A HISTÓRIA DO ÉTER
Publicado
Originalmente como Anexo de "Humanos"
a obra de Ficção Científica de André
C S Masini
O
éter – termo considerado obsoleto para a física dos dias de
hoje – fez parte de alguns dos mais interessantes episódios
e discussões de toda a história da ciência. Ele vem da antigüidade:
já estava presente nos primeiros modelos de céu que os filósofos
gregos conceberam. Depois, através dos séculos, podemos encontrá-lo
em meio a outros problemas científicos, a uma riqueza de idéias
e questões que poucas outras palavras chegaram a propiciar.
No
presente trabalho, o leitor encontrará a narração desses episódios
e a descrição dessas idéias. Além disso, através de explicações
e analogias, o texto torna transparente e desfaz a enorme confusão
que tem envolvido a palavra éter desde a publicação da Teoria
da Relatividade Restrita; confusão que persiste até hoje e que
tem desorientado muita gente.
Conforme
formos acompanhando a história do éter, veremos desfilar diante
de nossos olhos a própria história da ciência. Primeiro a história
do céu; entendendo por céu não o cosmo vastíssimo
– com suas galáxias a bilhões de anos luz de distância – que
hoje se mostra a nós através do Telescópio Espacial Hubble e
outros instrumentos, mas apenas o espetáculo que podemos observar
com nossos próprios olhos, em uma noite límpida, longe das luzes
das cidades: as estrelas, e os planetas a passear entre
elas, seguindo sempre o mesmo e estreito caminho chamado eclíptica.
(Para ver o movimento dos planetas é necessário mais de uma
noite; no caso de Júpiter e Saturno, várias.) Vamos verificar
como, na história do conhecimento do céu, a primeira conquista
foi a correta descrição da geometria e dos movimentos do sistema
solar (Aristarco, Copérnico e Kepler), depois como esta
levou a uma compreensão mecânica das forças envolvidas e a um
modelo dinâmico do céu (Kepler, Galileu e Newton).
Assim,
imperceptivelmente, passamos do céu à mecânica; depois à luz
e ao eletromagnetismo, à relatividade e à mecânica quântica,
chegando até os dias de hoje. A narrativa segue linearmente
o desenrolar da história do éter, sem se preocupar com referências
a humanos. Não obstante, no final, fica claro que a forma
como éter é utilizado no livro sugere um sentido que
não corresponde a qualquer acepção científica que o termo jamais
tenha tido.
Comecemos,
então, do início:
A
palavra éter vem do grego aithér, e sua utilização
remonta, no mínimo, ao período pré-socrático. Uma das acepções
mais antigas do termo é a de Anaxágoras de Clazômenas,
do século V A. C. Esse filósofo propôs que o mundo que conhecemos
teria surgido a partir de um caos inicial onde tudo estaria
misturado. Em seu modelo, um vórtice teria começado a
separar as coisas, inicialmente em duas grandes massas: o ar
(que consistiria em coisas densas, frias e úmidas) e o aithér
(coisas rarefeitas, quentes e secas). O aithér teria
ocupado os lugares externos e o ar os lugares internos.
Então, a partir do ar se teriam diferenciado as nuvens,
água, terra e pedras. Autores conceituados acreditam que esse
aithér de Anaxágoras tenha um significado bastante
próximo ao de fogo; não obstante, o Cambridge Dictionary
of Philosophy interpreta a palavra como o ar brilhante superior;
sentido que lhe dariam os filósofos gregos posteriores.
Este
sentido de ar brilhante superior pode ser claramente
visualizado e compreendido ao examinarmos a maioria dos modelos
astronômicos desenvolvidos no século IV A. C., época de Platão
e Aristóteles. Segundo esses modelos, de um modo geral,
as estrelas estariam fixas em uma esfera celeste distante, que
giraria em torno da Terra a cada vinte e quatro horas; e o Sol,
a Lua e os planetas se moveriam no aithér, entre a Terra
e as estrelas. (Essa também é a acepção que nos oferece o Aurélio,
ao dar a etimologia de éter: aithér, do grego,
significaria região superior dos ares, e aether, do
latim, ar sutil ou céu.)
Mas
por que os gregos imaginaram a existência do éter? Não
existe uma resposta completa, mas certamente é possível identificar
alguns fatores que contribuíram para isso. É óbvio que nenhum
homem da antigüidade pôde pegar um foguete, sair da atmosfera
e constatar diretamente a existência do vácuo. Pelo contrário,
a experiência de viver continuamente sob a atmosfera terrestre
levava-os a acreditar que o vácuo não existia. Na natureza,
um espaço desocupado por uma substância acaba sempre ocupado
por outra (e.g. uma urna cuja água é retirada, acaba preenchida
por ar), de forma que não existe espaço vazio. A natureza
abomina o vácuo, escreveu Aristóteles; um pensamento
que, sob o contexto da atmosfera terrestre, é bastante verdadeiro.
Pois
bem, havia esses “corpos” que se moviam pelo céu, que ninguém
sabia exatamente o que eram, nem quão distantes estavam, nem
muito menos por que se moviam... Me parece natural supor que
os antigos imaginassem que esses planetas estivessem imersos
em algum tipo de substância (assim como tudo aqui na Terra está).
Mais estranho seria supor que eles tivessem imaginado, através
de uma surpreendente intuição, a existência do vácuo (apesar
de que, entre os gregos, tais intuições eram possíveis e muitas
vezes aconteciam).
Acima
de tudo, não havia motivo para se imaginar que “acima”
da atmosfera havia vácuo e não algum tipo de ar ou outra substância.
Tal motivo só apareceria no século XVII, conforme veremos adiante...
Voltando
à história, modelos de céu similares ao de Aristóteles,
com a Terra no centro de tudo, foram defendidos pela maioria
dos filósofos da antigüidade. Houve diferenças entre as propostas
de um filósofo ou outro – como, por exemplo, um maior ou menor
número de esferas concêntricas e transparentes, às quais os
diversos astros estariam fixados, e que girariam a diferentes
velocidades – houve também notáveis trabalhos de observação,
destacando-se acima de todos o catálogo de estrelas de Hiparco
(século II A. C.); mas a essência dos modelos permaneceu a mesma:
a Terra no centro e explicações cada vez mais complexas para
justificar as trajetórias observadas dos planetas contra o fundo
de estrelas.
Foi
esse acervo de conhecimento que foi sintetizado por Ptolomeu
no século II d. C., e que, conforme veremos adiante, acabou
divulgado para o mundo inteiro.
Também
da antigüidade vem a noção de que é a Terra que gira em torno
do Sol. Aristarco de Samos, no século III A. C., numa
dessas admiráveis demonstrações do raciocínio e intuição dos
gregos, chegou a um modelo muito similar ao que hoje sabemos
correto, com o Sol ocupando o centro do universo, a Terra e
todos os planetas girando em torno dele, e as estrelas permanecendo
fixas em uma esfera extremamente distante. Esse modelo teve
pouquíssimos defensores na época, Seleuco da Babilônia
(século II A. C.) foi um deles. Depois essa idéia caiu no esquecimento,
e foram necessários quase dois mil anos até que Copérnico
viesse a lhe dar novo alento.
No
século II de nossa era, viveu o astrônomo, geógrafo e matemático,
Cláudio Ptolomeu, sobre o qual não se tem nenhuma informação
biográfica, mas cuja obra, o Almagesto, influenciou o
mundo e escorou a idéia geocêntrica até meados do século XVII.
(A palavra Almajisti surgiu por influência de astrônomos
árabes do século IX, que adicionaram o artigo definido árabe
al ao superlativo grego Megiste. Antes disso,
a obra era conhecida como Ho megas astronomos – O grande
astrônomo, mas, na verdade, o título original foi He mathematike
syntaxis.)
O
grande mérito do Almagesto – e sem dúvida a razão da
profunda influência que causou – foi sua natureza enciclopédica.
Como já dissemos, a obra sintetizou os resultados de toda a
astronomia grega. Ela inclui os trabalhos de Hiparco
(provavelmente o maior astrônomo da antigüidade) e constitui
a principal fonte de informações sobre este. Às 850 estrelas
catalogadas por Hiparco, Ptolomeu acrescentou 172, chegando
à um total de 1022.
O
modelo “de Ptolomeu” posicionava a Terra no centro do
Universo, estática, com todos os outros astros circulando em
volta dela, na seguinte ordem: Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte,
Júpiter e Saturno. Este sistema conseguia justificar em parte
a irregularidade dos movimentos dos planetas (com seus ocasionais
movimentos retrógrados, que são causados na verdade pelo movimento
orbital da Terra), através de um engenhoso mecanismo hipotético:
os planetas não orbitariam diretamente a terra (não estariam
diretamente ligados às grandes esferas concêntricas que
girariam em torno da terra – chamadas deferents ou vias
de condução); os planetas orbitariam pequenos círculos (chamados
epiciclos), e seriam os centros desses epiciclos
que estariam ligados às grandes esferas. Assim, conforme
o planeta girasse em torno do imaginário centro de seu epiciclo,
ele poderia descrever, contra o fundo de estrelas, os movimentos
retrógrados que podemos observar em certas ocasiões. (Podemos
sem muita dificuldade constatar tais movimentos com nossos próprios
olhos, ao observarmos os planetas exteriores, por diversas noites
seguidas, quando estão alinhados com a terra.).
Porém
o modelo de Ptolomeu (e agora falamos da parte que efetivamente
pode ser atribuída a Ptolomeu) foi mais além. Ele introduziu
uma terceira ordem de epiciclos (ou epiciclo do
epiciclo), de forma que o planeta giraria em torno de
um centro invisível, que por sua vez giraria em torno de um
segundo centro invisível, que finalmente giraria em torno da
Terra. Mas nem assim os movimentos celestes conseguiram ser
plenamente justificados. Então Ptolomeu criou mais um
conceito, segundo o qual o centro das grandes esferas (ou
deferents) não estaria localizado exatamente na Terra...
