O ACASO E O DESTINO
Certas vezes eu me ponho
a pensar sobre essa intricada e incompreensível trama que
é nossa vida... e me pergunto se por detrás dela
não existe algum tipo de ordem ou razão...
Minha formação
original são as ciências naturais; e minha tendência
espontânea é a de acreditar que as únicas
razões ou ordem que existem são as leis da física,
da química, da biologia... e que tudo o mais são
coincidências ou brincadeiras do acaso.
Mas que pensar das vastas
regiões que se escondem além do horizonte da ciência?
É certo que não podemos conhecê-las, mas às
vezes... certos vislumbres...
Eu contarei aqui uma história
que aconteceu comigo... (nada de grandioso; é uma história
simples, quase ingênua... ) Contarei sem pretensão
de tirar conclusões. Deixo-as para o leitor.
Quando cheguei ao Paraná,
em dezembro de 1997, eu atravessava um desses momentos difíceis
da vida. Acabara de me separar da mulher com quem vivera por 8
anos, e estava indo tomar posse (como Fiscal da Receita Federal)
em uma pequena cidade agrícola de população
predominantemente masculina, onde todas as mulheres entre 18 e
80 (temia eu) seriam casadas ou freiras.
Após ter passado
uma semana aqui em Cascavel para conhecer a Delegacia da Receita,
eu, muito a contragosto, arrumava as malas para partir para a
tal cidadezinha. Era uma triste tarde de domingo, e, olhando pela
janela do quarto de hotel, comecei a fazer um balanço de
minha vida: Materialmente, eu agora tinha a estabilidade do emprego
público... Mas isso era meu único consolo... Uma
mulher com quem eu pudesse me entender, parecia algo remoto...
O sonho de editar meus livros, mais remoto ainda...
Se lá em São
Paulo, perto de todas as editoras, e distribuidoras, e feiras,
e tudo mais... com amigos na imprensa e entidades culturais, eu
em vinte anos não havia conseguido nada!... que poderia
eu esperar de agora em diante?
Pensei na minha coleção
de cartas de recusa de editoras... Pensei nas escolhas que eu
tinha feito na vida... Não teria sido melhor ter ficado
na Itália em 1986? ter feito doutorado, permanecido geólogo
e esquecido o sonho de escrever?
Quantas portas já
se haviam fechado!
Então uma frase
amarga se formou em minha mente:
"Isso não foi
o que eu planejei para mim!"
Tendo acabado de juntar
as roupas espalhadas pelo quarto, eu agora catava os apetrechos
do banheiro. Então vi que o sabonete, dentro do boxe, estava
molhado...
"Como vou levar isso?"
Procurei na mala por algum
pedaço de plástico para enrolá-lo. Mas não
encontrei nenhum. Então, não sei por que motivo,
veio-me à mente a imagem da pequena cômoda da ante-sala,
junto à porta de entrada:
"Talvez alguém
tenha deixado um saco plástico lá, em uma das gavetas..."
pensei.
Sempre cabisbaixo, caminhei
até a cômoda e abri a primeira gaveta. Estava vazia.
Meus pensamentos divagavam
longe. Que sonhos ainda me restavam?
A segunda gaveta também
estava vazia.
"Isso não foi
o que eu planejei!" A amarga frase ocupava minha mente como
um gigantesco outdoor, quando eu abri a terceira e última
gaveta.
E lá havia... uma
saboneteira! (Isso não foi o que eu planejei!)
Uma saboneteira amarela, vazia... como se tivesse sempre estado
lá, esperando por mim, esperando por aquele momento.
Tive a fortíssima
sensação de que a vida queria me dizer algo:
– Por que você
quer controlar tudo? ... eu posso lhe oferecer algo melhor do
que aquilo que você próprio planejou... Você
sabe tão pouco...
Depois disso, muita coisa
aconteceu. Voltei para Cascavel. Fiquei gravemente doente e me
curei. Passei dias difíceis. Mas aqui, de algum modo, eu
acabei compreendendo que meu caminho seria fazer edições
independentes de meus trabalhos. Hoje tenho esta coluna, dois
livros publicados, e a cada dia alcanço novos leitores.
Aqui conheci minha mulher, Elizangela, e ganhei minha filha, Talita,
os dois maiores presentes que a vida já me deu... Aqui...
onde eu não planejei.
Coincidência?
Sinceramente, eu não
sei.
Mas, afinal, de que adiantaria
saber? ("Nós sabemos tão pouco...") Se
existe uma tal ordem, a única coisa certa é que
nenhum de nós pode compreendê-la ou controlá-la.
Coisas ruins e boas acontecem... por acaso. Mas acaso talvez seja
apenas o nome dos motivos que estão muito além do
que alcançamos compreender, e do que jamais alcançaremos.
Continua na próxima semana... |