desenvoltura naquela selva... Se eu me senti em casa, foi porque o bwana de lá conseguiu, em um relance, perceber que tipo de pessoa eu era, e além disso teve a gentileza conduzir a entrevista de forma a evidenciar o que eu tenho de melhor...

E hoje eu entendo que é justamente aí que está toda a mágica do Programa do Jô... na sinergia entre ele e o entrevistado... na vivacidade da troca de palavras... nas tiradas inesperadas...

Hoje eu percebo que daqui a cem anos as pessoas ainda estarão assistindo tapes do Programa do Jô – da mesma forma que hoje assistimos tapes do programa do Grouxo Marx. Pouco importará quem tenha sido o entrevistado. As pessoas assistirão apenas para ver... o Jô; pois ele é uma figura única.

E eu, apesar de habitar um meio inteiramente distinto, fico muito feliz de ter participado com ele de um acontecimento tão importante.

Obrigado, Bwana Jô, pelo respeito com que você me tratou – e com que trata todos seus entrevistados – não um respeito burocrático ou hipócrita, mas respeito verdadeiro e vivo, o respeito de observar e compreender a pessoa diante de você e interagir com ela...

Obrigado, Bwana Jô, não apenas por ter me dado oportunidade de apresentar meus livros ao Brasil inteiro – também por isso – mas principalmente por sua perspicácia e gentileza ao me guiar por sua selva.

Beijo para o Gordo.

[Leia a divertida crônica que André Masini escreveu sobre essa entrevista]

[Veja as fotos dessa entrevista e a sinopse publicada pela Rede Globo]


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