E
assim seguia o modelo ptolomaico, sempre mais e mais complexo,
mas sem nunca conseguir explicar o que se via no céu.
Esse
modelo sobreviveu à antigüidade, viu a queda do Império Romano
do Ocidente, avançou através da idade média, passou pelo renascimento,
assistiu à Reforma, e, somente em 1543 (dois anos antes do início
do Concílio de Trento, que unificou a Contra-Reforma), veio
a receber o primeiro golpe da série que traria seu fim.
Em
março de 1543 foi publicado o livro de Copérnico, The
Revolutionibus Orbium Coelestium, sustentando que é a Terra
que gira em torno do Sol, e não o contrário. Mas o assunto estava
bem longe de ser encerrado, e o Sol ainda teria que esperar
muitas décadas até que a humanidade o colocasse em seu devido
lugar.
Mais
de meio século depois da morte de Copérnico, no dia 17
de fevereiro de 1600, em uma praça de Roma chamada Campo de
Fiori, o poeta, livre pensador, filósofo e defensor do sistema
heliocêntrico Giordano Bruno foi queimado vivo nas fogueiras
da Igreja Católica. Ainda trinta e três anos depois dessa execução,
Galileu Galilei – que formulou a lei da inércia e descobriu
as luas de Júpiter – seria julgado e ameaçado com as chamas
das mesmas fogueiras. Diante do calor destas, ele acabou renunciando
publicamente seu apoio às idéias de Copérnico e recebeu
em troca o benefício da pena de prisão perpétua. Assim, no início
do séc. XVII, o sistema de Ptolomeu continuava a ser
ensinado nas classes das universidades; e somente em círculos
reservados a comparação entre esse sistema e o de Copérnico
ocupava mentes e suscitava discussões.
No
mesmo ano de 1600, na cidade de Praga, a cerca de mil quilômetros
da praça onde Giordano Bruno perdia sua vida, o matemático
e astrônomo alemão Johannes Kepler iniciava seus trabalhos
como assistente do astrônomo Tycho Brahe. Kepler viria
a utilizar os extensos dados das observações realizadas por
Brahe (que morreria em 1601) sobre a posição e movimento dos
planetas, e em 1609 publicaria suas duas primeiras leis: (1)
As órbitas dos planetas são elipses, com o Sol ocupando um
dos focos. (2) A linha que liga o planeta ao Sol varre
áreas iguais em tempos iguais, conforme o planeta se move através
da elipse. Era uma descrição muito mais precisa do que tudo
que fora conseguido até então; admiravelmente precisa, se considerarmos
que foi elaborada em um mundo que ainda teimava em acreditar
no sistema geocêntrico. A terceira lei seria publicada em 1619:
(3) A razão dos quadrados dos períodos de revolução para
dois planetas é igual à razão dos cubos dos semi-eixos maiores
de suas órbitas.
Assim,
uma perfeita descrição da geometria e dos movimentos do sistema
solar havia sido alcançada.
Esta
nova compreensão não teve nenhum efeito direto sobre o éter
que continuava sobrevivendo tranqüilo, do jeito os gregos o
haviam criado: uma substância de densidade menor do que a do
ar, que ocupava os espaços superiores (distantes da superfície
terrestre). O mundo já sabia como os planetas se moviam
(descrição), mas ainda não sabia por quê (causa, mecanismo).
E, assim, ainda não havia surgido nenhum argumento contrário
à idéia de que os planetas estivessem imersos no éter e de que
através dele realizassem seu movimento orbital, exatamente da
forma descrita por Kepler.
Indiretamente,
porém, a compreensão do movimento dos astros teria profundas
conseqüências sobre o éter.
As
implicações teológicas do sistema heliocêntrico, por terem levado
a igreja católica a combatê-lo e a dificultar sua aceitação,
são um fato histórico bastante conhecido. Mas as implicações
filosóficas e científicas do trabalho de Kepler vão muito
além disso. A perfeita compreensão das órbitas dos planetas
abriria o caminho para a síntese das três leis do movimento,
para formulação da lei da gravitação universal, e (o que é mais
importante para nós) para unificação da mecânica com a astronomia,
ou seja, a compreensão da mecânica celeste. Esta compreensão
traria, conforme veremos adiante, um novo e importantíssimo
personagem à história do céu: o vácuo, por onde se movem os
planetas. E o vácuo significaria o fim do antigo éter, do éter
que os gregos haviam criado. Mas vamos com calma, que logo chegaremos
lá.
Voltando
à história, Kepler não se preocupou apenas com a descrição
dos movimentos. Ele se questionou sobre o motivo de os planetas
mais externos se moverem mais lentamente e levantou (já em 1597)
a possibilidade de que houvesse apenas uma alma motora no
centro de todas as órbitas, que é o Sol, que movimenta o planeta
mais vigorosamente quanto mais próximo ele estiver, mas cuja
força está quase exaurida quando age sobre os planetas externos,
devido à longa distância e ao debilitamento da força que ele
impõe. Mais tarde ele diria que esta força diminui proporcionalmente
à distância, da mesma forma que a luz do Sol diminui proporcionalmente
à distância do Sol. Ainda mais tarde, ele escreveu: Meu
objetivo é provar que o máquina celeste não é um tipo de ser
vivo divino, mas sim um tipo de mecanismo de relógio, ao ponto
de quase todos os movimentos serem causados por uma força das
mais simples. Além disso, Kepler compreendeu que as marés
eram causadas pela atração da Lua e ponderou que se a força
da Lua chega até a Terra, consequentemente a força da Terra
deve chegar até à Lua e ainda mais longe. Ele escreveu, de forma
ainda mais explícita, sobre a gravidade: Se duas pedras fossem
colocadas no espaço, uma próxima da outra, fora do alcance da
força (de outros corpos), então elas se juntariam... em um ponto
intermediário, cada uma se aproximando da outra na proporção
da massa da outra. Não é difícil ver como esses pensamentos
já apontavam na direção gravitação universal, questão que algumas
décadas após a morte de Kepler (que ocorreu em 1630)
receberia a atenção não apenas de Newton e Hooke,
mas de muitos outros cientistas.
Claro
que, partindo dessa força motora de Kepler (e
de suas leis segunda e terceira, que mostravam que os planetas
se moviam mais rápido quando estavam mais próximos do Sol),
restava ainda um longo caminho até se chegar à Lei da Gravitação
Universal. O passo mais importante desse caminho foi a compreensão
da mecânica do movimento circular. Como sabemos, os planetas
se movem não porque alguma força os impulsiona, mas sim porque
preservam (por inércia) o movimento que já tinham quando se
formaram (o movimento, em outras palavras, que possuíam as partículas
que os formaram). A força da gravidade do Sol apenas faz com
que os planetas se mantenham em suas órbitas elípticas, ao invés
de partirem para o espaço em linha reta, para nunca mais voltar;
a gravidade do Sol é a força centrípeta do movimento circular
(estudado por Newton). Assim, verificamos que a velocidade
da órbita (que Kepler observou) não é uma proporção direta
da intensidade da força da gravidade do Sol, mas sim uma relação
mais complexa: a intensidade da aceleração da gravidade do
sol sobre o planeta é igual ao quadrado da velocidade do mesmo
dividido pelo raio de sua órbita.
Newton
percorreu esse caminho, mas não sozinho. Robert Hooke
(com quem teve sérias desavenças) publicou em 1674 uma teoria
conceitualmente correta do movimento planetário, baseada na
inércia e no equilíbrio entre duas forças: a centrífuga de um
lado e a atração gravitacional em direção ao Sol de outro. O
mesmo Hooke, em 1679, escreveu uma carta a Newton
propondo que a atração gravitacional seria sempre inversamente
proporcional ao quadrado da distância. Faltou a Hooke,
porém, a habilidade matemática para dar uma exata expressão
quantitativa a ambas proposições. Newton também recebeu
apoio e sugestões de Edmond Halley. Na verdade, a idéia
da gravidade era um tópico comum por volta de 1679, e cada um
desses três cientistas, além de outros, trabalhou com o conceito.
Mas, no fim, foi Newton que formulou a Lei da Gravitação
Universal: matéria atrai matéria, pela razão direta das massas
e razão inversa do quadrado das distâncias, publicada em
sua célebre obra Principia, de 1687.
Principia
conseguiu estabelecer a mecânica de funcionamento do sistema
solar (o mecanismo de relógio que Kepler buscava) valendo-se
não apenas da Lei da Gravitação mas também das Três Leis do
Movimento: (1) (Esta lei, chamada freqüentemente de Primeira
Lei de Newton, é na verdade a Lei da Inércia de Galileu)
Um objeto em estado de movimento possui uma inércia que o
obriga a continuar nesse estado de movimento a não ser que uma
força externa haja sobre ele. (2) A relação entre a massa
de um objeto m, sua aceleração a,
e a força aplicada F é: F = m.a . Nesta
lei, a direção do vetor força é a mesma do vetor aceleração.
(3) Toda ação gera uma reação de mesma intensidade e em sentido
contrário.
O
modelo de Newton traz finalmente à luz o fator que estávamos
esperando: o vácuo. Em nossa breve história do céu, podemos
verificar que, por mais diversos que tenham sido os modelos
até então apresentados, nenhum deles reclamava a existência
de um espaço vazio, ou vácuo, entre os corpos celestes!
