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A HISTÓRIA DO ÉTER


Publicado Originalmente como Anexo de "Humanos"
a obra de Ficção Científica de André C S Masini

 

O éter – termo considerado obsoleto para a física dos dias de hoje – fez parte de alguns dos mais interessantes episódios e discussões de toda a história da ciência. Ele vem da antigüidade: já estava presente nos primeiros modelos de céu que os filósofos gregos conceberam. Depois, através dos séculos, podemos encontrá-lo em meio a outros problemas científicos, a uma riqueza de idéias e questões que poucas outras palavras chegaram a propiciar.

No presente trabalho, o leitor encontrará a narração desses episódios e a descrição dessas idéias. Além disso, através de explicações e analogias, o texto torna transparente e desfaz a enorme confusão que tem envolvido a palavra éter desde a publicação da Teoria da Relatividade Restrita; confusão que persiste até hoje e que tem desorientado muita gente.

Conforme formos acompanhando a história do éter, veremos desfilar diante de nossos olhos a própria história da ciência. Primeiro a história do céu; entendendo por céu não o cosmo vastíssimo – com suas galáxias a bilhões de anos luz de distância – que hoje se mostra a nós através do Telescópio Espacial Hubble e outros instrumentos, mas apenas o espetáculo que podemos observar com nossos próprios olhos, em uma noite límpida, longe das luzes das cidades: as estrelas, e os planetas a passear entre elas, seguindo sempre o mesmo e estreito caminho chamado eclíptica. (Para ver o movimento dos planetas é necessário mais de uma noite; no caso de Júpiter e Saturno, várias.) Vamos verificar como, na história do conhecimento do céu, a primeira conquista foi a correta descrição da geometria e dos movimentos do sistema solar (Aristarco, Copérnico e Kepler), depois como esta levou a uma compreensão mecânica das forças envolvidas e a um modelo dinâmico do céu (Kepler, Galileu e Newton).

Assim, imperceptivelmente, passamos do céu à mecânica; depois à luz e ao eletromagnetismo, à relatividade e à mecânica quântica, chegando até os dias de hoje. A narrativa segue linearmente o desenrolar da história do éter, sem se preocupar com referências a humanos. Não obstante, no final, fica claro que a forma como éter é utilizado no livro sugere um sentido que não corresponde a qualquer acepção científica que o termo jamais tenha tido.

Comecemos, então, do início:

A palavra éter vem do grego aithér, e sua utilização remonta, no mínimo, ao período pré-socrático. Uma das acepções mais antigas do termo é a de Anaxágoras de Clazômenas, do século V A. C. Esse filósofo propôs que o mundo que conhecemos teria surgido a partir de um caos inicial onde tudo estaria misturado. Em seu modelo, um vórtice teria começado a separar as coisas, inicialmente em duas grandes massas: o ar (que consistiria em coisas densas, frias e úmidas) e o aithér (coisas rarefeitas, quentes e secas). O aithér teria ocupado os lugares externos e o ar os lugares internos. Então, a partir do ar se teriam diferenciado as nuvens, água, terra e pedras. Autores conceituados acreditam que esse aithér de Anaxágoras tenha um significado bastante próximo ao de fogo; não obstante, o Cambridge Dictionary of Philosophy interpreta a palavra como o ar brilhante superior; sentido que lhe dariam os filósofos gregos posteriores.

Este sentido de ar brilhante superior pode ser claramente visualizado e compreendido ao examinarmos a maioria dos modelos astronômicos desenvolvidos no século IV A. C., época de Platão e Aristóteles. Segundo esses modelos, de um modo geral, as estrelas estariam fixas em uma esfera celeste distante, que giraria em torno da Terra a cada vinte e quatro horas; e o Sol, a Lua e os planetas se moveriam no aithér, entre a Terra e as estrelas. (Essa também é a acepção que nos oferece o Aurélio, ao dar a etimologia de éter: aithér, do grego, significaria região superior dos ares, e aether, do latim, ar sutil ou céu.)

Mas por que os gregos imaginaram a existência do éter? Não existe uma resposta completa, mas certamente é possível identificar alguns fatores que contribuíram para isso. É óbvio que nenhum homem da antigüidade pôde pegar um foguete, sair da atmosfera e constatar diretamente a existência do vácuo. Pelo contrário, a experiência de viver continuamente sob a atmosfera terrestre levava-os a acreditar que o vácuo não existia. Na natureza, um espaço desocupado por uma substância acaba sempre ocupado por outra (e.g. uma urna cuja água é retirada, acaba preenchida por ar), de forma que não existe espaço vazio. A natureza abomina o vácuo, escreveu Aristóteles; um pensamento que, sob o contexto da atmosfera terrestre, é bastante verdadeiro.

Pois bem, havia esses “corpos” que se moviam pelo céu, que ninguém sabia exatamente o que eram, nem quão distantes estavam, nem muito menos por que se moviam... Me parece natural supor que os antigos imaginassem que esses planetas estivessem imersos em algum tipo de substância (assim como tudo aqui na Terra está). Mais estranho seria supor que eles tivessem imaginado, através de uma surpreendente intuição, a existência do vácuo (apesar de que, entre os gregos, tais intuições eram possíveis e muitas vezes aconteciam).

Acima de tudo, não havia motivo para se imaginar que “acima” da atmosfera havia vácuo e não algum tipo de ar ou outra substância. Tal motivo só apareceria no século XVII, conforme veremos adiante...

Voltando à história, modelos de céu similares ao de Aristóteles, com a Terra no centro de tudo, foram defendidos pela maioria dos filósofos da antigüidade. Houve diferenças entre as propostas de um filósofo ou outro – como, por exemplo, um maior ou menor número de esferas concêntricas e transparentes, às quais os diversos astros estariam fixados, e que girariam a diferentes velocidades – houve também notáveis trabalhos de observação, destacando-se acima de todos o catálogo de estrelas de Hiparco (século II A. C.); mas a essência dos modelos permaneceu a mesma: a Terra no centro e explicações cada vez mais complexas para justificar as trajetórias observadas dos planetas contra o fundo de estrelas.

Foi esse acervo de conhecimento que foi sintetizado por Ptolomeu no século II d. C., e que, conforme veremos adiante, acabou divulgado para o mundo inteiro.

Também da antigüidade  vem a noção de que é a Terra que gira em torno do Sol. Aristarco de Samos, no século III A. C., numa dessas admiráveis demonstrações do raciocínio e intuição dos gregos, chegou a um modelo muito similar ao que hoje sabemos correto, com o Sol ocupando o centro do universo, a Terra e todos os planetas girando em torno dele, e as estrelas permanecendo fixas em uma esfera extremamente distante. Esse modelo teve pouquíssimos defensores na época, Seleuco da Babilônia (século II A. C.) foi um deles. Depois essa idéia caiu no esquecimento, e foram necessários quase dois mil anos até que Copérnico viesse a lhe dar novo alento.

No século II de nossa era, viveu o astrônomo, geógrafo e matemático, Cláudio Ptolomeu, sobre o qual não se tem nenhuma informação biográfica, mas cuja obra, o Almagesto, influenciou o mundo e escorou a idéia geocêntrica até meados do século XVII. (A palavra Almajisti surgiu por influência de astrônomos árabes do século IX, que adicionaram o artigo definido árabe al ao superlativo grego Megiste. Antes disso, a obra era conhecida como Ho megas astronomos – O grande astrônomo, mas, na verdade, o título original foi He mathematike syntaxis.)

O grande mérito do Almagesto – e sem dúvida a razão da profunda influência que causou – foi sua natureza enciclopédica. Como já dissemos, a obra sintetizou os resultados de toda a astronomia grega. Ela inclui os trabalhos de Hiparco (provavelmente o maior astrônomo da antigüidade) e constitui a principal fonte de informações sobre este. Às 850 estrelas catalogadas por Hiparco, Ptolomeu acrescentou 172, chegando à um total de 1022.

O modelo “de Ptolomeu” posicionava a Terra no centro do Universo, estática, com todos os outros astros circulando em volta dela, na seguinte ordem: Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter e Saturno. Este sistema conseguia justificar em parte a irregularidade dos movimentos dos planetas (com seus ocasionais movimentos retrógrados, que são causados na verdade pelo movimento orbital da Terra), através de um engenhoso mecanismo hipotético: os planetas não orbitariam diretamente a terra (não estariam diretamente ligados às grandes esferas concêntricas que girariam em torno da terra – chamadas deferents ou vias de condução); os planetas orbitariam pequenos círculos (chamados epiciclos), e seriam os centros desses epiciclos que estariam ligados às grandes esferas. Assim, conforme o planeta girasse em torno do imaginário centro de seu epiciclo, ele poderia descrever, contra o fundo de estrelas, os movimentos retrógrados que podemos observar em certas ocasiões. (Podemos sem muita dificuldade constatar tais movimentos com nossos próprios olhos, ao observarmos os planetas exteriores, por diversas noites seguidas, quando estão alinhados com a terra.).

Porém o modelo de Ptolomeu (e agora falamos da parte que efetivamente pode ser atribuída a Ptolomeu) foi mais além. Ele introduziu uma terceira ordem de epiciclos (ou epiciclo do epiciclo), de forma que o planeta giraria em torno de um centro invisível, que por sua vez giraria em torno de um segundo centro invisível, que finalmente giraria em torno da Terra. Mas nem assim os movimentos celestes conseguiram ser plenamente justificados. Então Ptolomeu criou mais um conceito, segundo o qual o centro das grandes esferas (ou deferents) não estaria localizado exatamente na Terra...

