A MODERNIDADE
E A GRAMÁTICA
"Se desta frase conseguiria
palavras, que estivessem alguém as será fora de
lugar entendê-las?"
Antes que o leitor pense
que este articulista ficou definitivamente louco, permita-me adiantar
que a "frase" acima realmente não faz sentido algum; ela
aliás não é sequer uma frase, é apenas
um amontoado de palavras.
Se, porém, colocarmos
as mesmas palavras em uma ordem lógica, obteremos:
"Se as palavras desta frase
estivessem fora de lugar, será que alguém conseguiria
entendê-las?"
Sabem qual é a diferença
entre a primeira frase e a segunda? Apenas a gramática,
ou, mais especificamente, a sintaxe.
Através dessa experiência,
podemos perceber como a gramática é importante,
e o quanto absurda é a afirmação (muito em
moda atualmente) de que ela seja algo ultrapassado, algo
que não precisa mais ser ensinado nas escolas...
A gramática não
é (como querem alguns) uma série de regras inúteis
e gratuitas, criadas dentro de alguma academia mofenta, por algum
velho chato sem coisa melhor para fazer na vida. Gramática
não é burocracia. Gramática é, pura
e simplesmente, a alma viva (e lógica) da língua,
que foi desenvolvida naturalmente através dos milênios.
É a estrutura subjacente a tudo que é dito ou escrito,
a lógica essencial para que as palavras em conjunto possam
expressar um sentido.
Quando um traficante diz
para outro:
– Ô Magrão,
eu já levei o pó lá pro Barriga.
Ele está fazendo
uso da sintaxe (como todos nós sempre fazemos). É
unicamente através da sintaxe que o tal "Magrão"
compreende que (1) a frase é dirigida a ele; (2) que o
objeto de que se fala é "o pó"; e (3) que a pessoa
a quem o "pó" foi levado é "o Barriga".
Se o primeiro traficante
tivesse resolvido inventar sua própria sintaxe:
– Magrão, eu, Barriga,
o pó, ô, levei lá pro.
"Magrão" não
teria entendido nada.
Essa lógica essencial
da língua, a sintaxe, vem evoluindo não apenas há
milhares de anos, junto com a civilização humana,
mas há muito mais tempo, junto com a genética de
nossa espécie, pois – como demonstrou o lingüista
estadunidense Noam Chomsky – parte de nossa compreensão
da sintaxe é inata: já está impressa em nossos
cérebros quando nascemos.
É verdade que a
língua é viva e está em constante transformação;
mas tal transformação ocorre a partir da
herança milenar da língua, não a partir do
desprezo à mesma; e tal transformação ocorre
espontaneamente, não precisa de nenhuma "ajuda" de nenhum
teórico.
Por isso o estudo da gramática
não se contrapõe à língua viva. Abolir
aquele em nome desta é o mesmo que serrar as raízes
de uma árvore para "libertá-la". A árvore
simplesmente cairá e morrerá, e é isso que
estão fazendo com a língua portuguesa.
A língua viva não
tem dono: nem os teóricos da moda que querem "libertá-la",
nem nenhum gramatiqueiro presunçoso que pretenda criar
regras e rigores artificiais. Mas a língua viva tem sim
raízes, e são estas que lhe sustentam a vida.
É verdade, porém,
que existem problemas paralelos. Pois a língua, como tantas
coisas neste mundo, pode ser usada como instrumento de discriminação.
Por isso alguém teve a idéia: "se todos os modos
de falar fossem considerados equivalentes e igualmente corretos,
a discriminação através da língua
acabaria".
Mas a discriminação
não brota da busca por uma forma mais precisa de expressão.
Ela brota do sectarismo e do narcisismo humanos. Estes sim são
repulsivos, não a língua. Se nivelarmos a língua,
outros instrumentos de discriminação serão
criados no instante seguinte, como marcas de tênis ou outra
coisa qualquer...
Será então
que, em nome de um suposto combate à discriminação,
vale a pena degradarmos nossa língua – instrumento preciso,
criativo e realizador, fonte de todo raciocínio e, por
isso, fonte de libertação humana – para algo tosco
e ineficiente?
O professor "moderno",
que ao invés de análise sintática ensina
"interpretação de texto" está fazendo, inconscientemente,
o papel de um charlatão. Pois ele finge que seus alunos
estão realizando grandes feitos, analisando profundas filosofias,
mas na verdade os está condenando à eterna incapacidade
de se expressarem com eficiência. (Eu mesmo, se tivesse
sido vítima desse tipo de indulgência, não
sei o que teria sido de mim. Pois se na escola eu acreditasse
ter tamanho domínio da língua que não precisasse
mais estudá-la e pudesse desperdiçar minhas aulas
de português na leitura de sociologias e filosofias, eu
certamente não teria tido o estímulo de que precisei
para estudar nossa língua e não teria feito o enorme
esforço de que precisei, e ainda preciso, para superar
minhas dificuldades com ela.)
Na semana que vem nós
veremos os resultados práticos desse "ensino moderno":
jornalistas importantes que escrevem uma língua bizarra,
cometendo erros que nenhum analfabeto jamais cometeria.
Continua
na semana que vem...
André
C S Masini
O autor é
Auditor Fiscal da Receita Federal e Escritor
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