Se
os planetas se mantém em órbita do Sol apenas pela inércia,
então nenhum tipo de atrito pode ser admitido*, pois, se houvesse
atrito, os planetas desacelerariam e acabariam por cair em direção
ao Sol. Se não há atrito, então não há matéria. E assim surgiu
o vácuo: uma dedução apenas mecânica, consistente com a dinâmica
do movimento dos planetas. Nesse sentido o vácuo era indiscutivelmente
correto, e permanece inquestionável até hoje. [* A possibilidade
de um arrasto mínimo nunca foi descartada. Houve inclusive,
na segunda metade do século XIX, tentativas de medir este arrasto,
conforme veremos adiante ao estudarmos Maxwell.]
Então
os planetas se moviam através vácuo! e não do éter! Era o fim
do éter antigo, aquela suposta substância menos densa
do que o ar, que preencheria os espaços superiores! Daquele
éter que existira no mínimo desde de Anaxágoras, no
século V A. C., que fora defendido por Aristóteles e
pelos diversos filósofos do século IV A. C., que sobrevivera
dois mil anos, que chegara praticamente intacto ao século XVII,
e que encontrara em Descartes (1596-1650) um de seus
últimos defensores.
Descartes
utilizou o termo éter de forma muito similar à dos gregos.
O filósofo francês, como Aristóteles, não acreditava
na existência do vácuo (A natureza abomina o vácuo...
Lembra-se o leitor desta frase de Aristóteles?). Descartes
concebia o éter como uma substância que, na ausência
de outras, preencheria todos os espaços. É curiosa esta semelhança
de pensamento entre Descartes e Aristóteles, cuja
proposta filosófica do conhecimento o francês combateu e ajudou
a tornar ultrapassada.
A
história do éter na época de Descartes tende a
ser obscurecida pela maior importância dos acontecimentos posteriores
(do século XIX). Provavelmente por isso, certas pessoas ficam
admiradas ao saber que os conceitos de éter da metade
do século XVII eram ainda muito similares aos da antigüidade,
que o éter dessa época era realmente uma substância que
se opunha ao vácuo.
Uma
obra que ilustra claramente essa dicotomia éter x vácuo
é The Sceptical Chemist, publicado por Boyle
em 1661. Nela, entre muitos outros assuntos, o naturalista inglês
argumenta contra a idéia do éter, por não haver encontrado
evidência experimental de sua existência, e defende a idéia
do vácuo, cuja existência havia sido indicada por muitas de
suas experiências.
Essa
discussão acabou quando Newton possibilitou que o vácuo
ocupasse os céus, expulsando o éter... Nesse momento,
se o éter, nosso personagem principal, tivesse temperamento
rígido e insistisse em manter sua personalidade original inalterada,
teria desaparecido para sempre. Mas, muito longe disso, ele
tem a flexibilidade e a perseverança de certas pessoas, que,
após o desastre, mudam de cara e retornam à cena. Assim, a saga
de nosso éter estava na verdade apenas começando; seus
anos de glória ainda estavam por vir.
Voltando
à história, o vácuo, que dera fim ao antigo éter, trouxera
um problema adicional: como a luz conseguia atravessá-lo? Como
ela fazia para chegar do sol até a Terra? ou das estrelas até
a Terra?
Na
verdade, isso não era bem um problema. Não ainda. Como no final
do século XVII ninguém ainda sabia exatamente o que era a luz
(apesar de todos terem opiniões a respeito), poucos estavam
preocupados em com a questão de como ela fazia para atravessar
o vácuo (Hooke e Huygens eram honrosas exceções). [Se eu adiantasse
para o leitor que a resposta para esse problema (que ainda não
era problema) viria a ser o novo éter, talvez ele achasse
cômico. Mas tenhamos um pouco de paciência, e chegaremos lá.]
Coincidentemente
ou não, Newton, que dera o impulso decisivo para
o vácuo ocupar todo o espaço, acreditava que a luz (artigo publicado
em 1672, quinze anos antes de Principia) era constituída
por um feixe de partículas, que, como tal, poderia atravessar
o vácuo sem qualquer dificuldade.
E
aqui chegamos ao debate sobre a natureza da luz, que se iniciou
no século XVII e só foi resolvido no século XIX*: A luz é partícula
ou onda? [*No século XX esse debate ressurgiria, com características
inteiramente distintas, conforme veremos adiante.]
Poucas
coisas da natureza conseguem ser mais diferentes entre si do
que uma partícula e uma onda: Ondas podem se propagar umas através
das outras, partículas não. Partículas transferem matéria ao
longo de seu percurso, ondas não. Ondas podem atravessar orifícios
ou vãos menores do que elas próprias, partículas não. Acima
de tudo, partículas, como qualquer massa, não precisam de um
meio para se “locomover”: De acordo com a Lei da Inércia, uma
massa em movimento continuará nesse movimento até que uma força
aja sobre ela; e, assim, uma massa não apenas pode atravessar
o vácuo absoluto, como terá mais facilidade para fazê-lo do
que para atravessar qualquer meio existente. Uma onda, pelo
contrário, necessita absolutamente de um meio de propagação:
as ondas mecânicas que vemos na superfície de um lago, ou as
que sentimos sob os pés ao marchar sobre uma pequena ponte,
ou as ondas sonoras no ar, todas se propagam através de um meio
definido.
Assim,
se a luz fosse efetivamente um feixe de partículas (como acreditava
Newton), sua propagação pelo vácuo espacial não representaria
nenhum problema; e a palavra éter teria sido esquecida, como
tantas outras palavras gregas, sem nunca chegar a ter a importância
que teve. Mas a luz não se deixaria elucidar assim tão facilmente;
sua natureza ondulatória já havia sido sugerida por diversos
experimentos e já possuía fortes defensores, entre eles Robert
Hooke e Christian Huygens.
Robert
Hooke, mais conhecido por sua lei sobre elasticidade [Lei
de Hooke: para pequenas deformações, a intensidade da força
(ou carga) é proporcional à deformação], já havia descoberto
dois fenômenos que indicavam a natureza ondulatória da luz:
um deles foi interferência (descoberta também, independentemente,
por Robert Boyle) o outro foi a difração. Ele já havia
efetivamente sugerido, em sua Micrografia (1665), uma
teoria ondulatória para a luz; e, em 1672, havia proposto que
a direção de vibração fosse perpendicular à direção de propagação.
Então
chegamos à grande questão: se a luz não era um feixe de partículas,
como propunha Newton, mas sim uma onda, como propunha
Hooke, como podia ela atravessar o vácuo entre o Sol
e a Terra? E a resposta, como o leitor já deve estar imaginando,
era: o éter.
A
idéia básica de éter era simples: O vácuo, o espaço entre O
Sol e os Planetas, não seria um vazio absoluto, mas estaria
inteiramente preenchido por uma substância transparente,
sem peso, que não causaria atrito aos corpos que viajassem através
dela, indetectável por meios químicos ou físicos, e elástica.
Esta substância seria o éter: o meio elástico
através do qual a luz se propaga. Para sermos
mais precisos, é importante ressaltar que o éter não
era admitido apenas no vácuo, mas universalmente, tanto no vácuo
como permeando toda a matéria que existe. Conforme veremos adiante,
havia fortíssimos motivos para imaginá-lo assim.
Essa
é a idéia do (novo) éter que surgiu a partir da segunda
metade do século XVII.
Ao
lado de Hooke, outro defensor da natureza ondulatória
da luz foi o cientista holandês Christiaan Huygens (1629-1695).
Huygens explicou a refração e a reflexão através do princípio
atualmente conhecido como Princípio de Huygens: Na propagação
destas ondas, cada partícula do éter não só transmite o seu
movimento à partícula seguinte, ao longo da reta que parte do
ponto luminoso, mas também a todas as partículas que a rodeiam
e que se opõem ao movimento. O resultado é uma onda em torno
de cada partícula e que a tem como centro (Publicado em
1690 em seu Tratado da Luz). Assim, a luz se propagaria
através do éter como uma série de ondas de choque, e cada ponto
da frente de onda atuaria como uma nova fonte, gerando uma nova
frente de onda esférica. Huygens foi também um dos primeiros
a acreditar que a velocidade da luz não fosse infinita.
Nesta
altura, já é bastante claro o contraste entre as idéias de Newton,
por um lado, e Hooke e Huygens, por outro, com
relação à natureza da luz. Essa diferença de concepção leva
certas pessoas até hoje a crer erroneamente que Newton
opunha-se à idéia de éter. Para evitar confusões, é necessário
esclarecer bem de qual éter se está falando.
De
fato, Newton decretou – através do estabelecimento do
vácuo espacial – o fim do antigo conceito de éter, aquele
que, nas concepções de Descartes e Boyle, se opunha
ao vácuo. Porém, com relação ao éter de Hooke
e Huygens, a posição de Newton não é nem um pouco
clara.
Como
já sabemos, Newton não necessitava de um éter
para explicar a propagação da luz no vácuo, ou éter luminífero.
Ele tinha, porém, opinião favorável, ou no mínimo ambígua, sobre
a existência de outros tipos de éter, cuja finalidade
não era servir de meio de propagação para a luz, mas justificar
outros tipos de aparente ação à distância, como a eletricidade
estática, ou a própria gravidade.
A
questão da ação à distância foi um assunto importante no século
XVII, e sua existência era considerada impossível pela filosofia
mecanicista dominante na época, que preferia explicar esse tipo
de ação através de diversos tipos de éter.
A
ação da gravidade através do espaço vazio, por exemplo, era
inteiramente inadmissível para muitos contemporâneos de Newton.
E, na verdade, a questão incomodava até o próprio Newton.