E assim seguia o modelo ptolomaico, sempre mais e mais complexo, mas sem nunca conseguir explicar o que se via no céu.

Esse modelo sobreviveu à antigüidade, viu a queda do Império Romano do Ocidente, avançou através da idade média, passou pelo renascimento, assistiu à Reforma, e, somente em 1543 (dois anos antes do início do Concílio de Trento, que unificou a Contra-Reforma), veio a receber o primeiro golpe da série que traria seu fim.

Em março de 1543 foi publicado o livro de Copérnico, The Revolutionibus Orbium Coelestium, sustentando que é a Terra que gira em torno do Sol, e não o contrário. Mas o assunto estava bem longe de ser encerrado, e o Sol ainda teria que esperar muitas décadas até que a humanidade o colocasse em seu devido lugar.

Mais de meio século depois da morte de Copérnico, no dia 17 de fevereiro de 1600, em uma praça de Roma chamada Campo de Fiori, o poeta, livre pensador, filósofo e defensor do sistema heliocêntrico Giordano Bruno foi queimado vivo nas fogueiras da Igreja Católica. Ainda trinta e três anos depois dessa execução, Galileu Galilei – que formulou a lei da inércia e descobriu as luas de Júpiter – seria julgado e ameaçado com as chamas das mesmas fogueiras. Diante do calor destas, ele acabou renunciando publicamente seu apoio às idéias de Copérnico e recebeu em troca o benefício da pena de prisão perpétua. Assim, no início do séc. XVII, o sistema de Ptolomeu continuava a ser ensinado nas classes das universidades; e somente em círculos reservados a comparação entre esse sistema e o de Copérnico ocupava mentes e suscitava discussões.

No mesmo ano de 1600, na cidade de Praga, a cerca de mil quilômetros da praça onde Giordano Bruno perdia sua vida, o matemático e astrônomo alemão Johannes Kepler iniciava seus trabalhos como assistente do astrônomo Tycho Brahe. Kepler viria a utilizar os extensos dados das observações realizadas por Brahe (que morreria em 1601) sobre a posição e movimento dos planetas, e em 1609 publicaria suas duas primeiras leis: (1) As órbitas dos planetas são elipses, com o Sol ocupando um dos focos. (2) A linha que liga o planeta ao Sol varre áreas iguais em tempos iguais, conforme o planeta se move através da elipse. Era uma descrição muito mais precisa do que tudo que fora conseguido até então; admiravelmente precisa, se considerarmos que foi elaborada em um mundo que ainda teimava em acreditar no sistema geocêntrico. A terceira lei seria publicada em 1619: (3) A razão dos quadrados dos períodos de revolução para dois planetas é igual à razão dos cubos dos semi-eixos maiores de suas órbitas.

Assim, uma perfeita descrição da geometria e dos movimentos do sistema solar havia sido alcançada.

Esta nova compreensão não teve nenhum efeito direto sobre o éter que continuava sobrevivendo tranqüilo, do jeito os gregos o haviam criado: uma substância de densidade menor do que a do ar, que ocupava os espaços superiores (distantes da superfície terrestre). O mundo já sabia como os planetas se moviam (descrição), mas ainda não sabia por quê (causa, mecanismo). E, assim, ainda não havia surgido nenhum argumento contrário à idéia de que os planetas estivessem imersos no éter e de que através dele realizassem seu movimento orbital, exatamente da forma descrita por Kepler.

Indiretamente, porém, a compreensão do movimento dos astros teria profundas conseqüências sobre o éter.

As implicações teológicas do sistema heliocêntrico, por terem levado a igreja católica a combatê-lo e a dificultar sua aceitação, são um fato histórico bastante conhecido. Mas as implicações filosóficas e científicas do trabalho de Kepler vão muito além disso. A perfeita compreensão das órbitas dos planetas abriria o caminho para a síntese das três leis do movimento, para formulação da lei da gravitação universal, e (o que é mais importante para nós) para unificação da mecânica com a astronomia, ou seja, a compreensão da mecânica celeste. Esta compreensão traria, conforme veremos adiante, um novo e importantíssimo personagem à história do céu: o vácuo, por onde se movem os planetas. E o vácuo significaria o fim do antigo éter, do éter que os gregos haviam criado. Mas vamos com calma, que logo chegaremos lá.

Voltando à história, Kepler não se preocupou apenas com a descrição dos movimentos. Ele se questionou sobre o motivo de os planetas mais externos se moverem mais lentamente e levantou (já em 1597) a possibilidade de que houvesse apenas uma alma motora no centro de todas as órbitas, que é o Sol, que movimenta o planeta mais vigorosamente quanto mais próximo ele estiver, mas cuja força está quase exaurida quando age sobre os planetas externos, devido à longa distância e ao debilitamento da força que ele impõe. Mais tarde ele diria que esta força diminui proporcionalmente à distância, da mesma forma que a luz do Sol diminui proporcionalmente à distância do Sol. Ainda mais tarde, ele escreveu: Meu objetivo é provar que o máquina celeste não é um tipo de ser vivo divino, mas sim um tipo de mecanismo de relógio, ao ponto de quase todos os movimentos serem causados por uma força das mais simples. Além disso, Kepler compreendeu que as marés eram causadas pela atração da Lua e ponderou que se a força da Lua chega até a Terra, consequentemente a força da Terra deve chegar até à Lua e ainda mais longe. Ele escreveu, de forma ainda mais explícita, sobre a gravidade: Se duas pedras fossem colocadas no espaço, uma próxima da outra, fora do alcance da força (de outros corpos), então elas se juntariam... em um ponto intermediário, cada uma se aproximando da outra na proporção da massa da outra. Não é difícil ver como esses pensamentos já apontavam na direção gravitação universal, questão que algumas décadas após a morte de Kepler (que ocorreu em 1630) receberia a atenção não apenas de Newton e Hooke, mas de muitos outros cientistas.

Claro que, partindo dessa força motora de Kepler (e de suas leis segunda e terceira, que mostravam que os planetas se moviam mais rápido quando estavam mais próximos do Sol), restava ainda um longo caminho até se chegar à Lei da Gravitação Universal. O passo mais importante desse caminho foi a compreensão da mecânica do movimento circular. Como sabemos, os planetas se movem não porque alguma força os impulsiona, mas sim porque preservam (por inércia) o movimento que já tinham quando se formaram (o movimento, em outras palavras, que possuíam as partículas que os formaram). A força da gravidade do Sol apenas faz com que os planetas se mantenham em suas órbitas elípticas, ao invés de partirem para o espaço em linha reta, para nunca mais voltar; a gravidade do Sol é a força centrípeta do movimento circular (estudado por Newton). Assim, verificamos que a velocidade da órbita (que Kepler observou) não é uma proporção direta da intensidade da força da gravidade do Sol, mas sim uma relação mais complexa: a intensidade da aceleração da gravidade do sol sobre o planeta é igual ao quadrado da velocidade do mesmo dividido pelo raio de sua órbita.

Newton percorreu esse caminho, mas não sozinho. Robert Hooke (com quem teve sérias desavenças) publicou em 1674 uma teoria conceitualmente correta do movimento planetário, baseada na inércia e no equilíbrio entre duas forças: a centrífuga de um lado e a atração gravitacional em direção ao Sol de outro. O mesmo Hooke, em 1679, escreveu uma carta a Newton propondo que a atração gravitacional seria sempre inversamente proporcional ao quadrado da distância. Faltou a Hooke, porém, a habilidade matemática para dar uma exata expressão quantitativa a ambas proposições. Newton também recebeu apoio e sugestões de Edmond Halley. Na verdade, a idéia da gravidade era um tópico comum por volta de 1679, e cada um desses três cientistas, além de outros, trabalhou com o conceito. Mas, no fim, foi Newton que formulou a Lei da Gravitação Universal: matéria atrai matéria, pela razão direta das massas e razão inversa do quadrado das distâncias, publicada em sua célebre obra Principia, de 1687.

Principia conseguiu estabelecer a mecânica de funcionamento do sistema solar (o mecanismo de relógio que Kepler buscava) valendo-se não apenas da Lei da Gravitação mas também das Três Leis do Movimento: (1) (Esta lei, chamada freqüentemente de Primeira Lei de Newton, é na verdade a Lei da Inércia de Galileu) Um objeto em estado de movimento possui uma inércia que o obriga a continuar nesse estado de movimento a não ser que uma força externa haja sobre ele. (2) A relação entre a massa de um objeto m, sua aceleração a, e a força aplicada F é: F = m.a Nesta lei, a direção do vetor força é a mesma do vetor aceleração. (3) Toda ação gera uma reação de mesma intensidade e em sentido contrário.

O modelo de Newton traz finalmente à luz o fator que estávamos esperando: o vácuo. Em nossa breve história do céu, podemos verificar que, por mais diversos que tenham sido os modelos até então apresentados, nenhum deles reclamava a existência de um espaço vazio, ou vácuo, entre os corpos celestes!

