As presentes definições de poesia foram tiradas
do Anexo 1 da transcrição da palestra "Poesia
e Tradução -- O papel e a importância da
métrica regular na poesia; a tradução da
poesia metrificada", proferida por André Carlos Salzano
Masini na Casa da Palavra de Santo
André, SP, no dia 27/06/2002. Elas não formam um artigo
por si próprias, mas consideramos bastante útil
colocá-las aqui, por trazerem uma importante contribuição
para o assunto deste conjunto de artigos.
1. Definição baseada no papel que as palavras têm
em um texto:
"Poesia é um texto em que o significante não existe
meramente à serviço do significado; onde significante e significado
funcionam juntos; e onde é este conjunto (e não apenas o significado)
que provoca sentimentos, impressões, emoções ou reflexões."
"Na poesia, cada palavra tem seu papel não apenas por
seu significado, mas por seu ritmo, pela sua sonoridade, pela
forma como se relaciona com as outras palavras, e, modernamente,
até mesmo pelo seu aspecto visual..." Essa definição
tem o mérito de deixar bem claro que poesia não é só significado.
Aliás, esse talvez seja o único ponto sobre o qual eu nunca
vi discordância por parte de poetas ou apreciadores de poesia.
Não importa o quão "poético" seja o conteúdo de
um texto, se o autor o escreveu preocupado apenas com o significado
– tendo apenas a sintaxe como guia – não é poesia! Se alguém
tem essa idéia de que o que realmente importa na poesia é
o significado e de que o resto – o ritmo, a métrica, a rima
– são detalhes, esta pessoa provavelmente teve pouco contato
com poesia, e a encara como se ela fosse uma espécie rebuscada
ou enfeitada de prosa. De vez em quando aparece alguém para
dizer algo como: "De poesia, eu gosto do significado."
Isso é mais ou menos como aquele americano que certa vez declarou
que "gostava ser goleiro porque adorava desarmar o adversário,
limpar a jogada e passar, e se possível sair driblando e marcar
o gol." O goleiro pode até fazer tudo isso, principalmente
se for o Highita da Colômbia, mas nós sabemos que a função
dele não é essa. A lógica de um texto não-poesia está na estrutura
sintática e no significado. A lógica da poesia vai além da
estrutura sintática e do significado. Vejamos:
Batatinha quando nasce
Lança as ramas pelo chão (ou, Se esparrama pelo
chão)
A menina quando dorme
Bota a mão no coração.
Muitas crianças gostam desta cantiga ou de outras pequenas
poesias infantis desse tipo. Gostam tanto, que muitas vezes
ficam a repeti-la dezenas de vezes. Qual a lógica da cantiga?
O significado? Pois então vejamos um texto com significado
similar:
Espinafrinho quando brota
Deixa sua raizinha debaixo da terra,
A menina quando dorme
Bota a mãozinha no coração.
Agora temos algo simplesmente horrível. Mas por quê? O significado
piorou tanto? Não. Então podemos perceber que a cantiga original
tem uma lógica própria, uma lógica que não vem do significado.
A poesia tem uma lógica própria, uma lógica além da sintaxe
e do significado.Voltando à definição, os problemas realmente
começam quando tentamos visualizar a linha divisória entre
o que é poesia e o que não é. Isso porque não é exclusivamente
na poesia que o significante recebe atenção. É fato reconhecido
que escritores de romances, contos e outros gêneros-não-poesia
levam em consideração não apenas o significado das palavras
mas seu ritmo, musicalidade e outras características. Eu posso
lhes garantir isso por experiência própria, pois eu mesmo
o faço. Não vou me aprofundar agora nesse ponto, pois o assunto
foge ao nosso objetivo. Mas a matéria merece atenção. O leitor
pode verificar por si mesmo como a mudança da posição de um
advérbio pode, sem alterar o significado, alterar o ritmo
do texto. O mesmo ocorre com a escolha de uma pontuação mais
interrompida ou mais solta, a escolha de uma conjunção ao
invés de outra de sentido próximo, ou outros infinitas escolhas
que o escritor tem à sua disposição. A mudança de ritmo, por
sua vez, altera o resultado final do texto.
2. Definição baseada apenas na forma:
"(...) quem toma (a poesia) externamente e, obedecendo
livremente à impressão de seu ouvido ou de sua vista, classifica
de poesia as formas de falar de aparência simétrica, e de
prosa as de aparência assimétrica, não anda muito desencaminhado.
Eu não saberia recomendar hoje em dia um procedimento mais
conveniente que este, empregado há milênios." (Karl Vossler,
Filosofía del Lenguaje, apud Massaud Moisés, A Criação Literária
- Poesia, Ed. Cultrix). Nessa definição existe quase que uma
equiparação da idéia de poesia com a idéia de verso. Existem
porém argumentos contrários a essa idéia de que qualquer verso
seja poesia. Conforme relata o próprio Massaud Moisés, já
na Grécia antiga Aristóteles afirmava que nem todo verso é
poesia: "Até mesmo quando um tratado de medicina ou ciência
natural é escrito em verso, habitualmente se dá o nome de
'poeta' ao autor, porém Homero e Empedocles nada têm em comum
além da métrica, e portanto seria correto chamar o primeiro
de poeta e o outro de cientista natural ao invés de poeta."
(traduzido a partir da tradução inglesa de S. H. Butcher,
The Internet Classics Archive - http://classics.mit.edu/Search/index.html).
3. Definição baseada em aspectos mais amplos do significado:
"A poesia é a arte de comunicar a emoção humana pelo
verbo musical", (René Waltz, apud Massaud Moisés, A Criação
Literária - Poesia, Ed. Cultrix). "A poesia é a expressão
natural dos mais violentos modos de emoção pessoal",
(J. Middleton Murry, apud Massaud Moisés, op. cit.) A poesia
é o "extravasar espontâneo de poderosos sentimentos",
(William Wordsworth, prefácio à segunda edição de Lyrical
Ballads, 1800).
4. Definição baseada nas funções da linguagem (Lingüística):
"O texto poético é, pois, aquele em que a função poética
se sobrepõe às demais e delas se destaca, sem eliminá-las."
Mário Laranjeira, Poética da Tradução, Ed. Edusp).
5 A definição de Frost:
O poeta americano Robert Frost (1874-1963), que escreveu
"The road not taken", define poesia como: "o
que ficou para trás na tradução". Ou seja, quando
houver dúvida sobre se um texto é ou não poesia, basta traduzir.
O que passou pela tradução é prosa, o que não pôde (e não
pode) ser traduzido é poesia. A primeira vez que eu vi essa
definição, eu achei muito bacana: "Poesia é o que não
pode ser traduzido". Os anos foram passando, e eu fui
continuando a achar a definição ótima: "Poesia é o que
não pode ser traduzido". Ai um dia eu resolvi que eu
queria ser "tradutor de poesia", e então a tal definição
passou a ser, no mínimo, um tanto contraditória...
mas que fazer?!