Em uma carta citada por Faraday, Newton diz: É
inconcebível que a matéria bruta inanimada possa, sem a mediação
de algo mais que não é material, agir sobre e afetar outra matéria,
sem contato mútuo (...) Que a gravidade seja inata, inerente
e essencial à matéria, de modo que um corpo possa atuar sobre
outro à distância, sem a mediação de algo mais, por meio do
qual e através do qual suas ações e forças possam ser conduzidas
de um para outro, é para mim um absurdo tão grande, que eu acredito
que nenhum homem dotado de competência para pensar em assuntos
filosóficos possa jamais cair nele.
Apesar
de Newton nunca ter proposto um “éter gravitacional”
(ele preferia admitir como suposição que a gravidade pudesse
ser causada por algum tipo de partícula não detectado), ele
admitiu um éter para justificar outros fenômenos, como
a atração da eletricidade estática (1675), conceito que depois
abandonou (por volta de 1679), mas que voltou a adotar em 1717,
na segunda edição de Opticks.
Portanto
está inteiramente errada a idéia freqüentemente ouvida de que
Newton era contra o éter.
Seguindo
com nossa história, ainda no século XVII, no ano de 1669, o
cientista dinamarquês Erasmus Bartholin (1625-1698) descobriu
o fenômeno da birrefringência (ou dupla refração) dos cristais
de calcita: ao se observar uma imagem (uma linha em um papel,
por exemplo) através de um cristal de calcita, a imagem aparece
duplicada.
Hoje
sabemos que a luz é constituída por ondas transversais (perpendiculares
à direção de propagação, conforme havia proposto Hooke),
e que essas ondas transversais, ao atravessarem o cristal de
calcita, são polarizadas em apenas duas direções, tendo cada
uma delas uma velocidade de propagação (através do cristal)
diferente. Esta é, portanto, a explicação da imagem dupla que
se observa através da calcita. Mas, na época, ninguém conseguiu
utilizar adequadamente a descoberta de Bartholin. Huygens
não chegou a entender o fenômeno, pois este era incoerente com
sua forma de imaginar as ondas de luz (Huygens acreditava que
as ondas de luz eram longitudinais, como as ondas sonoras ou
como as ondas de choque). Newton, pior ainda, utilizou
o fenômeno para argumentar a favor de sua teoria corpuscular
da luz. Ele escreveu, na segunda edição de Opticks, que
essas partículas teriam “lados” e que portanto poderiam exibir
propriedades que dependem de direções perpendiculares à direção
do movimento.
Após
as importantíssimas descobertas do século XVII, a história do
conhecimento da luz entra num período de estagnação que persiste
praticamente por todo o século XVIII, com aceitação generalizada
da teoria corpuscular de Newton. Não que a teoria ondulatória
tenha desaparecido inteiramente; ela continuou a ser estudada
por diversos acadêmicos, entre os quais o matemático suíço Leonhard
Euler (1707-1783), que, em 1760, sugeriu que um mesmo éter
serviria de meio de propagação tanto da luz como dos fenômenos
elétricos, antecipando as descobertas de Ampère, Faraday
e Maxwell no século seguinte. Mas esta foi uma inspiração
isolada e marginal.
A
história é repleta de demonstrações da susceptibilidade do espírito
humano, e uma delas é o fato de a teoria corpuscular da luz,
de Newton, ter-se imposto por quase cem anos, contrariamente
a inúmeros resultados experimentais. É difícil não associar
o sucesso dessa teoria à enorme influência do nome de Newton,
obtida por suas descobertas no campo da mecânica e da gravitação.
Se
o leitor me permite uma reflexão sobre esse poder de influência
da autoridade reconhecida, eu creio que ele demonstra uma insegurança
inerente ao ser humano, que o leva a separar o bem e o mal em
compartimentos estanques; uma insegurança da qual nem os cientistas
escapam, e que ocasiona generalizações falaciosas como: “quem
é certo, é certo sempre; quem é errado, é errado sempre” (generalizações
inconscientes e interiores, mas não por isso menos efetivas).
O maniqueísmo, mais que uma doutrina filosófica, parece ter
sido a expressão de algo que está irremediavelmente dentro de
todos nós. Pena que esta separação entre bom e mau seja tão
desconexa da realidade do mundo, onde o bem precisa conviver
eternamente com o mal, em uma dicotomia essencial a ambos.
Voltando
à nossa história, a teoria corpuscular conseguiu chegar ao século
XIX. [Um de seus renitentes defensores, que se manteve fiel
a ela até o fim da vida, foi o matemático, físico e astrônomo
francês Pierre-Simon Laplace (1749-1827), que teve posição
dominante na ciência de seu país até por volta de 1820.] Porém,
já nos primeiros anos do século XIX, a história havia começado
a mudar definitivamente em favor da teoria ondulatória.
O
médico, físico e egiptólogo inglês Thomas Young (1773-1829)
projetou em uma tela a luz que passava por dois pequenos orifícios
próximos, e obteve assim as famosas figuras de interferência,
com faixas claras alternadas com faixas escuras. Young deu
nova vida à teoria ondulatória. Ele associou cores a comprimentos
de onda e calculou os comprimentos de onda das sete cores reconhecidas
por Newton. Em 1817 ele propôs que as ondas luminosas eram transversais
à direção de propagação e, com isso, conseguiu finalmente entender
a experiência de Bartholin com a calcita, explicando
que a polarização é o alinhamento das ondas transversais de
forma a vibrarem em um mesmo plano.
A
partir dos estudos de Young, o físico francês Augustin-Jean
Fresnel (1788-1827) fortaleceu muito a teoria ondulatória
dando a ela um tratamento matemático (por volta de 1815). Seus
estudos sobre as superfícies de onda tiveram grande influência
entre físicos e matemáticos. Trabalhando em conjunto com Dominique
F. Jean Arago (1786-1853) ele descobriu que dois raios de
luz polarizados em direções perpendiculares não geram interferência.
Esta foi uma das mais contundentes provas não apenas da natureza
ondulatória da luz, como do fato de suas ondas serem transversais
à direção de propagação.
Este
fato (de as ondas serem transversais) era mais um forte argumento
em favor da existência de um éter, pois ondas transversais
precisam de um meio especial, com um tipo particular de elasticidade,
para se propagar; uma elasticidade que não existe em gases nem
em líquidos (como o ar ou a água, que podem transmitir ondas
longitudinais, mas não ondas transversais*). Assim, para se
explicar a propagação da luz através da água e do ar, era necessário
imaginar um meio elástico que permeasse esses materiais.
[*Obs.: as ondas da superfície da água são um fenômeno particular,
restrito à interface ar-água.]
De
acordo com essa idéia, as ondas de luz que atravessam o ar,
ou a água, não estariam sendo propagadas pelo próprio ar, ou
pela própria água, mas pelo éter, que permearia esses materiais;
um éter presente universalmente, tanto no vácuo como permeando
toda a matéria que existe. (Um éter que deveria ter propriedades
de elasticidade similares às de um sólido).
Este
raciocínio foi apenas um dos motivos para o éter ser admitido
não apenas no vácuo espacial, mas permeando tudo, universalmente.
O motivo principal já existia muito antes da demonstração de
que as ondas eram transversais, e se resume ao seguinte: Os
planetas estão continuamente, em seu movimento pelo espaço,
em suas órbitas em torno do Sol, atravessando o éter. Ao atravessar
o éter, eles não sofrem nenhum tipo de atrito (como vimos ao
falar de Kepler e Newton), nem causam no éter
nenhum tipo de arrasto* ou turbulência. A ausência de turbulência
tanto pode ser deduzida do fato de não haver atrito, como pode
ser verificada na prática: Quando um planeta, ou uma estrela
distante, é ocultado pela Lua (ocultação de um astro significa
a interposição da Lua ou de um planeta entre ele e a Terra),
podemos observar que imediatamente antes e imediatamente depois
da ocultação não ocorre nenhuma perturbação na imagem do astro
ocultado. Se a Lua causasse turbulência no meio de propagação
da luz, evidentemente a imagem do astro ocultado seria afetada
por essa turbulência. A ausência de turbulência leva à única
conclusão possível de que a Lua atravessa o éter sem afetá-lo,
ou, em outras palavras, que o éter é absolutamente permeável
à Lua. E, então, chegamos à óbvia conclusão final de que toda
a matéria da Lua, e de todos os planetas, está permeada de éter.
(* A possibilidade de um arrasto mínimo nunca foi descartada.
Houve inclusive, na segunda metade do século XIX, tentativas
de medir este arrasto, conforme veremos adiante ao estudarmos
Maxwell.)
Com
os trabalhos de Young, Fresnel e Arago,
estava começando o século de ouro do éter. Gradualmente,
os mais importantes cientistas da época foram aderindo à teoria
ondulatória e à idéia da existência do éter luminífero.
Ao
leitor que esteja um pouco cansado, devo reconhecer que esta
história da luz é de fato um pouco longa. Mas tenhamos um pouco
mais de paciência, que logo chegaremos a Maxwell e o quadro
completo estará formado; então o esforço da leitura estará amplamente
recompensado. Antes, porém, é necessário examinarmos uma história
paralela, a história da eletricidade e do magnetismo, que pouco
a pouco vão se mesclando entre si, e se mesclando com a luz,
até se tornarem uma coisa única.
André-Marie
Ampère (1775-1836) já em 1816 defendia com veemência a teoria
ondulatória. Ao saber do experimento do físico dinamarquês H.
C. Orsted, realizado em 1820, onde uma agulha magnética
é desviada pela passagem de corrente elétrica em um fio próximo,
Ampère interessou-se pela relação entre eletricidade e magnetismo.