Se os planetas se mantém em órbita do Sol apenas pela inércia, então nenhum tipo de atrito pode ser admitido*, pois, se houvesse atrito, os planetas desacelerariam e acabariam por cair em direção ao Sol. Se não há atrito, então não há matéria. E assim surgiu o vácuo: uma dedução apenas mecânica, consistente com a dinâmica do movimento dos planetas. Nesse sentido o vácuo era indiscutivelmente correto, e permanece inquestionável até hoje. [* A possibilidade de um arrasto mínimo nunca foi descartada. Houve inclusive, na segunda metade do século XIX, tentativas de medir este arrasto, conforme veremos adiante ao estudarmos Maxwell.]

Então os planetas se moviam através vácuo! e não do éter! Era o fim do éter antigo, aquela suposta substância menos densa do que o ar, que preencheria os espaços superiores! Daquele éter que existira no mínimo desde de Anaxágoras, no século V A. C., que fora defendido por Aristóteles e pelos diversos filósofos do século IV A. C., que sobrevivera dois mil anos, que chegara praticamente intacto ao século XVII, e que encontrara em Descartes (1596-1650) um de seus últimos defensores.

Descartes utilizou o termo éter de forma muito similar à dos gregos. O filósofo francês, como Aristóteles, não acreditava na existência do vácuo (A natureza abomina o vácuo... Lembra-se o leitor desta frase de Aristóteles?). Descartes concebia o éter como uma substância que, na ausência de outras, preencheria todos os espaços. É curiosa esta semelhança de pensamento entre Descartes e Aristóteles, cuja proposta filosófica do conhecimento o francês combateu e ajudou a tornar ultrapassada.

A história do éter na época de Descartes tende a ser obscurecida pela maior importância dos acontecimentos posteriores (do século XIX). Provavelmente por isso, certas pessoas ficam admiradas ao saber que os conceitos de éter da metade do século XVII eram ainda muito similares aos da antigüidade, que o éter dessa época era realmente uma substância que se opunha ao vácuo.

Uma obra que ilustra claramente essa dicotomia éter x vácuo é The Sceptical Chemist, publicado por Boyle em 1661. Nela, entre muitos outros assuntos, o naturalista inglês argumenta contra a idéia do éter, por não haver encontrado evidência experimental de sua existência, e defende a idéia do vácuo, cuja existência havia sido indicada por muitas de suas experiências.

Essa discussão acabou quando Newton possibilitou que o vácuo ocupasse os céus, expulsando o éter... Nesse momento, se o éter, nosso personagem principal, tivesse temperamento rígido e insistisse em manter sua personalidade original inalterada, teria desaparecido para sempre. Mas, muito longe disso, ele tem a flexibilidade e a perseverança de certas pessoas, que, após o desastre, mudam de cara e retornam à cena. Assim, a saga de nosso éter estava na verdade apenas começando; seus anos de glória ainda estavam por vir.

Voltando à história, o vácuo, que dera fim ao antigo éter, trouxera um problema adicional: como a luz conseguia atravessá-lo? Como ela fazia para chegar do sol até a Terra? ou das estrelas até a Terra?

Na verdade, isso não era bem um problema. Não ainda. Como no final do século XVII ninguém ainda sabia exatamente o que era a luz (apesar de todos terem opiniões a respeito), poucos estavam preocupados em com a questão de como ela fazia para atravessar o vácuo (Hooke e Huygens eram honrosas exceções). [Se eu adiantasse para o leitor que a resposta para esse problema (que ainda não era problema) viria a ser o novo éter, talvez ele achasse cômico. Mas tenhamos um pouco de paciência, e chegaremos lá.]

Coincidentemente ou não, Newton, que dera o impulso decisivo para o vácuo ocupar todo o espaço, acreditava que a luz (artigo publicado em 1672, quinze anos antes de Principia) era constituída por um feixe de partículas, que, como tal, poderia atravessar o vácuo sem qualquer dificuldade.

E aqui chegamos ao debate sobre a natureza da luz, que se iniciou no século XVII e só foi resolvido no século XIX*: A luz é partícula ou onda? [*No século XX esse debate ressurgiria, com características inteiramente distintas, conforme veremos adiante.]

Poucas coisas da natureza conseguem ser mais diferentes entre si do que uma partícula e uma onda: Ondas podem se propagar umas através das outras, partículas não. Partículas transferem matéria ao longo de seu percurso, ondas não. Ondas podem atravessar orifícios ou vãos menores do que elas próprias, partículas não. Acima de tudo, partículas, como qualquer massa, não precisam de um meio para se “locomover”: De acordo com a Lei da Inércia, uma massa em movimento continuará nesse movimento até que uma força aja sobre ela; e, assim, uma massa não apenas pode atravessar o vácuo absoluto, como terá mais facilidade para fazê-lo do que para atravessar qualquer meio existente. Uma onda, pelo contrário, necessita absolutamente de um meio de propagação: as ondas mecânicas que vemos na superfície de um lago, ou as que sentimos sob os pés ao marchar sobre uma pequena ponte, ou as ondas sonoras no ar, todas se propagam através de um meio definido.

Assim, se a luz fosse efetivamente um feixe de partículas (como acreditava Newton), sua propagação pelo vácuo espacial não representaria nenhum problema; e a palavra éter teria sido esquecida, como tantas outras palavras gregas, sem nunca chegar a ter a importância que teve. Mas a luz não se deixaria elucidar assim tão facilmente; sua natureza ondulatória já havia sido sugerida por diversos experimentos e já possuía fortes defensores, entre eles Robert Hooke e Christian Huygens.

Robert Hooke, mais conhecido por sua lei sobre elasticidade [Lei de Hooke: para pequenas deformações, a intensidade da força (ou carga) é proporcional à deformação], já havia descoberto dois fenômenos que indicavam a natureza ondulatória da luz: um deles foi interferência (descoberta também, independentemente, por Robert Boyle) o outro foi a difração. Ele já havia efetivamente sugerido, em sua Micrografia (1665), uma teoria ondulatória para a luz; e, em 1672, havia proposto que a direção de vibração fosse perpendicular à direção de propagação.

Então chegamos à grande questão: se a luz não era um feixe de partículas, como propunha Newton, mas sim uma onda, como propunha Hooke, como podia ela atravessar o vácuo entre o Sol e a Terra? E a resposta, como o leitor já deve estar imaginando, era: o éter.

A idéia básica de éter era simples: O vácuo, o espaço entre O Sol e os Planetas, não seria um vazio absoluto, mas estaria inteiramente preenchido por uma substância transparente, sem peso, que não causaria atrito aos corpos que viajassem através dela, indetectável por meios químicos ou físicos, e elástica. Esta substância seria o éter: o meio elástico através do qual a luz se propaga. Para sermos mais precisos, é importante ressaltar que o éter não era admitido apenas no vácuo, mas universalmente, tanto no vácuo como permeando toda a matéria que existe. Conforme veremos adiante, havia fortíssimos motivos para imaginá-lo assim.

Essa é a idéia do (novo) éter que surgiu a partir da segunda metade do século XVII.

Ao lado de Hooke, outro defensor da natureza ondulatória da luz foi o cientista holandês Christiaan Huygens (1629-1695). Huygens explicou a refração e a reflexão através do princípio atualmente conhecido como Princípio de Huygens: Na propagação destas ondas, cada partícula do éter não só transmite o seu movimento à partícula seguinte, ao longo da reta que parte do ponto luminoso, mas também a todas as partículas que a rodeiam e que se opõem ao movimento. O resultado é uma onda em torno de cada partícula e que a tem como centro (Publicado em 1690 em seu Tratado da Luz). Assim, a luz se propagaria através do éter como uma série de ondas de choque, e cada ponto da frente de onda atuaria como uma nova fonte, gerando uma nova frente de onda esférica. Huygens foi também um dos primeiros a acreditar que a velocidade da luz não fosse infinita.

Nesta altura, já é bastante claro o contraste entre as idéias de Newton, por um lado, e Hooke e Huygens, por outro, com relação à natureza da luz. Essa diferença de concepção leva certas pessoas até hoje a crer erroneamente que Newton opunha-se à idéia de éter. Para evitar confusões, é necessário esclarecer bem de qual éter se está falando.

De fato, Newton decretou – através do estabelecimento do vácuo espacial – o fim do antigo conceito de éter, aquele que, nas concepções de Descartes e Boyle, se opunha ao vácuo. Porém, com relação ao éter de Hooke e Huygens, a posição de Newton não é nem um pouco clara.

Como já sabemos, Newton não necessitava de um éter para explicar a propagação da luz no vácuo, ou éter luminífero. Ele tinha, porém, opinião favorável, ou no mínimo ambígua, sobre a existência de outros tipos de éter, cuja finalidade não era servir de meio de propagação para a luz, mas justificar outros tipos de aparente ação à distância, como a eletricidade estática, ou a própria gravidade.

A questão da ação à distância foi um assunto importante no século XVII, e sua existência era considerada impossível pela filosofia mecanicista dominante na época, que preferia explicar esse tipo de ação através de diversos tipos de éter.

A ação da gravidade através do espaço vazio, por exemplo, era inteiramente inadmissível para muitos contemporâneos de Newton. E, na verdade, a questão incomodava até o próprio Newton. Em uma carta citada por Faraday, Newton diz: É inconcebível que a matéria bruta inanimada possa, sem a mediação de algo mais que não é material, agir sobre e afetar outra matéria, sem contato mútuo (...) Que a gravidade seja inata, inerente e essencial à matéria, de modo que um corpo possa atuar sobre outro à distância, sem a mediação de algo mais, por meio do qual e através do qual suas ações e forças possam ser conduzidas de um para outro, é para mim um absurdo tão grande, que eu acredito que nenhum homem dotado de competência para pensar em assuntos filosóficos possa jamais cair nele.