Apenas uma semana depois, ele demonstrou a atração ou repulsão
entre dois fios eletrificados paralelos, dependendo de as correntes
estarem em sentidos iguais ou opostos. Ele também demonstrou
que a força magnética em volta de um fio elétrico era circular,
e produzia uma espécie de cilindro em torno do fio. Ampère criou
um instrumento utilizando uma agulha para medir o fluxo elétrico,
tornando-se o primeiro homem a desenvolver uma técnica para
medir a eletricidade. Seu trabalho mais importante foi a descrição
matemática da força magnética produzida por uma corrente elétrica,
descrição que ficou conhecida com Lei de Ampère.
Continuando
no caminho aberto por Ampère, o químico e físico inglês
Michael Faraday (1791-1867) compreendeu, em 1821 (a partir
da descrição de Ampère da força magnética circular que
forma um cilindro em torno do fio com corrente elétrica), que
se fosse possível isolar um polo magnético, este seria compelido
a girar constantemente em um circulo em torno do fio com corrente.
Esta idéia é a base do motor elétrico, um aparelho que transforma
energia elétrica em energia mecânica. Em 1831, Faraday fez sua
mais importante descoberta (que era o oposto do que havia descoberto
dez anos antes): um imã podia induzir corrente em um fio condutor.
(A indução de corrente ocorre em certas condições, por exemplo
em um fio condutor próximo a um eletroímã cujo campo magnético
aumenta ou diminui, ou em uma espiral de um fio condutor, quando
um imã permanente se move para dentro e para fora da mesma)
A partir dessa descoberta ele conseguiu transformar energia
mecânica em energia elétrica, e criar o primeiro dínamo. A relação
quantitativa entre a mudança no campo magnético e o campo elétrico
criado por esta mudança recebe o nome de Lei de Faraday.
Podemos
acompanhar como pouco a pouco os fenômenos do magnetismo e da
eletricidade foram sendo relacionados, e como foi sendo aberto
o caminho para Maxwell e para as ondas eletromagnéticas;
porém ainda faltava associar a luz a estes dois fenômenos.
Coube
ao próprio Faraday dar o primeiro passo nesse sentido:
em 1945 ele demonstrou que um campo magnético podia girar o
plano de polarização da luz, fenômeno conhecido como Efeito
Faraday.
Mesmo
antes dessa experiência, Faraday já acreditava – assim
como acreditara Euler mais de meio século antes – que
um mesmo éter servia como meio de propagação não apenas
da luz, mas também de energias e forças elétricas e magnéticas.
Esta visão foi relativamente bem aceita por seus contemporâneos,
e tornou-se unânime em 1884, quando as ondas eletromagnéticas
de Maxwell foram finalmente compreendidas e acatadas
pela comunidade científica.
Faraday
acreditava que o éter era composto por partículas discretas,
não identificadas, carregadas positiva e negativamente, ligadas
elasticamente umas às outras. (Devemos recordar que, a partir
da constatação de que as ondas de luz são transversais, o éter
obrigatoriamente deveria ter características de elasticidade
similares às de um sólido.) Ele escreveu em 1838: “... a indução
elétrica é uma ação das partículas contíguas do meio isolante
ou dielétrico. Nota: eu uso a palavra dielétrico para expressar
essa substância através da qual, ou por meio da qual, as forças
elétricas agem”.
Paralelamente
a todas essas descobertas, Faraday trouxe para nossa
ciência uma outra contribuição menos óbvia: a idéia de campo.
Neste trabalho eu tenho empregado freqüentemente a idéia de
campo; tenho-a empregado porque para nós, do início do
século XXI, é extremamente natural e fácil pensar em termos
desse conceito. Mas, na realidade, a idéia de campo ainda não
existia naquela época! Vejamos um exemplo: para nós, a visualização
da descoberta de Ampère, das forças magnéticas formando
círculos em volta de um fio elétrico, e produzindo uma espécie
de cilindro em torno do fio, é algo natural e intuitivo;
porém, para os contemporâneos de Ampère, a idéia de tais
forças presentes fora de um corpo era muito menos fácil de aceitar
ou visualizar. A maioria deles associava essas forças circulares
a vórtices de éter girando em torno do fio elétrico.
Faraday
estendeu a noção de tais forças usando a expressão Linhas
de Força (desde 1821, no mínimo) Um exemplo dessas linhas
de força são as “forças” que existem em torno de um imã
(que hoje nós chamamos de campo magnético), e que podemos enxergar
facilmente ao segurar uma folha de papel sobre um imã e despejar
limalha de ferro sobre o papel. A limalha se orienta em linhas
características, que vão de um polo a outro. (Essa experiência
com a limalha já era bastante conhecida antes de Faraday, mas
ninguém havia tirado dela grande proveito.)
Em
1831, Faraday publicou o primeiro artigo de uma série
entitulada Experimental researches on electricity, no
qual as Linhas de Força têm importância central. Mais
tarde, essas Linhas de Força receberiam um tratamento
matemático por Lord Kelvin (1824-1907). Por volta
de 1850, tentando explicar o comportamento das linhas de força,
Faraday desenvolveu uma nova visão de éter, atribuindo
a este certos estados de tensão e pressão. O éter teria tensões
no sentido das linhas de força, e pressões em todas as direções
perpendiculares a elas.
A
teoria das Linhas de força continham a idéia de que para
cada ponto do espaço, em volta de um imã, existe definida uma
possível ação ou força; uma ação ou força que seria experimentada
por um outro imã se ocupasse aquela posição. Esta idéia já é,
por si, um conceito de campo.
Partindo
dessas teorias das Linhas de força elétricas e magnéticas,
James Clark Maxwell (1831-1879) chegou à compreensão
e à descrição matemática do eletromagnetismo. Em 1855 e 1856
ele apresentou publicamente sua formulação matemática das idéias
físicas de Faraday. Maxwell estudou a ação reciproca
dos campos elétrico e magnético, e a forma como uma alteração
em um campo magnético produz um campo eletromagnético induzido.
Através desses estudos ele descobriu que (teoricamente) poderiam
haver ondas transversais no meio dielétrico (dielétrico
quer dizer isolante, e o meio dielétrico era o éter), e foi
assim, teoricamente, que ele previu a existência das ondas eletromagnéticas.
Mais tarde ele calculou que a velocidade de propagação de tais
ondas deveria ser próxima à velocidade da luz. Por volta de
1862 ele escreveu: Dificilmente podemos evitar a conclusão
de que a luz consiste nas ondulações transversais do mesmo meio
que é a causa dos fenômenos elétricos e magnéticos. Por
fim, em 1864 ele concluiu: luz e magnetismo são resultados
de uma mesma substância, (...) a luz é um distúrbio eletromagnético
propagado através do campo de acordo com as leis do eletromagnetismo.
Finalmente,
o éter luminífero e éter elétrico haviam se tornado um só. Maxwell
acreditava que esse éter deveria causar algum pequeno arrasto
nos corpos celestes que o atravessam, e propôs experimentos
para medir esse arrasto. Chegou a tentar medir o efeito desse
arrasto no movimento da Terra, mas não obteve sucesso. Maxwell
descrevia a permeabilidade do éter à matéria comparando aquele
à água e esta à uma rede de pesca: “a água do mar passa através
da malha da rede, conforme ela é puxada pelo barco.”
A
teoria de Maxwell demorou mais de vinte anos para ser
compreendida e aceita, e só o foi graças ao trabalho do físico
alemão Heinrich Hertz (1857-1894), que em 1884 mostrou
a dedução da teoria do eletromagnetismo por um novo método e
colocou suas equações na forma atual. Reconhecidamente, foi
somente após a leitura do artigo de Hertz que a maioria
dos cientistas da época compreendeu essa teoria. Alguns anos
mais tarde, entre 1886 e 1889 esse físico alemão conseguiu produzir
e estudar ondas eletromagnéticas em laboratório (rádio e microondas),
e provou que estas têm propriedades de reflexão, refração, difração
e interferência iguais às da luz. O mundo entrava definitivamente
na era do eletromagnetismo.
No
início da década de 1880, a existência do éter era admitida
pelos principais cientistas da Terra, e muitos deles concebiam
experiências para tentar provar sua existência. Entre estes
estavam Maxwell, Fizeau (antes de 1880),
Michelson, Morley, e até o próprio Einstein,
além de muitos outros. Quando eu tento imaginar como era o mundo
naquela época e o que se passava na cabeça daqueles homens,
me parece improvável que algum deles pudesse sequer desconfiar
que o glorioso éter unificado já estivesse com seus dias contados.
Mas estava, e seu destino seria precipitado pela famosa questão
da velocidade da luz.
Algumas
décadas antes das experiências de Hertz , por volta de
1850, os franceses Armand Fizeau (1819-1896) e Jean
Foucault (1819-1868; o mesmo que ficou célebre por comprovar
a rotação da terra através de um pêndulo) haviam conseguido
medições da velocidade da luz com uma margem de erro de apenas
um porcento. Eles haviam também demonstrado que a velocidade
da luz na água era inferior à velocidade da luz no ar. Esses
resultados tiveram diversas conseqüências:
A
primeira foi favorecer a, já universalmente aceita, teoria ondulatória
da luz. Retomemos por um instante às teorias da natureza da
luz: corpuscular e ondulatória. Newton explicava a refração,
em sua teoria corpuscular, propondo que as partículas de luz
seriam atraídas pelo meio de maior densidade. Segundo
esta idéia, a luz deveria ter velocidade maior nos meios
de maior densidade. A teoria ondulatória (desde Huygens)
tinha uma expectativa contrária, e dizia que a geometria do
raio de luz, ao passar de um meio para outro, poderia ser explicada
se a luz tivesse uma velocidade menor nos meios de maior
densidade. Portanto o resultado experimental da velocidade da
luz em diversos meios deu razão, mais uma vez, à teoria ondulatória.
A
segunda conseqüência, porém, foi o surgimento de novos problemas.