Apesar de Newton nunca ter proposto um “éter gravitacional” (ele preferia admitir como suposição que a gravidade pudesse ser causada por algum tipo de partícula não detectado), ele admitiu um éter para justificar outros fenômenos, como a atração da eletricidade estática (1675), conceito que depois abandonou (por volta de 1679), mas que voltou a adotar em 1717, na segunda edição de Opticks.

Portanto está inteiramente errada a idéia freqüentemente ouvida de que Newton era contra o éter.

Seguindo com nossa história, ainda no século XVII, no ano de 1669, o cientista dinamarquês Erasmus Bartholin (1625-1698) descobriu o fenômeno da birrefringência (ou dupla refração) dos cristais de calcita: ao se observar uma imagem (uma linha em um papel, por exemplo) através de um cristal de calcita, a imagem aparece duplicada.

Hoje sabemos que a luz é constituída por ondas transversais (perpendiculares à direção de propagação, conforme havia proposto Hooke), e que essas ondas transversais, ao atravessarem o cristal de calcita, são polarizadas em apenas duas direções, tendo cada uma delas uma velocidade de propagação (através do cristal) diferente. Esta é, portanto, a explicação da imagem dupla que se observa através da calcita. Mas, na época, ninguém conseguiu utilizar adequadamente a descoberta de Bartholin. Huygens não chegou a entender o fenômeno, pois este era incoerente com sua forma de imaginar as ondas de luz (Huygens acreditava que as ondas de luz eram longitudinais, como as ondas sonoras ou como as ondas de choque). Newton, pior ainda, utilizou o fenômeno para argumentar a favor de sua teoria corpuscular da luz. Ele escreveu, na segunda edição de Opticks, que essas partículas teriam “lados” e que portanto poderiam exibir propriedades que dependem de direções perpendiculares à direção do movimento.

Após as importantíssimas descobertas do século XVII, a história do conhecimento da luz entra num período de estagnação que persiste praticamente por todo o século XVIII, com aceitação generalizada da teoria corpuscular de Newton. Não que a teoria ondulatória tenha desaparecido inteiramente; ela continuou a ser estudada por diversos acadêmicos, entre os quais o matemático suíço Leonhard Euler (1707-1783), que, em 1760, sugeriu que um mesmo éter serviria de meio de propagação tanto da luz como dos fenômenos elétricos, antecipando as descobertas de Ampère, Faraday e Maxwell no século seguinte. Mas esta foi uma inspiração isolada e marginal.

A história é repleta de demonstrações da susceptibilidade do espírito humano, e uma delas é o fato de a teoria corpuscular da luz, de Newton, ter-se imposto por quase cem anos, contrariamente a inúmeros resultados experimentais. É difícil não associar o sucesso dessa teoria à enorme influência do nome de Newton, obtida por suas descobertas no campo da mecânica e da gravitação.

Se o leitor me permite uma reflexão sobre esse poder de influência da autoridade reconhecida, eu creio que ele demonstra uma insegurança inerente ao ser humano, que o leva a separar o bem e o mal em compartimentos estanques; uma insegurança da qual nem os cientistas escapam, e que ocasiona generalizações falaciosas como: “quem é certo, é certo sempre; quem é errado, é errado sempre” (generalizações inconscientes e interiores, mas não por isso menos efetivas). O maniqueísmo, mais que uma doutrina filosófica, parece ter sido a expressão de algo que está irremediavelmente dentro de todos nós. Pena que esta separação entre bom e mau seja tão desconexa da realidade do mundo, onde o bem precisa conviver eternamente com o mal, em uma dicotomia essencial a ambos.

Voltando à nossa história, a teoria corpuscular conseguiu chegar ao século XIX. [Um de seus renitentes defensores, que se manteve fiel a ela até o fim da vida, foi o matemático, físico e astrônomo francês Pierre-Simon Laplace (1749-1827), que teve posição dominante na ciência de seu país até por volta de 1820.] Porém, já nos primeiros anos do século XIX, a história havia começado a mudar definitivamente em favor da teoria ondulatória.

O médico, físico e egiptólogo inglês Thomas Young (1773-1829) projetou em uma tela a luz que passava por dois pequenos orifícios próximos, e obteve assim as famosas figuras de interferência, com faixas claras alternadas com faixas escuras. Young deu nova vida à teoria ondulatória. Ele associou cores a comprimentos de onda e calculou os comprimentos de onda das sete cores reconhecidas por Newton. Em 1817 ele propôs que as ondas luminosas eram transversais à direção de propagação e, com isso, conseguiu finalmente entender a experiência de Bartholin com a calcita, explicando que a polarização é o alinhamento das ondas transversais de forma a vibrarem em um mesmo plano.

A partir dos estudos de Young, o físico francês Augustin-Jean Fresnel (1788-1827) fortaleceu muito a teoria ondulatória dando a ela um tratamento matemático (por volta de 1815). Seus estudos sobre as superfícies de onda tiveram grande influência entre físicos e matemáticos. Trabalhando em conjunto com Dominique F. Jean Arago (1786-1853) ele descobriu que dois raios de luz polarizados em direções perpendiculares não geram interferência. Esta foi uma das mais contundentes provas não apenas da natureza ondulatória da luz, como do fato de suas ondas serem transversais à direção de propagação.

Este fato (de as ondas serem transversais) era mais um forte argumento em favor da existência de um éter, pois ondas transversais precisam de um meio especial, com um tipo particular de elasticidade, para se propagar; uma elasticidade que não existe em gases nem em líquidos (como o ar ou a água, que podem transmitir ondas longitudinais, mas não ondas transversais*). Assim, para se explicar a propagação da luz através da água e do ar, era necessário imaginar um meio elástico que permeasse esses materiais.
[*Obs.: as ondas da superfície da água são um fenômeno particular, restrito à interface ar-água.]

De acordo com essa idéia, as ondas de luz que atravessam o ar, ou a água, não estariam sendo propagadas pelo próprio ar, ou pela própria água, mas pelo éter, que permearia esses materiais; um éter presente universalmente, tanto no vácuo como permeando toda a matéria que existe. (Um éter que deveria ter propriedades de elasticidade similares às de um sólido).

Este raciocínio foi apenas um dos motivos para o éter ser admitido não apenas no vácuo espacial, mas permeando tudo, universalmente. O motivo principal já existia muito antes da demonstração de que as ondas eram transversais, e se resume ao seguinte: Os planetas estão continuamente, em seu movimento pelo espaço, em suas órbitas em torno do Sol, atravessando o éter. Ao atravessar o éter, eles não sofrem nenhum tipo de atrito (como vimos ao falar de Kepler e Newton), nem causam no éter nenhum tipo de arrasto* ou turbulência. A ausência de turbulência tanto pode ser deduzida do fato de não haver atrito, como pode ser verificada na prática: Quando um planeta, ou uma estrela distante, é ocultado pela Lua (ocultação de um astro significa a interposição da Lua ou de um planeta entre ele e a Terra), podemos observar que imediatamente antes e imediatamente depois da ocultação não ocorre nenhuma perturbação na imagem do astro ocultado. Se a Lua causasse turbulência no meio de propagação da luz, evidentemente a imagem do astro ocultado seria afetada por essa turbulência. A ausência de turbulência leva à única conclusão possível de que a Lua atravessa o éter sem afetá-lo, ou, em outras palavras, que o éter é absolutamente permeável à Lua. E, então, chegamos à óbvia conclusão final de que toda a matéria da Lua, e de todos os planetas, está permeada de éter. (* A possibilidade de um arrasto mínimo nunca foi descartada. Houve inclusive, na segunda metade do século XIX, tentativas de medir este arrasto, conforme veremos adiante ao estudarmos Maxwell.)

Com os trabalhos de Young, Fresnel e Arago, estava começando o século de ouro do éter. Gradualmente, os mais importantes cientistas da época foram aderindo à teoria ondulatória e à idéia da existência do éter luminífero.

Ao leitor que esteja um pouco cansado, devo reconhecer que esta história da luz é de fato um pouco longa. Mas tenhamos um pouco mais de paciência, que logo chegaremos a Maxwell e o quadro completo estará formado; então o esforço da leitura estará amplamente recompensado. Antes, porém, é necessário examinarmos uma história paralela, a história da eletricidade e do magnetismo, que pouco a pouco vão se mesclando entre si, e se mesclando com a luz, até se tornarem uma coisa única.

André-Marie Ampère (1775-1836) já em 1816 defendia com veemência a teoria ondulatória. Ao saber do experimento do físico dinamarquês H. C. Orsted, realizado em 1820, onde uma agulha magnética é desviada pela passagem de corrente elétrica em um fio próximo, Ampère interessou-se pela relação entre eletricidade e magnetismo. Apenas uma semana depois, ele demonstrou a atração ou repulsão entre dois fios eletrificados paralelos, dependendo de as correntes estarem em sentidos iguais ou opostos. Ele também demonstrou que a força magnética em volta de um fio elétrico era circular, e produzia uma espécie de cilindro em torno do fio. Ampère criou um instrumento utilizando uma agulha para medir o fluxo elétrico, tornando-se o primeiro homem a desenvolver uma técnica para medir a eletricidade. Seu trabalho mais importante foi a descrição matemática da força magnética produzida por uma corrente elétrica, descrição que ficou conhecida com Lei de Ampère.