Como já vimos, a luz consiste em ondas transversais, cuja propagação
exige um meio com características de elasticidade similares
às de um sólido. Pois bem, a enorme velocidade da luz no vácuo
exigia uma também enorme rigidez elástica do éter. Era difícil
imaginar como um meio poderia ser tão rígido à luz e ao mesmo
tempo tão permeável aos corpos. Esta questão jamais foi solucionada.
Além disso, se a água era perfeitamente permeável ao éter e
à luz, como explicar a diferença de velocidade da luz no vácuo
e na água? Esta questão também não foi solucionada.
As
técnicas para medir a velocidade da luz foram se aperfeiçoando
e, na década de 1880, chegaram à um grau de precisão que permitiria
a constatação do efeito do movimento da Terra sobre a velocidade
da luz, e este seria o golpe que acabaria por transformar o
éter em um conceito considerado obsoleto.
Para
entender esta importantíssima experiência, vamos imaginar que
estamos dentro de um pequeno barco de alumínio sobre um lago.
Nosso barco representa a terra; a água do lago representa o
éter. Por acreditarmos na idéia de que a Terra passa através
do éter sem qualquer atrito, vamos imaginar que nosso barco
é um barco-fantasma, e que nós também somos fantasmas. Vamos
imaginar que todos passamos através água como se não existíssemos.
Pois
bem, enquanto nosso barco ainda está parado, nós fazemos a primeira
experiência: começamos a fazer ondinhas na superfície da água,
exatamente no meio do barco, com uma vareta, que é o único objeto
dentro do barco que não é fantasmagórico. (Nossa capacidade
de segurar essa vareta mesmo sendo fantasmas é uma inconsistência
que eu não consegui solucionar; portanto conto com a boa vontade
do leitor para fingir que não reparou nela). As ondas avançam
livremente em todas as direções, passando através de nossas
canelas-fantasmas e do casco-fantasma do barco. Nós então medimos
a velocidade de propagação dessas ondas, em todas as direções,
e contatamos que a velocidade é sempre 10 km/h. As ondas saem
do centro e chegam até a proa a uma velocidade de 10 km/h.
Saem do centro e chegam também à popa, chegam ao lado direito
do barco, e chegam ao lado esquerdo do barco, sempre a 10km/h.
Ótimo! A experiência foi um sucesso! Verificamos que a velocidade
absoluta de propagação daquela onda, naquele meio, é 10km/h.
E, como estávamos parados, a velocidade (relativa ao barco)
em todas as direções também foi 10km/h.
Muito
bem. Agora vamos fazer nosso barco-fantasma andar lentamente,
à uma velocidade de apenas 1 km/h, e vamos repetir a experiência.
Qual resultado esperamos obter? Evidentemente, esperamos que,
ao medir a velocidade de propagação das ondas do centro até
a popa (a traseira), obtenhamos 11 km/h. Claro, pois se as ondas
se movem através da água, do centro para a popa, a uma velocidade
de 10 km/h, e a popa se move de encontro às ondas à uma velocidade
de 1 km/h, então a velocidade relativa entre a popa (assim como
o barco inteiro e tudo que está dentro dele) e as ondas que
se propagam em direção à popa é 11 km/h.
De
maneira oposta, a velocidade que esperamos medir para as ondas
que vão do centro até a proa (a dianteira) é 09 km/h. Pois,
se a onda se move do centro para a proa a uma velocidade de
10 km/h, e a proa se move no mesmo sentido à uma velocidade
de 1 km/h, então a velocidade relativa entre a proa (assim como
o barco inteiro e tudo que está dentro dele) e as ondas que
se propagam em direção à proa é 09 km/h.
Analogamente,
quando formos fazer nossa terceira medição, em direções próximas
à direção das laterais do barco, esperamos medir velocidades
próximas de 10 km/h.
Bem,
esses são os resultados esperados. E, se pudéssemos realmente
virar fantasmas, entrar num barco-fantasma e realizar essa experiência,
com certeza chegaríamos exatamente a esses resultados. Porém,
se o barco-fantasma for apenas uma analogia da Terra, e as ondas
uma analogia da luz, chegaríamos a um resultado muito diferente,
e surpreendente. Tal experiência foi feita, e seu resultado
foi algo que ninguém jamais havia imaginado.
A
célebre experiência de Albert Michelson e E. Morley
era em essência idêntica à nossa experiência com o barco. Ela
consistia em analisar a luz de uma fonte terrestre (que eqüivale
à varetinha), e medir suas diferentes velocidades: a velocidade
da luz que se move no sentido do movimento da terra (eqüivale
às ondinhas que vão em direção à proa); a velocidade da luz
que se move no sentido contrário ao movimento da terra (eqüivale
às ondinhas que vão em direção à popa); a velocidade da luz
que se move no sentido perpendicular ao movimento da terra (ondinhas
que vão em direção à lateral do barco). É importante lembrar
que, devido ao fato de estarmos presos à terra (que eqüivale
ao barco-fantasma), todas as velocidades da luz medidas seriam
velocidades da luz em relação à Terra.
A
Terra se move em torno do Sol a uma velocidade de 29 km/s, e
isto deveria representar uma variação da velocidade da luz significativamente
maior do que a margem de erro das medições realizadas da época.
A diferença entre a velocidade média da luz e as velocidades
mínima e máxima medidas seria uma prova e uma quantificação
do próprio deslocamento da terra através do éter
Não
foram Michelson e Morley que conceberam essa experiência.
A idéia dela era antiga. (Até mesmo Einstein relata ter idealizado
em sua juventude um experimento desse tipo, que nunca foi colocado
em prática.) A principal contribuição desses cientistas foi
o aperfeiçoamento da técnica das medições e a qualidade dos
resultado auferidos. O próprio Michelson já havia realizado
experiências semelhantes, com resultados semelhantes, em 1881.
Foi,
porém, o resultado da experiência de Albert Michelson
e E. Morley, realizada em 1887, que conseguiu convencer
o mundo científico, e que, por isso, entrou para a história.
Essa experiência mostrou que a velocidade da luz era a mesma
em qualquer direção relativa ao movimento da Terra em sua órbita.
A velocidade era sempre a mesma: tanto na direção do movimento
da Terra; como na direção contrária ao movimento da Terra; como
em direções perpendiculares ao movimento da Terra. Seria como
se, em nosso barco-fantasma, mesmo movendo-nos à velocidade
de 1 km/h, a velocidade de propagação das ondas continuasse
a ser 10 km/h, em todas as direções.
A
experiência foi repetida em diversos meses do ano (portanto
em diversos pontos da órbita da Terra em torno do Sol) e o resultado
foi sempre o mesmo.
O
físico holandês Hendrik Antoon Lorentz (1853-1928), que
havia duvidado do resultado da experiência de Michelson
de 1881, levou muito a sério o resultado da de 1887. Ele tentou
explicar essa aparente uniformidade da velocidade da luz através
de uma contração do tamanho dos corpos ao se movimentarem
pelo éter, proporcional ao quadrado da razão de suas velocidades
pela velocidade da luz. FitzGerald propôs uma teoria
quase idêntica, que acabou conhecida como a contração de
Lorentz-FitzGerald.
Em
1989, o Engenheiro, Matemático e Físico Francês Jules Henri
Poincaré (1854-1912) afirmou que não temos intuição direta
sobre a igualdade de dois intervalos de tempo, já apontando
na direção da Relatividade Restrita, onde a constância de velocidade
da luz é explicada sem a necessidade de contrações de tamanho,
mas alterando-se a percepção do tempo. O mesmo Poincaré,
em 1900, questionou a existência do éter, e, em 1904, sugeriu
que, considerando-se que não existe repouso absoluto nem movimento
absoluto, diferentes observadores em diferentes situações poderiam
ter relógios que marquem diferentes tempos.
Em
1905 Einstein publicou a Teoria da Relatividade
Restrita afirmando que a velocidade da luz é constante
para qualquer observador, independente de qualquer movimento
da fonte ou do observador.
Devo
admitir que a compreensão da Teoria da Relatividade não é realmente
algo muito fácil; ela exige um certo esforço. Mas está muito
longe de ser aquela coisa dificilíssima que alguns imaginam.
Se o leitor quiser entender conceitualmente essa teoria basta
prestar muita atenção na nossa analogia do barco-fantasma, apresentada
nas três páginas anteriores e nas quatro páginas seguintes.
(Conceitualmente, pois claro que a dedução e compreensão das
equações exige substanciais conhecimentos matemáticos.) No próximo
parágrafo, o leitor encontrará um exemplo do que significa “a
velocidade da luz ser constante”, um exemplo que parecerá incompreensível
ou até absurdo, mas que não deverá preocupá-lo (o importante
é persistir e seguir em frente). Depois vêm alguns princípios,
que também poderão parecer obscuros. Por fim o texto retorna
ao problema do éter. Mesmo sem ter entendido ainda a re-latividade,
o leitor deverá se concentrar nessa questão da relatividade
x éter, pois esta é a chave para entender a relatividade.
Através da analogia das ondinhas, será apresentada uma discussão
sobre o que é velocidade absoluta e velocidade relativa,
e, então, através do barco fantasma, a idéia básica da Teoria
da Relatividade Restrita poderá ser finalmente compreendida.
Vejamos
então, através de um exemplo, o que significa “a velocidade
da luz ser constante”: três astronautas observam a luz de uma
estrela. O primeiro está parado em relação a ela. O segundo
está se aproximando dela à incrível velocidade de 150.000 km/s
o terceiro se afasta da estrela, também à velocidade de 150.000
km/s. Com qual velocidade a luz da estrela atinge cada um deles?
Ela atinge todos os três à mesma velocidade: 300.000 km/s (contrariamente
ao que o senso comum e a cinemática clássica sugeririam).