Continuando no caminho aberto por Ampère, o químico e físico inglês Michael Faraday (1791-1867) compreendeu, em 1821 (a partir da descrição de Ampère da força magnética circular que forma um cilindro em torno do fio com corrente elétrica), que se fosse possível isolar um polo magnético, este seria compelido a girar constantemente em um circulo em torno do fio com corrente. Esta idéia é a base do motor elétrico, um aparelho que transforma energia elétrica em energia mecânica. Em 1831, Faraday fez sua mais importante descoberta (que era o oposto do que havia descoberto dez anos antes): um imã podia induzir corrente em um fio condutor. (A indução de corrente ocorre em certas condições, por exemplo em um fio condutor próximo a um eletroímã cujo campo magnético aumenta ou diminui, ou em uma espiral de um fio condutor, quando um imã permanente se move para dentro e para fora da mesma) A partir dessa descoberta ele conseguiu transformar energia mecânica em energia elétrica, e criar o primeiro dínamo. A relação quantitativa entre a mudança no campo magnético e o campo elétrico criado por esta mudança recebe o nome de Lei de Faraday.

Podemos acompanhar como pouco a pouco os fenômenos do magnetismo e da eletricidade foram sendo relacionados, e como foi sendo aberto o caminho para Maxwell e para as ondas eletromagnéticas; porém ainda faltava associar a luz a estes dois fenômenos.

Coube ao próprio Faraday dar o primeiro passo nesse sentido: em 1945 ele demonstrou que um campo magnético podia girar o plano de polarização da luz, fenômeno conhecido como Efeito Faraday.

Mesmo antes dessa experiência, Faraday já acreditava – assim como acreditara Euler mais de meio século antes – que um mesmo éter servia como meio de propagação não apenas da luz, mas também de energias e forças elétricas e magnéticas. Esta visão foi relativamente bem aceita por seus contemporâneos, e tornou-se unânime em 1884, quando as ondas eletromagnéticas de Maxwell foram finalmente compreendidas e acatadas pela comunidade científica.

Faraday acreditava que o éter era composto por partículas discretas, não identificadas, carregadas positiva e negativamente, ligadas elasticamente umas às outras. (Devemos recordar que, a partir da constatação de que as ondas de luz são transversais, o éter obrigatoriamente deveria ter características de elasticidade similares às de um sólido.) Ele escreveu em 1838: “... a indução elétrica é uma ação das partículas contíguas do meio isolante ou dielétrico. Nota: eu uso a palavra dielétrico para expressar essa substância através da qual, ou por meio da qual, as forças elétricas agem”.

Paralelamente a todas essas descobertas, Faraday trouxe para nossa ciência uma outra contribuição menos óbvia: a idéia de campo. Neste trabalho eu tenho empregado freqüentemente a idéia de campo; tenho-a empregado porque para nós, do início do século XXI, é extremamente natural e fácil pensar em termos desse conceito. Mas, na realidade, a idéia de campo ainda não existia naquela época! Vejamos um exemplo: para nós, a visualização da descoberta de Ampère, das forças magnéticas formando círculos em volta de um fio elétrico, e produzindo uma espécie de cilindro em torno do fio, é algo natural e intuitivo; porém, para os contemporâneos de Ampère, a idéia de tais forças presentes fora de um corpo era muito menos fácil de aceitar ou visualizar. A maioria deles associava essas forças circulares a vórtices de éter girando em torno do fio elétrico.

Faraday estendeu a noção de tais forças usando a expressão Linhas de Força (desde 1821, no mínimo) Um exemplo dessas linhas de força são as “forças” que existem em torno de um imã (que hoje nós chamamos de campo magnético), e que podemos enxergar facilmente ao segurar uma folha de papel sobre um imã e despejar limalha de ferro sobre o papel. A limalha se orienta em linhas características, que vão de um polo a outro. (Essa experiência com a limalha já era bastante conhecida antes de Faraday, mas ninguém havia tirado dela grande proveito.)

Em 1831, Faraday publicou o primeiro artigo de uma série entitulada Experimental researches on electricity, no qual as Linhas de Força têm importância central. Mais tarde, essas Linhas de Força receberiam um tratamento matemático por Lord Kelvin (1824-1907). Por volta de 1850, tentando explicar o comportamento das linhas de força, Faraday desenvolveu uma nova visão de éter, atribuindo a este certos estados de tensão e pressão. O éter teria tensões no sentido das linhas de força, e pressões em todas as direções perpendiculares a elas.

A teoria das Linhas de força continham a idéia de que para cada ponto do espaço, em volta de um imã, existe definida uma possível ação ou força; uma ação ou força que seria experimentada por um outro imã se ocupasse aquela posição. Esta idéia já é, por si, um conceito de campo.

Partindo dessas teorias das Linhas de força elétricas e magnéticas, James Clark Maxwell (1831-1879) chegou à compreensão e à descrição matemática do eletromagnetismo. Em 1855 e 1856 ele apresentou publicamente sua formulação matemática das idéias físicas de Faraday. Maxwell estudou a ação reciproca dos campos elétrico e magnético, e a forma como uma alteração em um campo magnético produz um campo eletromagnético induzido. Através desses estudos ele descobriu que (teoricamente) poderiam haver ondas transversais no meio dielétrico (dielétrico quer dizer isolante, e o meio dielétrico era o éter), e foi assim, teoricamente, que ele previu a existência das ondas eletromagnéticas. Mais tarde ele calculou que a velocidade de propagação de tais ondas deveria ser próxima à velocidade da luz. Por volta de 1862 ele escreveu: Dificilmente podemos evitar a conclusão de que a luz consiste nas ondulações transversais do mesmo meio que é a causa dos fenômenos elétricos e magnéticos. Por fim, em 1864 ele concluiu: luz e magnetismo são resultados de uma mesma substância, (...) a luz é um distúrbio eletromagnético propagado através do campo de acordo com as leis do eletromagnetismo.

Finalmente, o éter luminífero e éter elétrico haviam se tornado um só. Maxwell acreditava que esse éter deveria causar algum pequeno arrasto nos corpos celestes que o atravessam, e propôs experimentos para medir esse arrasto. Chegou a tentar medir o efeito desse arrasto no movimento da Terra, mas não obteve sucesso. Maxwell descrevia a permeabilidade do éter à matéria comparando aquele à água e esta à uma rede de pesca: “a água do mar passa através da malha da rede, conforme ela é puxada pelo barco.”

A teoria de Maxwell demorou mais de vinte anos para ser compreendida e aceita, e só o foi graças ao trabalho do físico alemão Heinrich Hertz (1857-1894), que em 1884 mostrou a dedução da teoria do eletromagnetismo por um novo método e colocou suas equações na forma atual. Reconhecidamente, foi somente após a leitura do artigo de Hertz que a maioria dos cientistas da época compreendeu essa teoria. Alguns anos mais tarde, entre 1886 e 1889 esse físico alemão conseguiu produzir e estudar ondas eletromagnéticas em laboratório (rádio e microondas), e provou que estas têm propriedades de reflexão, refração, difração e interferência iguais às da luz. O mundo entrava definitivamente na era do eletromagnetismo.

No início da década de 1880, a existência do éter era admitida pelos principais cientistas da Terra, e muitos deles concebiam experiências para tentar provar sua existência. Entre estes estavam Maxwell, Fizeau (antes de 1880), Michelson, Morley, e até o próprio Einstein, além de muitos outros. Quando eu tento imaginar como era o mundo naquela época e o que se passava na cabeça daqueles homens, me parece improvável que algum deles pudesse sequer desconfiar que o glorioso éter unificado já estivesse com seus dias contados. Mas estava, e seu destino seria precipitado pela famosa questão da velocidade da luz.

Algumas décadas antes das experiências de Hertz , por volta de 1850, os franceses Armand Fizeau (1819-1896) e Jean Foucault (1819-1868; o mesmo que ficou célebre por comprovar a rotação da terra através de um pêndulo) haviam conseguido medições da velocidade da luz com uma margem de erro de apenas um porcento. Eles haviam também demonstrado que a velocidade da luz na água era inferior à velocidade da luz no ar. Esses resultados tiveram diversas conseqüências:

A primeira foi favorecer a, já universalmente aceita, teoria ondulatória da luz. Retomemos por um instante às teorias da natureza da luz: corpuscular e ondulatória. Newton explicava a refração, em sua teoria corpuscular, propondo que as partículas de luz seriam atraídas pelo meio de maior densidade. Segundo esta idéia, a luz deveria ter velocidade maior nos meios de maior densidade. A teoria ondulatória (desde Huygens) tinha uma expectativa contrária, e dizia que a geometria do raio de luz, ao passar de um meio para outro, poderia ser explicada se a luz tivesse uma velocidade menor nos meios de maior densidade. Portanto o resultado experimental da velocidade da luz em diversos meios deu razão, mais uma vez, à teoria ondulatória.

A segunda conseqüência, porém, foi o surgimento de novos problemas. Como já vimos, a luz consiste em ondas transversais, cuja propagação exige um meio com características de elasticidade similares às de um sólido. Pois bem, a enorme velocidade da luz no vácuo exigia uma também enorme rigidez elástica do éter. Era difícil imaginar como um  meio poderia ser tão rígido à luz e ao mesmo tempo tão permeável aos corpos. Esta questão jamais foi solucionada. Além disso, se a água era perfeitamente permeável ao éter e à luz, como explicar a diferença de velocidade da luz no vácuo e na água? Esta questão também não foi solucionada.

As técnicas para medir a velocidade da luz foram se aperfeiçoando e, na década de 1880, chegaram à um grau de precisão que permitiria a constatação do efeito do movimento da Terra sobre a velocidade da luz, e este seria o golpe que acabaria por transformar o éter em um conceito considerado obsoleto.

Para entender esta importantíssima experiência, vamos imaginar que estamos dentro de um pequeno barco de alumínio sobre um lago. Nosso barco representa a terra; a água do lago representa o éter. Por acreditarmos na idéia de que a Terra passa através do éter sem qualquer atrito, vamos imaginar que nosso barco é um barco-fantasma, e que nós também somos fantasmas. Vamos imaginar que todos passamos através água como se não existíssemos.

Pois bem, enquanto nosso barco ainda está parado, nós fazemos a primeira experiência: começamos a fazer ondinhas na superfície da água, exatamente no meio do barco, com uma vareta, que é o único objeto dentro do barco que não é fantasmagórico. (Nossa capacidade de segurar essa vareta mesmo sendo fantasmas é uma inconsistência que eu não consegui solucionar; portanto conto com a boa vontade do leitor para fingir que não reparou nela). As ondas avançam livremente em todas as direções, passando através de nossas canelas-fantasmas e do casco-fantasma do barco. Nós então medimos a velocidade de propagação dessas ondas, em todas as direções, e contatamos que a velocidade é sempre 10 km/h. As ondas saem do centro e chegam até a proa a uma velocidade de  10 km/h. Saem do centro e chegam também à popa, chegam ao lado direito do barco, e chegam ao lado esquerdo do barco, sempre a 10km/h. Ótimo! A experiência foi um sucesso! Verificamos que a velocidade absoluta de propagação daquela onda, naquele meio, é 10km/h. E, como estávamos parados, a velocidade (relativa ao barco) em todas as direções também foi 10km/h.

Muito bem. Agora vamos fazer nosso barco-fantasma andar lentamente, à uma velocidade de apenas 1 km/h, e vamos repetir a experiência. Qual resultado esperamos obter? Evidentemente, esperamos que, ao medir a velocidade de propagação das ondas do centro até a popa (a traseira), obtenhamos 11 km/h. Claro, pois se as ondas se movem através da água, do centro para a popa, a uma velocidade de 10 km/h, e a popa se move de encontro às ondas à uma velocidade de 1 km/h, então a velocidade relativa entre a popa (assim como o barco inteiro e tudo que está dentro dele) e as ondas que se propagam em direção à popa é 11 km/h.

De maneira oposta, a velocidade que esperamos medir para as ondas que vão do centro até a proa (a dianteira) é 09 km/h. Pois, se a onda se move do centro para a proa a uma velocidade de 10 km/h, e a proa se move no mesmo sentido à uma velocidade de 1 km/h, então a velocidade relativa entre a proa (assim como o barco inteiro e tudo que está dentro dele) e as ondas que se propagam em direção à proa é 09 km/h.

Analogamente, quando formos fazer nossa terceira medição, em direções próximas à direção das laterais do barco, esperamos medir velocidades próximas de 10 km/h.

Bem, esses são os resultados esperados. E, se pudéssemos realmente virar fantasmas, entrar num barco-fantasma e realizar essa experiência, com certeza chegaríamos exatamente a esses resultados. Porém, se o barco-fantasma for apenas uma analogia da Terra, e as ondas uma analogia da luz, chegaríamos a um resultado muito diferente, e surpreendente. Tal experiência foi feita, e seu resultado foi algo que ninguém jamais havia imaginado.

A célebre experiência de Albert Michelson e E. Morley era em essência idêntica à nossa experiência com o barco. Ela consistia em analisar a luz de uma fonte terrestre (que eqüivale à varetinha), e medir suas diferentes velocidades: a velocidade da luz que se move no sentido do movimento da terra (eqüivale às ondinhas que vão em direção à proa); a velocidade da luz que se move no sentido contrário ao movimento da terra (eqüivale às ondinhas que vão em direção à popa); a velocidade da luz que se move no sentido perpendicular ao movimento da terra (ondinhas que vão em direção à lateral do barco). É importante lembrar que, devido ao fato de estarmos presos à terra (que eqüivale ao barco-fantasma), todas as velocidades da luz medidas seriam velocidades da luz em relação à Terra.

A Terra se move em torno do Sol a uma velocidade de 29 km/s, e isto deveria representar uma variação da velocidade da luz significativamente maior do que a margem de erro das medições realizadas da época. A diferença entre a velocidade média da luz e as velocidades mínima e máxima medidas seria uma prova e uma quantificação do próprio deslocamento da terra através do éter

Não foram Michelson e Morley que conceberam essa experiência. A idéia dela era antiga. (Até mesmo Einstein relata ter idealizado em sua juventude um experimento desse tipo, que nunca foi colocado em prática.) A principal contribuição desses cientistas foi o aperfeiçoamento da técnica das medições e a qualidade dos resultado auferidos. O próprio Michelson já havia realizado experiências semelhantes, com resultados semelhantes, em 1881.

Foi, porém, o resultado da experiência de Albert Michelson e E. Morley, realizada em 1887, que conseguiu convencer o mundo científico, e que, por isso, entrou para a história. Essa experiência mostrou que a velocidade da luz era a mesma em qualquer direção relativa ao movimento da Terra em sua órbita. A velocidade era sempre a mesma: tanto na direção do movimento da Terra; como na direção contrária ao movimento da Terra; como em direções perpendiculares ao movimento da Terra. Seria como se, em nosso barco-fantasma, mesmo movendo-nos à velocidade de 1 km/h, a velocidade de propagação das ondas continuasse a ser 10 km/h, em todas as direções.

A experiência foi repetida em diversos meses do ano (portanto em diversos pontos da órbita da Terra em torno do Sol) e o resultado foi sempre o mesmo.

O físico holandês Hendrik Antoon Lorentz (1853-1928), que havia duvidado do resultado da experiência de Michelson de 1881, levou muito a sério o resultado da de 1887. Ele tentou explicar essa aparente uniformidade da velocidade da luz através de uma contração do tamanho dos corpos ao se movimentarem pelo éter, proporcional ao quadrado da razão de suas velocidades pela velocidade da luz. FitzGerald propôs uma teoria quase idêntica, que acabou conhecida como a contração de Lorentz-FitzGerald.

Em 1989, o Engenheiro, Matemático e Físico Francês Jules Henri Poincaré (1854-1912) afirmou que não temos intuição direta sobre a igualdade de dois intervalos de tempo, já apontando na direção da Relatividade Restrita, onde a constância de velocidade da luz é explicada sem a necessidade de contrações de tamanho, mas alterando-se a percepção do tempo. O mesmo Poincaré, em 1900, questionou a existência do éter, e, em 1904, sugeriu que, considerando-se que não existe repouso absoluto nem movimento absoluto, diferentes observadores em diferentes situações poderiam ter relógios que marquem diferentes tempos.

Em 1905 Einstein publicou a Teoria da Relatividade Restrita afirmando que a velocidade da luz é constante para qualquer observador, independente de qualquer movimento da fonte ou do observador.

Devo admitir que a compreensão da Teoria da Relatividade não é realmente algo muito fácil; ela exige um certo esforço. Mas está muito longe de ser aquela coisa dificilíssima que alguns imaginam. Se o leitor quiser entender conceitualmente essa teoria basta prestar muita atenção na nossa analogia do barco-fantasma, apresentada nas três páginas anteriores e nas quatro páginas seguintes. (Conceitualmente, pois claro que a dedução e compreensão das equações exige substanciais conhecimentos matemáticos.) No próximo parágrafo, o leitor encontrará um exemplo do que significa “a velocidade da luz ser constante”, um exemplo que parecerá incompreensível ou até absurdo, mas que não deverá preocupá-lo (o importante é persistir e seguir em frente). Depois vêm alguns princípios, que também poderão parecer obscuros. Por fim o texto retorna ao problema do éter. Mesmo sem ter entendido ainda a re-latividade, o leitor deverá se concentrar nessa questão da relatividade x éter, pois esta é a chave para entender a relatividade. Através da analogia das ondinhas, será apresentada uma discussão sobre o que é velocidade absoluta e velocidade relativa, e, então, através do barco fantasma, a idéia básica da Teoria da Relatividade Restrita poderá ser finalmente compreendida.

Vejamos então, através de um exemplo, o que significa “a velocidade da luz ser constante”: três astronautas observam a luz de uma estrela. O primeiro está parado em relação a ela. O segundo está se aproximando dela à incrível velocidade de 150.000 km/s o terceiro se afasta da estrela, também à velocidade de 150.000 km/s. Com qual velocidade a luz da estrela atinge cada um deles? Ela atinge todos os três à mesma velocidade: 300.000 km/s (contrariamente ao que o senso comum e a cinemática clássica sugeririam).