O
principio básico da Teoria da Relatividade Restrita é que “todo
movimento uniforme (não acelerado) é relativo” ou, em outras
palavras, que não existe um sistema de referência inercial (não
acelerado) absoluto, ou ainda, que “qualquer movimento deve
ser considerado apenas movimento relativo”.
As
conseqüências dessa teoria são muitas, e a aposentadoria do
éter é apenas uma delas. Mas, afinal, por que a Relatividade
Restrita aposentou o éter? (Vamos compreender esta idéia passo
a passo.)
Primeiro
recordemos o que era o éter: um meio elástico, impalpável e
indetectável, através do qual a luz se propagaria. (Antes de
Newton, o éter fora um substância muito pouco densa, que se
opunha ao vácuo. Este éter, porém, já estava aposentado desde
1687.) Esse meio impalpável já antes da experiência de Michelson-Morley
tinha sérios “problemas”: evidências teóricas e experimentais
contrarias à sua existência. Vejamos algumas: ele precisaria
apresentar propriedades elásticas similares às de um sólido
(pois as ondas de luz são transversais e só poderiam se propagar
em um meio com características de sólido); apesar de ser extremamente
permeável aos corpos, ele precisaria apresentar extrema rigidez
elástica para a luz (para justificar a enorme velocidade de
propagação desta); sua existência nunca havia sido verificada
ou indicada, direta ou indiretamente, por qualquer das experiências
realizadas com essa finalidade.
Apesar
de tudo isso, o éter continuava, no final do século XIX,
a ser aceito de forma quase unânime. Por quê? Por um único motivo:
as ondas eletromagnéticas precisavam de um meio de propagação.
Usando a analogia de nosso velho barco-fantasma: acreditava-se
que a luz se propagaria pelo éter da mesma forma que as ondinhas
se propagam pela superfície da água do lago. Dessa forma, o
éter serviria como referência ao movimento da luz, assim como
a água serve como referência ao movimento das ondinhas de nosso
lago. Quando dizíamos que velocidade de propagação das ondinhas
era
10 km/h, queríamos dizer que as ondinhas se moviam a 10 km/h
em relação à água do lago.
Assim
como a água de nossas ondinhas, todo meio de propagação serve
como referência para as ondas que nele se propagam. Vejamos
um outro exemplo: se fizermos ondinhas na superfície de um aquário
que está apoiado sobre o chão, as ondinhas se propagarão a uma
determinada velocidade em relação a seu meio, que é a interface
ar-água. Se pegarmos o mesmo aquário, entrarmos na cabine fechada
de um avião supersônico (em velocidade constante), e fizermos
as mesmas ondinhas (considerando que a gravidade permanece idêntica
à da primeira experiência) verificaremos que a velocidade de
propagação das ondinhas em relação a seu meio continuará a mesma.
O que podemos comprovar com isso é que (não importa se o meio
está “se movendo” ou “estático”) quando falamos em velocidade
de propagação de determinado tipo de onda, nós estamos na
verdade nos falando velocidade de propagação da onda em relação
ao meio. É exatamente aí que está toda a questão.
Voltemos
então ao barco; vamos fazer com que nossas ondinhas se comportem
como a luz. Nós estamos nos movendo à velocidade de 1 km/h.
Fazemos as ondinhas com a varetinha no centro do barco e verificamos
espantados que velocidade de propagação das ondas é sempre 10
km/h!!! em todas as direções!!!! como se o barco estivesse parado!!!
Parece
incrível!!! Então repetimos a experiência diversas vezes, e
confirmamos o resultado! Ficamos sem saber o que pensar...
Será
que a água também está se movendo a 1 km/h junto conosco? Então
damos meia volta com o barco, e, andando a 1 km/h na direção
oposta, verificamos que a velocidade de propagação das ondas
continua a ser 10 km/h, em todas as direções!!
Como
isto é possível??! E agora??!
Depois
de pensar muito tempo, nós começamos a reparar em um detalhe
que não havíamos reparado antes: nosso lago não tem margens
para servir de referência!! O tempo todo, quando dizíamos
que estávamos nos movendo a 1 km/h, queríamos na verdade dizer
que estávamos nos movendo em relação a um outro barco-fantasma
vizinho a nós, que se chama Sol. Nós podíamos medir sem
dificuldades nosso movimento em relação ao barco-Sol, e havíamos
imaginado (tínhamos certeza) que poderíamos medir também nosso
movimento em relação à água (ao meio de propagação das ondinhas),
mas não conseguimos fazê-lo. Pelo contrário, descobrimos que
a velocidade das ondinhas em relação a nós (assim como em relação
a todos os outros barcos-fantasmas; todos se movendo uns em
relação aos outros) é sempre de 10 km/h!
Quando
conseguimos nos recuperar da surpresa, fizemos um grande esforço
mental e chegamos à seguinte explicação:
Se
não existe margem nem qualquer outra referência fixa (em terra
firme), se as únicas referências de nosso movimento são os outros
barcos, se não podemos demonstrar nosso movimento em relação
à água, então na verdade não existe movimento absoluto.
Todo movimento que podemos verificar é o movimento de um barco-fantasma
em relação a outro, mas não podemos afirmar de forma absoluta
qual está parado e qual está se movendo.
E
vamos ainda mais longe:
Não
havendo movimento absoluto, concluímos que nunca houve água
nenhuma! Nós nunca havíamos sentido a água ou visto a água,
nem comprovado sua existência através de qualquer experiência.
Nós apenas imagináramos que havia a água por causa das ondinhas,
pois críamos que as ondinhas se propagavam através dela. Mas
que diabo de água é essa se para todos os barcos-fantasmas,
que se movem em todas as direções, a velocidade relativa de
propagação das ondinhas é sempre igual?
A
idéia de que existe uma água para as ondinhas se propagarem
perdeu sua utilidade. Como a água só havia sido imaginada para
isso, ela própria perdeu sua utilidade.
Isso
é a Teoria da Relatividade Restrita! (Pelo menos é um de seus
muitos aspectos.)
(Mesmo
que alguns considerem que o fenômeno da constância da velocidade
de propagação das ondinhas continue um mistério, a existência
da água não contribui em nada para solucionar esse mistério.)
E
foi isso que aconteceu com o éter. Vamos abandonar definitivamente
nosso barco-fantasma e fazer o último comentário sobre a Relatividade
Restrita, utilizando os três astronautas citados anteriormente.
Se a velocidade da luz é a mesma para os três, qual a velocidade
de cada um deles em relação ao éter? E qual a velocidade da
luz em relação ao éter? Como não há no universo uma referência
de repouso absoluto, nem de movimento absoluto (nosso lago não
tem margens), o conceito de éter “provar-se-á supérfluo”(nas
palavras de Einstein).
E
como fica a propagação das ondas eletromagnéticas no vácuo?
Bom, isso está parcialmente solucionado. Adiante nós veremos
que a física quântica atual enxerga a interação de partículas
(a chegada da luz do Sol à Terra é uma forma de interação) através
de partículas mediadoras; as partículas mediadoras
do eletromagnetismo são os fótons; as da gravidade seriam os
(jamais identificados) grávitons. Assim, a luz que atravessa
o vácuo entre o Sol e a Terra não seria uma onda, mas sim uma
partícula dotada de momento, chamada fóton.
Partícula?
– Mas nós não vimos que o grande avanço do conhecimento da luz,
e do eletromagnetismo, no século XIX foi justamente devido à
comprovação da natureza ondulatória da luz? – Isso é verdade,
porém as coisas começaram a se complicar a partir de 1905, quando
Einstein mostrou que a luz, ao contrário do que acontece
com uma onda, pode ser “quantificada” em porções discretas de
energia, ou “pacotes de energia” (veja Mecânica Quântica
– o que é ? no anexo 1), e propôs que a luz possuía propriedades
também de partículas. Esses trabalho abriu o caminho
que levaria Louis de Broglie, em 1924, à dualidade
partícula-onda.
Essa
dualidade partícula-onda não é (e não deve ser encarada
como) algo trivial. Como vimos anteriormente, partículas e ondas
são duas coisas tão diferentes entre si quanto a natureza consegue
produzir. Falar em dualidade partícula-onda é como falar
em dualidade Jóquei-Lutador-de-sumô, ou dualidade
corinthiano-palmeirense, mas, enfim, como Hamlet bem sabia,
o mundo não é tão simples quanto os nossos modelos mentais.
Assim,
em 1905, o conceito de éter tornou-se obsoleto. Porém, é necessário
muito cuidado. O fim do éter não significou de maneira alguma
o surgimento do vazio absoluto! O vácuo continuou sendo apenas
aquilo que a experiência permite constatar, ou seja, a ausência
de massa e de pressão. A idéia de vazio absoluto (conforme
é discutido no final deste trabalho) nunca passou de uma elucubração.
Além disso, a história mostrou que as questões relativas ao
vácuo estavam muito longe de haver sido solucionadas. A idéia
de vácuo mudou muito de 1905 até hoje.
Antes,
porém, de entrarmos na questão do vácuo, vejamos algumas confusões
envolvendo o éter que surgiram após a publicação da Teoria
da Relatividade Restrita.
Em
1907, o matemático Hermann Minkowski (1864-1909) percebeu
que os trabalhos de Lorentz e Einstein poderiam
ser melhor compreendidos em um espaço não-euclidiano; em um
modelo de quatro dimensões composto pelo tempo e pelo espaço,
que veio a ser chamado de continuum espaço tempo ou de
espaço-tempo. O modelo foi posteriormente adotado por
Einstein.
Os
termos continuum espaço tempo ou espaço-tempo
têm ensejado alguma confusão, levando pessoas a tomarem o que
não passa de um modelo matemático por uma realidade palpável.