O principio básico da Teoria da Relatividade Restrita é que “todo movimento uniforme (não acelerado) é relativo” ou, em outras palavras, que não existe um sistema de referência inercial (não acelerado) absoluto, ou ainda, que “qualquer movimento deve ser considerado apenas movimento relativo”.

As conseqüências dessa teoria são muitas, e a aposentadoria do éter é apenas uma delas. Mas, afinal, por que a Relatividade Restrita aposentou o éter? (Vamos compreender esta idéia passo a passo.)

Primeiro recordemos o que era o éter: um meio elástico, impalpável e indetectável, através do qual a luz se propagaria. (Antes de Newton, o éter fora um substância muito pouco densa, que se opunha ao vácuo. Este éter, porém, já estava aposentado desde 1687.) Esse meio impalpável já antes da experiência de Michelson-Morley tinha sérios “problemas”: evidências teóricas e experimentais contrarias à sua existência. Vejamos algumas: ele precisaria apresentar propriedades elásticas similares às de um sólido (pois as ondas de luz são transversais e só poderiam se propagar em um meio com características de sólido); apesar de ser extremamente permeável aos corpos, ele precisaria apresentar extrema rigidez elástica para a luz (para justificar a enorme velocidade de propagação desta); sua existência nunca havia sido verificada ou indicada, direta ou indiretamente, por qualquer das experiências realizadas com essa finalidade.

Apesar de tudo isso, o éter continuava, no final do século XIX, a ser aceito de forma quase unânime. Por quê? Por um único motivo: as ondas eletromagnéticas precisavam de um meio de propagação. Usando a analogia de nosso velho barco-fantasma: acreditava-se que a luz se propagaria pelo éter da mesma forma que as ondinhas se propagam pela superfície da água do lago. Dessa forma, o éter serviria como referência ao movimento da luz, assim como a água serve como referência ao movimento das ondinhas de nosso lago. Quando dizíamos que velocidade de propagação das ondinhas era
10 km/h, queríamos dizer que as ondinhas se moviam a 10 km/h em relação à água do lago.

Assim como a água de nossas ondinhas, todo meio de propagação serve como referência para as ondas que nele se propagam. Vejamos um outro exemplo: se fizermos ondinhas na superfície de um aquário que está apoiado sobre o chão, as ondinhas se propagarão a uma determinada velocidade em relação a seu meio, que é a interface ar-água. Se pegarmos o mesmo aquário, entrarmos na cabine fechada de um avião supersônico (em velocidade constante), e fizermos as mesmas ondinhas (considerando que a gravidade permanece idêntica à da primeira experiência) verificaremos que a velocidade de propagação das ondinhas em relação a seu meio continuará a mesma. O que podemos comprovar com isso é que (não importa se o meio está “se movendo” ou “estático”) quando falamos em velocidade de propagação de determinado tipo de onda, nós estamos na verdade nos falando velocidade de propagação da onda em relação ao meio. É exatamente aí que está toda a questão.

Voltemos então ao barco; vamos fazer com que nossas ondinhas se comportem como a luz. Nós estamos nos movendo à velocidade de 1 km/h. Fazemos as ondinhas com a varetinha no centro do barco e verificamos espantados que velocidade de propagação das ondas é sempre 10 km/h!!! em todas as direções!!!! como se o barco estivesse parado!!!

Parece incrível!!! Então repetimos a experiência diversas vezes, e confirmamos o resultado! Ficamos sem saber o que pensar...

Será que a água também está se movendo a 1 km/h junto conosco? Então damos meia volta com o barco, e, andando a 1 km/h na direção oposta, verificamos que a velocidade de propagação das ondas continua a ser 10 km/h, em todas as direções!!

Como isto é possível??! E agora??!

Depois de pensar muito tempo, nós começamos a reparar em um detalhe que não havíamos reparado antes: nosso lago não tem margens para servir de referência!! O tempo todo, quando dizíamos que estávamos nos movendo a 1 km/h, queríamos na verdade dizer que estávamos nos movendo em relação a um outro barco-fantasma vizinho a nós, que se chama Sol. Nós podíamos medir sem dificuldades nosso movimento em relação ao barco-Sol, e havíamos imaginado (tínhamos certeza) que poderíamos medir também nosso movimento em relação à água (ao meio de propagação das ondinhas), mas não conseguimos fazê-lo. Pelo contrário, descobrimos que a velocidade das ondinhas em relação a nós (assim como em relação a todos os outros barcos-fantasmas; todos se movendo uns em relação aos outros) é sempre de 10 km/h!

Quando conseguimos nos recuperar da surpresa, fizemos um grande esforço mental e chegamos à seguinte explicação:

Se não existe margem nem qualquer outra referência fixa (em terra firme), se as únicas referências de nosso movimento são os outros barcos, se não podemos demonstrar nosso movimento em relação à água, então na verdade não existe movimento absoluto. Todo movimento que podemos verificar é o movimento de um barco-fantasma em relação a outro, mas não podemos afirmar de forma absoluta qual está parado e qual está se movendo.

E vamos ainda mais longe:

Não havendo movimento absoluto, concluímos que nunca houve água nenhuma! Nós nunca havíamos sentido a água ou visto a água, nem comprovado sua existência através de qualquer experiência. Nós apenas imagináramos que havia a água por causa das ondinhas, pois críamos que as ondinhas se propagavam através dela. Mas que diabo de água é essa se para todos os barcos-fantasmas, que se movem em todas as direções, a velocidade relativa de propagação das ondinhas é sempre igual?

A idéia de que existe uma água para as ondinhas se propagarem perdeu sua utilidade. Como a água só havia sido imaginada para isso, ela própria perdeu sua utilidade.

Isso é a Teoria da Relatividade Restrita! (Pelo menos é um de seus muitos aspectos.)

(Mesmo que alguns considerem que o fenômeno da constância da velocidade de propagação das ondinhas continue um mistério, a existência da água não contribui em nada para solucionar esse mistério.)

E foi isso que aconteceu com o éter. Vamos abandonar definitivamente nosso barco-fantasma e fazer o último comentário sobre a Relatividade Restrita, utilizando os três astronautas citados anteriormente. Se a velocidade da luz é a mesma para os três, qual a velocidade de cada um deles em relação ao éter? E qual a velocidade da luz em relação ao éter? Como não há no universo uma referência de repouso absoluto, nem de movimento absoluto (nosso lago não tem margens), o conceito de éter “provar-se-á supérfluo”(nas palavras de Einstein).

E como fica a propagação das ondas eletromagnéticas no vácuo? Bom, isso está parcialmente solucionado. Adiante nós veremos que a física quântica atual enxerga a interação de partículas (a chegada da luz do Sol à Terra é uma forma de interação) através de partículas mediadoras; as partículas mediadoras do eletromagnetismo são os fótons; as da gravidade seriam os (jamais identificados) grávitons. Assim, a luz que atravessa o vácuo entre o Sol e a Terra não seria uma onda, mas sim uma partícula dotada de momento, chamada fóton.

Partícula? – Mas nós não vimos que o grande avanço do conhecimento da luz, e do eletromagnetismo, no século XIX foi justamente devido à comprovação da natureza ondulatória da luz? – Isso é verdade, porém as coisas começaram a se complicar a partir de 1905, quando Einstein mostrou que a luz, ao contrário do que acontece com uma onda, pode ser “quantificada” em porções discretas de energia, ou “pacotes de energia” (veja Mecânica Quântica – o que é ? no anexo 1), e propôs que a luz possuía propriedades também de partículas. Esses trabalho abriu o caminho que levaria Louis de Broglie, em 1924, à dualidade partícula-onda.

Essa dualidade partícula-onda não é (e não deve ser encarada como) algo trivial. Como vimos anteriormente, partículas e ondas são duas coisas tão diferentes entre si quanto a natureza consegue produzir. Falar em dualidade partícula-onda é como falar em dualidade Jóquei-Lutador-de-sumô, ou dualidade corinthiano-palmeirense, mas, enfim, como Hamlet bem sabia, o mundo não é tão simples quanto os nossos modelos mentais.

Assim, em 1905, o conceito de éter tornou-se obsoleto. Porém, é necessário muito cuidado. O fim do éter não significou de maneira alguma o surgimento do vazio absoluto! O vácuo continuou sendo apenas aquilo que a experiência permite constatar, ou seja, a ausência de massa e de pressão. A idéia de vazio absoluto (conforme é discutido no final deste trabalho) nunca passou de uma elucubração. Além disso, a história mostrou que as questões relativas ao vácuo estavam muito longe de haver sido solucionadas. A idéia de vácuo mudou muito de 1905 até hoje.

Antes, porém, de entrarmos na questão do vácuo, vejamos algumas confusões envolvendo o éter que surgiram após a publicação da Teoria da Relatividade Restrita.

Em 1907, o matemático Hermann Minkowski (1864-1909) percebeu que os trabalhos de Lorentz e Einstein poderiam ser melhor compreendidos em um espaço não-euclidiano; em um modelo de quatro dimensões composto pelo tempo e pelo espaço, que veio a ser chamado de continuum espaço tempo ou de espaço-tempo. O modelo foi posteriormente adotado por Einstein.

Os termos continuum espaço tempo ou espaço-tempo têm ensejado alguma confusão, levando pessoas a tomarem o que não passa de um modelo matemático por uma realidade palpável. Frases como “deformações do espaço-tempo”; “ondas gravitacionais são ondulações na textura do espaço-tempo” ou “geometria do espaço-tempo na proximidade dos buracos negros” não implicam de maneira alguma que o espaço-tempo tenha substância ou existência própria, nem muito menos que o espaço-tempo de Einstein se confunda com a antiga idéia de éter. Tais frases podem ser melhor compreendidas se comparadas com estas outras, que são mais familiares: “a geometria das curvas isotermas na região Centro-Oeste”, “destacavam-se estranhas reentrâncias e saliências nas curvas isobáricas” ou “o novo mapa do IBGE indicava modificações das curvas isopluviométricas”.

O próprio Einstein fazia questão de enfatizar isso, através de frases como: “O espaço-tempo não tem uma existência por si próprio, mas apenas como uma qualidade estrutural do campo gravitacional”. Outra frase do criador da Relatividade, que nos leva a longas reflexões é: “ Espaço e tempo não são condições em que vivemos, mas modos em que pensamos”.

Vamos então ao vácuo. As pessoas que associam a palavra vácuo à idéia de vazio absoluto devem examinar um pouco o mundo sob o ponto de vista da Física Quântica. De acordo com essa ciência, é necessário um certo intervalo de tempo para que se possa medir a energia ou massa de uma partícula. Assim, se um par elétron-pósitron surgir do nada e voltar a desaparecer (por aniquilação mútua) em um intervalo de tempo suficientemente curto, essas partículas não poderão ser observadas, nem em teoria. A impossibilidade de observá-las determina a impossibilidade de se afirmar que tais partículas não tenham existido. Este raciocínio pode parecer um tanto estranho, ou um mero exercício de retórica, mas está longe disso.

Já em 1927, o Princípio da Incerteza de Heisenberg havia levado físicos a predizer que partículas poderiam surgir espontaneamente no vácuo, desde que desaparecessem num tempo suficientemente curto. O Efeito Casimir é uma comprovação experimental de que, mesmo no vácuo mais absoluto que a tecnologia consegue produzir, “algo existe”. Hoje em dia a maioria dos físicos vê o vácuo como um lugar extremamente ativo, com diversos tipos de partículas surgindo e desaparecendo.

Essas partículas – cuja existência não pode ser positivamente afirmada ou negada, mas é sugerida a partir de cálculos quânticos probabilísticos – chamam-se partículas virtuais (veja Princípio da Incerteza, no verbete Mecânica Quântica – Interpretações da, anexo 1). É importante notar que partículas virtuais podem aparentemente violar a lei da conservação de massa-energia (veja Leis de Conservação no anexo 1). Porém, como sua existência é extremamente breve, sua energia também pode ser considerada incerta, e, portanto, a própria violação pode ser considerada incerta.

Isto não deve, de maneira alguma, dar a idéia de que partículas reais possam violar qualquer lei de conservação. No surgimento das partículas reais ou em sua aniquilação, todas as leis de conservação são respeitadas. Tomemos a conservação da massa-energia como exemplo: uma partícula e uma antipartícula podem surgir, mas é imprescindível que antes já exista energia suficiente para fornecer a equivalente massa-energia do par. Da mesma forma, as partículas podem se aniquilar mutuamente, porém a energia continuará a existir, na forma de bósons, como por exemplo fótons. A energia, porém, é apenas um entre múltiplos aspectos que sempre se preservam, ou que pelo menos têm se preservado até hoje nas experiências realizadas. Assim, existem múltiplas leis de conservação: da massa-energia, do momento, do momento angular, da carga elétrica, da cor ou carga ligada às interações fortes, do número de quarks (ou número de baryons), do número de elétrons, do número de múons, e do número de taus (veja Leis de Conservação no anexo 1).

Neste ponto já fica claro que, aos olhos da física atual, se o vácuo não é o antigo éter de Maxwell, também não é o nada absoluto que alguns imaginam que Einstein tenha criado quando deu fim ao éter com sua Teoria da Relatividade Restrita.

Porém a questão vai ainda mais além. O Modelo Padrão, que é a teoria corrente das partículas fundamentais e do modo como elas interagem, ainda não tem uma explicação estabelecida para o fato de certas partículas fundamentais possuírem massa.... [Para situar o leitor, vale dizer que o Modelo Padrão integra três dos quatro tipos conhecidos de interação (veja Forças Fundamentais, anexo 1) e assume para cada um deles um conjunto de partículas mediadoras (carrier particles) associadas. Assim, para as interações fortes, fracas e eletromagnetismo, respectivamente, haveriam os glúons, bósons w e z, e fótons. A gravidade, que não faz parte do Modelo Padrão, teria uma partícula mediadora com o nome de graviton.] Enfim, como eu ia dizendo, o Modelo Padrão ainda não tem uma explicação estabelecida para o fato de certas partículas fundamentais possuírem massa. Uma hipótese para tentar solucionar essa questão foi apresentada pelo físico Peter Higgs em 1966, propondo que o universo seria inteiramente preenchido por um campo chamado de Campo de Higgs. Distúrbios nesse campo, causados pelo movimento de partículas através dele, seriam a causa da massa dessas partículas.

A existência do Campo de Higgs ou da Partícula de Higgs (bóson de Higgs, que seria a partícula mediadora de um quinto tipo de interação) nunca foi comprovada experimentalmente. Mas sua proposição é mais um alerta para que o vácuo de nosso Universo não seja visto como um “absoluto vazio”. Além dos campos gravitacionais, ondas eletromagnéticas e partículas virtuais, ele estaria inteiramente preenchido por esse novo campo, que até hoje nunca foi detectado. Além deste, quantas outras coisas não existirão esperando para ser descobertas?

De forma aproximada e simplificada, essa é a visão atual que a física tem do vácuo.

Tendo em mente esta breve história dos conceitos de éter e vácuo, é interessantíssimo notarmos como, através dos tempos, alguns filósofos e pensadores de áreas distintas da física têm-se oposto enfaticamente à noção de um vácuo. Talvez a experiência humana na terra, perpetuamente sob a atmosfera, seja mais difícil de abstrair do que se possa imaginar. Por outro lado, a idéia de nada absoluto nunca passou de uma elucubração.

O que é o vácuo? O que efetivamente sabemos? Ao trabalharmos com um gás, podemos comprovar que uma determinada massa – à uma determinada temperatura, ocupando determinado volume – exerce uma pressão determinada. Se mantivermos a temperatura e o volume, e utilizarmos menos massa, obteremos uma pressão menor. Isso nos leva imediatamente à idéia de que uma massa zero resultaria em pressão zero. E, de fato, podemos experimentalmente chegar próximos a isso. Isso é o vácuo: a ausência de massa (ou de matéria) e de pressão. Se circunscrevermos a idéia de vácuo a isto, não cometeremos erro nenhum.

Os problemas começam quando se tenta, sem fundamentação, expandir essa idéia. O vácuo, a mera ausência de massa e pressão pode se tornar o nada absoluto (arrepios), e aí o caminho estará aberto para qualquer tipo de elucubração até mesmo para delírios como o vazio que existia antes do big-bang...

E o éter que aparece em Humanos? Ora, este não tem nada de científico. Eu uso a palavra éter porque, além de bela, ela é excelente para sugerir a idéia (não científica) de substrato do universo.
Meu éter, ou substrato do universo, é uma elucubração (que no campo da literatura tem seu direito de existir). A idéia é que tudo o que nós vemos e podemos experimentar ou conhecer, direta ou indiretamente – a energia, a matéria, e todas as leis de física – não passa de desenhos de cera sobre uma folha de papel. Por mais que nos esforcemos, tudo que está a nosso alcance é distinguir as cores e o branco. Nós jamais seremos capazes de verificar que existe um papel.

Se um dia esse papel pegar fogo, os desenhos a princípio ficarão confusos, verão suas leis físicas mudando, e, por fim, deixarão de existir, mas nem assim compreenderão que havia um papel.

De acordo com essa idéia, o vácuo espacial é quase idêntico ao interior da terra, que é quase idêntico ao interior do Sol, que é quase idêntico a um buraco negro. As diferenças são pequenas nuances de tonalidade na cera. Tudo faz parte, e tudo está intrinsecamente ligado, a um único “éter”, que é a verdadeira essência de nosso universo.

A mangabaetérea seria uma estrutura desse “éter” que, assim como o próprio “éter”, não estaria ao alcance de nosso conhecimento. (Como uma dobradura no papel, por exemplo)

Pois bem, se pegarmos essa idéia e a atenuarmos um pouco, de forma que o éter continue como substrato de tudo, mas que seja possível de ser conhecido, manipulado e até destruído, então teríamos coisas como: naves com lagartas etéreas: estruturas impalpáveis, com milhares de quilômetros de extensão, que permitiram a locomoção pelo vácuo apoiada nas próprias fibras do substrato do universo; e os vórtices sugadores de éter, que seriam um tipo de armadilha de que eu preferiria manter distância.

A criatura extracósmica segue a mesma idéia, de que podem existir realidades que não se manifestam a nós. Para nós, a princípio, ela não existe (pois não se manifesta, não é um fenômeno), mas se um dia ela resolver se manifestar, então talvez tenhamos uma grande surpresa.


O Autor, André Carlos Salzano Masini, é Auditor Fiscal da Receita Federal e Escritor, além de Diretor Geral da Casa da Cultura.

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