Frases como “deformações do espaço-tempo”; “ondas gravitacionais
são ondulações na textura do espaço-tempo” ou “geometria do
espaço-tempo na proximidade dos buracos negros” não implicam
de maneira alguma que o espaço-tempo tenha substância ou existência
própria, nem muito menos que o espaço-tempo de Einstein
se confunda com a antiga idéia de éter. Tais frases podem
ser melhor compreendidas se comparadas com estas outras, que
são mais familiares: “a geometria das curvas isotermas na região
Centro-Oeste”, “destacavam-se estranhas reentrâncias e saliências
nas curvas isobáricas” ou “o novo mapa do IBGE indicava modificações
das curvas isopluviométricas”.
O
próprio Einstein fazia questão de enfatizar isso, através
de frases como: “O espaço-tempo não tem uma existência por si
próprio, mas apenas como uma qualidade estrutural do campo gravitacional”.
Outra frase do criador da Relatividade, que nos leva a longas
reflexões é: “ Espaço e tempo não são condições em que vivemos,
mas modos em que pensamos”.
Vamos
então ao vácuo. As pessoas que associam a palavra vácuo à idéia
de vazio absoluto devem examinar um pouco o mundo sob
o ponto de vista da Física Quântica. De acordo com essa ciência,
é necessário um certo intervalo de tempo para que se possa medir
a energia ou massa de uma partícula. Assim, se um par elétron-pósitron
surgir do nada e voltar a desaparecer (por aniquilação mútua)
em um intervalo de tempo suficientemente curto, essas partículas
não poderão ser observadas, nem em teoria. A impossibilidade
de observá-las determina a impossibilidade de se afirmar que
tais partículas não tenham existido. Este raciocínio pode parecer
um tanto estranho, ou um mero exercício de retórica, mas está
longe disso.
Já
em 1927, o Princípio da Incerteza de Heisenberg havia
levado físicos a predizer que partículas poderiam surgir espontaneamente
no vácuo, desde que desaparecessem num tempo suficientemente
curto. O Efeito Casimir é uma comprovação experimental
de que, mesmo no vácuo mais absoluto que a tecnologia consegue
produzir, “algo existe”. Hoje em dia a maioria dos físicos vê
o vácuo como um lugar extremamente ativo, com diversos tipos
de partículas surgindo e desaparecendo.
Essas
partículas – cuja existência não pode ser positivamente afirmada
ou negada, mas é sugerida a partir de cálculos quânticos probabilísticos
– chamam-se partículas virtuais (veja Princípio da Incerteza,
no verbete Mecânica Quântica – Interpretações da, anexo
1). É importante notar que partículas virtuais podem aparentemente
violar a lei da conservação de massa-energia (veja Leis de
Conservação no anexo 1). Porém, como sua existência é extremamente
breve, sua energia também pode ser considerada incerta, e, portanto,
a própria violação pode ser considerada incerta.
Isto
não deve, de maneira alguma, dar a idéia de que partículas reais
possam violar qualquer lei de conservação. No surgimento das
partículas reais ou em sua aniquilação, todas as leis de conservação
são respeitadas. Tomemos a conservação da massa-energia como
exemplo: uma partícula e uma antipartícula podem surgir, mas
é imprescindível que antes já exista energia suficiente para
fornecer a equivalente massa-energia do par. Da mesma forma,
as partículas podem se aniquilar mutuamente, porém a energia
continuará a existir, na forma de bósons, como por exemplo fótons.
A energia, porém, é apenas um entre múltiplos aspectos que sempre
se preservam, ou que pelo menos têm se preservado até hoje nas
experiências realizadas. Assim, existem múltiplas leis de conservação:
da massa-energia, do momento, do momento angular, da carga elétrica,
da cor ou carga ligada às interações fortes, do número de quarks
(ou número de baryons), do número de elétrons, do número de
múons, e do número de taus (veja Leis de Conservação
no anexo 1).
Neste
ponto já fica claro que, aos olhos da física atual, se o vácuo
não é o antigo éter de Maxwell, também não é o nada absoluto
que alguns imaginam que Einstein tenha criado quando deu
fim ao éter com sua Teoria da Relatividade Restrita.
Porém
a questão vai ainda mais além. O Modelo Padrão, que é a teoria
corrente das partículas fundamentais e do modo como elas interagem,
ainda não tem uma explicação estabelecida para o fato de certas
partículas fundamentais possuírem massa.... [Para situar o leitor,
vale dizer que o Modelo Padrão integra três dos quatro tipos
conhecidos de interação (veja Forças Fundamentais, anexo
1) e assume para cada um deles um conjunto de partículas mediadoras
(carrier particles) associadas. Assim, para as interações fortes,
fracas e eletromagnetismo, respectivamente, haveriam os glúons,
bósons w e z, e fótons. A gravidade, que não faz parte
do Modelo Padrão, teria uma partícula mediadora com o nome de
graviton.] Enfim, como eu ia dizendo, o Modelo Padrão ainda
não tem uma explicação estabelecida para o fato de certas partículas
fundamentais possuírem massa. Uma hipótese para tentar solucionar
essa questão foi apresentada pelo físico Peter Higgs
em 1966, propondo que o universo seria inteiramente preenchido
por um campo chamado de Campo de Higgs. Distúrbios nesse
campo, causados pelo movimento de partículas através dele, seriam
a causa da massa dessas partículas.
A
existência do Campo de Higgs ou da Partícula
de Higgs (bóson de Higgs, que seria a
partícula mediadora de um quinto tipo de interação) nunca foi
comprovada experimentalmente. Mas sua proposição é mais um alerta
para que o vácuo de nosso Universo não seja visto como um “absoluto
vazio”. Além dos campos gravitacionais, ondas eletromagnéticas
e partículas virtuais, ele estaria inteiramente preenchido por
esse novo campo, que até hoje nunca foi detectado. Além deste,
quantas outras coisas não existirão esperando para ser descobertas?
De
forma aproximada e simplificada, essa é a visão atual que a
física tem do vácuo.
Tendo
em mente esta breve história dos conceitos de éter e vácuo,
é interessantíssimo notarmos como, através dos tempos, alguns
filósofos e pensadores de áreas distintas da física têm-se oposto
enfaticamente à noção de um vácuo. Talvez a experiência humana
na terra, perpetuamente sob a atmosfera, seja mais difícil de
abstrair do que se possa imaginar. Por outro lado, a idéia de
nada absoluto nunca passou de uma elucubração.
O
que é o vácuo? O que efetivamente sabemos? Ao trabalharmos com
um gás, podemos comprovar que uma determinada massa – à uma
determinada temperatura, ocupando determinado volume – exerce
uma pressão determinada. Se mantivermos a temperatura e o volume,
e utilizarmos menos massa, obteremos uma pressão menor. Isso
nos leva imediatamente à idéia de que uma massa zero resultaria
em pressão zero. E, de fato, podemos experimentalmente chegar
próximos a isso. Isso é o vácuo: a ausência de massa (ou de
matéria) e de pressão. Se circunscrevermos a idéia de vácuo
a isto, não cometeremos erro nenhum.
Os
problemas começam quando se tenta, sem fundamentação, expandir
essa idéia. O vácuo, a mera ausência de massa e pressão
pode se tornar o nada absoluto (arrepios), e aí o
caminho estará aberto para qualquer tipo de elucubração até
mesmo para delírios como o vazio que existia antes do big-bang...
E
o éter que aparece em Humanos? Ora, este não tem nada de científico.
Eu uso a palavra éter porque, além de bela, ela é excelente
para sugerir a idéia (não científica) de substrato do universo.
Meu éter, ou substrato do universo, é uma elucubração (que no
campo da literatura tem seu direito de existir). A idéia é que
tudo o que nós vemos e podemos experimentar ou conhecer, direta
ou indiretamente – a energia, a matéria, e todas as leis de
física – não passa de desenhos de cera sobre uma folha de papel.
Por mais que nos esforcemos, tudo que está a nosso alcance é
distinguir as cores e o branco. Nós jamais seremos capazes de
verificar que existe um papel.
Se
um dia esse papel pegar fogo, os desenhos a princípio ficarão
confusos, verão suas leis físicas mudando, e, por fim, deixarão
de existir, mas nem assim compreenderão que havia um papel.
De
acordo com essa idéia, o vácuo espacial é quase idêntico ao
interior da terra, que é quase idêntico ao interior do Sol,
que é quase idêntico a um buraco negro. As diferenças são pequenas
nuances de tonalidade na cera. Tudo faz parte, e tudo está intrinsecamente
ligado, a um único “éter”, que é a verdadeira essência de nosso
universo.
A
mangabaetérea seria uma estrutura desse “éter” que, assim como
o próprio “éter”, não estaria ao alcance de nosso conhecimento.
(Como uma dobradura no papel, por exemplo)
Pois
bem, se pegarmos essa idéia e a atenuarmos um pouco, de forma
que o éter continue como substrato de tudo, mas que seja possível
de ser conhecido, manipulado e até destruído, então teríamos
coisas como: naves com lagartas etéreas: estruturas impalpáveis,
com milhares de quilômetros de extensão, que permitiram a locomoção
pelo vácuo apoiada nas próprias fibras do substrato do universo;
e os vórtices sugadores de éter, que seriam um tipo de
armadilha de que eu preferiria manter distância.
A
criatura extracósmica segue a mesma idéia, de que podem
existir realidades que não se manifestam a nós. Para nós, a
princípio, ela não existe (pois não se manifesta, não é um fenômeno),
mas se um dia ela resolver se manifestar, então talvez tenhamos
uma grande surpresa.
O Autor, André
Carlos Salzano Masini, é Auditor Fiscal da Receita
Federal e Escritor, além de Diretor Geral da Casa
da Cultura.
Contatos: contatos@casadacultura.org